Por Michelle Albuquerque e Érika Turci
A moda atualmente não limita-se a produzir peças baseadas apenas em dois gêneros. Alguns conceitos elevam essa dualidade para criar um conceito único: a moda agênero, que produz peças baseadas para os gêneros masculinos ou femininos, sem assumir necessariamente um lado e todos podem usá-la. E essa é a principal característica do estilo: ‘todo mundo pode tudo’.
Afinal, é moda agênero, genderless, gender free ou unissex?
No exterior, algumas nomenclaturas são usadas para definir o estilo de se vestir, como o gender light, gender free, gender neutral e o genderless. Já no Brasil, é conhecido como “agênero” ou “sem gênero”, que na prática, possuem o mesmo significado de aposentar a definição de feminino e masculino do vestuário. Assim, como as roupas unissex já propunham há alguns anos de ser para ambos os sexos, sem distinção de modelagem, cor e padronagem.
O conceito está ligado a uma busca constante pela quebra de esteriótipos e conceitos pré-estabelecidos e incentiva que as pessoas vistam-se de acordo com sua personalidade e estilo próprio. Engana-se quem pensa que é um conceito novo no mundo da moda, segundo uma publicação do IBB (Instituto by Brasil), ONG de pesquisa em moda brasileira, o gênero não é uma novidade para os estilistas e seu ponta pé inicial aconteceu com a renomada estilista Coco Chanel em 1920. Ela foi a pioneira na questão quando introduziu peças exclusivamente masculinas em seus desfiles, como calça pantalona e camiseta bretã listrada, que era comum entre os marinheiros.
E, o que aconteceu no salto de tempo entre 1920 e 2017, e porque o agênero está em alta agora no mundo da moda? O movimento está explorando a fluidez dos gêneros e buscando cada vez menos delimitá-lo, como ocorreu durante muitos anos de desenvolvimento de coleções estritamente femininas ou masculinas. Mas, não é uma mudança simples, tampouco rápida.
“Todo mundo pode tudo” . | Foto: Reprodução/ Instagram @pangea_brands
Mudança de comportamento da geração atual
Para a produtora de moda, Carlla Luongo, a moda está sempre em busca de mudanças de comportamento da humanidade frente ao contexto que está inserida. Ela afirma que a atual geração é a que, depois de décadas, veio a questionar sobre os gêneros. E a moda, que é a mais pura forma de expressão, veio a questionar isso também.
“Saia e t-shirt em homem? Camisa larga em mulher? Porque não? […] Moda agênero não leva em consideração o genêro, o que vale é a forma de expressão do seu estilo de vida, do seu humor” explica.
O estilista
Fabiano Torino acredita que a moda agênero vai além de um tendência, ela é um estilo de vida que está fazendo história:
“Reflexo da sociedade atual, jovens mais críticos, pensadores, que questionam, debatem. Não só a vestimenta como o mundo a sua volta” complementa. Reitera que o movimento não é algo novo para o mundo da moda e alguns estilistas e marcas internacionais sempre tiveram essa visão na hora de criar. A principal diferença, segundo o estilista, é que hoje em dia se tem uma liberdade maior de criação.
A moda agênero é feita para ser neutra, com um campo livre de experimentação, em que a partir de uma peça de roupa, o consumidor atue como o principal significante dela, destaca Nilo Lima e Yágda Hissa, designers de moda e criadores da
marca PANGEA. Para eles, quem usa a peça é quem dita qual gênero ela terá. O objetivo é que elas não tragam modelagens trabalhadas para vestir melhor em corpos femininos ou corpos masculinos, que ela seja uma modelagem feita para todos os tipos de corpos.
A crescente das marcas agênero
Em 2016, a loja de departamento brasileira
C&A lançou uma coleção chamada “Tudo Lindo e Misturado”, com fundamentos
genderless e estampada por um homem usando um vestido floral em sua nova campanha. No entanto, tal coleção parece ter ficado apenas em suas propagandas, já que nos cabides das lojas não havia nenhuma novidade além do que estamos acostumados a encontrar em cada seção – ainda bem divididas por gênero.
De acordo com Nilo, designer de moda, a moda agênero sempre existiu, tendo oscilações na sua aceitação e no modo como ela é empregada. Atualmente, com debates sobre expressão e identidade de gênero fervendo por todo mundo, ela não se posiciona apenas como uma tendência e está se fixando como um importante discurso político de liberdade, diversidade e respeito a todos.
Marca PANGEA e a sua diversidade. | Foto: Reprodução/ Instagram @pangea_brands
A partir desse cenário, Nilo e Yagdá, que estudam a história, evolução e paradigmas da moda, analisaram e perceberam a necessidade atual:
‘”A necessidade que a gente observou foi a de pessoas que tinham problemas em relação ao gênero na escolha de suas roupas. Pessoas que gostavam de comprar em outras seções mas não se sentiam confortáveis pelo fato de estarem adquirindo roupas do gênero oposto ao seu”. Dessa sacada surgiu a marca PANGEA que foi criada a partir de uma pesquisa de público – alvo. As pessoas que buscam usar ambas as roupas (femininas e masculinas) é bastante relevante.
A
marca ROUPA PARA BRINCAR, de Renata Gallo e Telma Gagliardo, também surgiu a partir de uma observação de necessidade:
“Foi em um papo de férias, no shopping, depois de ver o quanto as seções infantis das lojas vendiam roupas para mini-adultos, ‘piniquentas’, que travavam o movimento da criança e impediam a brincadeira. Meninas como princesas, com rendas e bordados. Pensamos em algo que fosse o oposto disso. Uma roupa para criança de fato ser criança. E em 2 meses estávamos com as primeiras peças produzidas e divulgando a ideia para nossas amigas, que nos deram sempre um retorno super positivo”.
Para quem ela é feita?
O objetivo principal é que todos possam usá-la! Para a produtora Carlla, exista quem possa querer usá-la para a vida ou apenas para experimentá-la, por pura diversão:
“Em geral, quem abraça a idéia são pessoas de mente aberta, antenadas com o novo e gostam de brincar!” cona. Já Fabiano, relembra homens que viveram na era do
punk rock no final da década de oitenta e início dos anos noventa e, a partir de alguns astros do rock como Mick Jagger, Kurt Cobain e David Bowie, foram influenciados a seguir um estilo alternativo. Destaca também o público LGBTQ é um dos que aderiu mais rápido ao estilo.
É preciso repetir que o conceito livre de gênero não é algo totalmente novo, ressaltam Nilo e Yágda. No passado, homens usavam roupas semelhante a vestidos, saias e peças que, com o passar do tempo, ficaram presas somente ao guarda-roupa feminino.
“O conceito voltou a tona, já que as questões de identidade de gênero e expressão estão cada vez mais fortes na sociedade” complementam.
Ela também é inclusiva. Ajuda a desconstruir o padrão de consumo imposto onde cada pessoa deve comprar sua peças somente na sessão destinada ao seu gênero. A moda possui um papel importantíssimo de representatividade de expressão para determinados grupos:
“É uma ótima maneira de se comunicar, de se fazer pertencer a um grupo e se identificar. Creio que o maior impacto vem sobre aquele que não se identifica com esse sistema binário e agora tem produtos pensados e feitos para que ele possa usar e se expressar da maneira que ele deseja” finalizam. Já Carlla defende que a moda está relacionada diretamente a liberdade:
“Quer mais liberdade do que brincar com os gêneros na moda? É tipo uma brincadeira sem fim!”.
“Um misto de comportamentos.” | Foto: Reprodução/ Instagram @pangea_brands
Quando a marca começou a ter visibilidade na mídia, o contato com a marca aumentou consideravelmente.
“Foi um misto de comportamentos, tivemos vários feedbacks positivos quanto a iniciativa e conceito da marca, também houveram os que não aceitam, que para eles homem veste roupa de homem e mulher roupa de mulher. Houveram os que tinham curiosidade quanto ao conceito em si, por ser algo novo em nossa cidade e até mesmo por ser pouco explorado a nível nacional.”
Por ser uma marca que quebra paradigmas, a aceitação do público na cidade de Fortaleza, no Ceará, foi mais positiva do que Nilo imaginava
“No geral, vemos que está surgindo mais marcas que adotam esse conceito e a cada uma cabe um pouco da responsabilidade de informar, de fazer com que as pessoas conheçam melhor o conceito genderless e entendam o que significa” finaliza.
Qual o diferencial das peças?
De acordo com Carlla, não há diferença entre uma legging que vai estrelar uma coleção feminina com a encontrada no setor masculino de uma loja de departamento:
“Diferença é que na moda agênero uma coleção não precisa ser rotulada como feminina ou masculina. Seria tipo um ‘remember’ do unissex’’.
Na hora de produzir as peças, existem várias técnicas e estudos e na PANGEA não é diferente:
“Fomos experimentando, vendo o que funcionava e o que precisava ser modificado. Tentamos criar peças com possibilidades de uso, com tecidos mais elásticos que permitem que a peça se adeque melhor em uma variedade de tamanhos, utilizamos aviamentos que ajudam a ajustar a peça, entre outras coisas. Não queríamos adotar um discurso e na prática fugir um pouco de sua essência, então nosso diferencial é tentar ao máximo criar peças que funcionem tanto na estrutura feminina quanto masculina” ressalta Nilo.
“Vamos fazer as pessoas se questionaram e ver que roupa não tem gênero é apenas um tecido tridimensional que vai ter forma no corpo, independente do sexo” – Fabiano Torino, Estilista
É o fim do “rosa para meninas e azul para meninos”?
O movimento defende que, para que uma sociedade cresça e se desenvolva cada vez mais livres das roupas divididas por gêneros, o ensino do que é ou não é apropriado começa em casa. Quanto mais cedo a liberdade de escolha e discernimento da criança for estimulada, ela compreenderá que têm direito a muitas opções de escolha.
A moda sem gênero é importante para a formação de uma geração mais livre. Mas, ainda a moda infantil sem gênero é um nicho novo, que necessita pesquisa, estudo e um olhar de mães, acerca dos produtos que serão criados para os pequenos. A jornalista Renata Gallo e a fisioterapeuta Telma Gagliardo, criadoras da marca infantil unissex, destacam a dualidade encontrada nas lojas de departamento para as crianças: “É muito comum você entrar em uma loja de departamento, encontrar a seção e ser tudo rosa e de princesa – e, na parte dos meninos, tudo de super herói. Esse pensamento de quem meninas são princesas e meninos super heróis está cada vez mais ultrapassado” contam.
A moda agênero para crianças da marca “Roupa para Brincar” . | Foto: Reprodução/ pangeabrands.com.br
Defendem que a moda sem gênero não precisa ser básica para as crianças, ela pode (e deve) ter cor e agradar os dois gêneros. Uma prova, é o sucesso da venda das leggings coloridas e estampadas, o carro-chefe da marca, para as mães de meninos:
“Dizem que eles amam o conforto! Achei o máximo uma mãe que disse que o filho chama de ‘roupa rápida’. Os meninos usam muito jeans, então quando vestem uma calça com um tecido macio não querem mesmo tirar” complementam.
Estudar a qualidade do tecido para produzir conforto também é importante para Renata Gallo:
“Nosso tecido tem um toque ultra macio e é super resistente. A ideia da marca surgiu numa necessidade nossa, que não encontrarmos leggings que suportassem as brincadeiras das nossas filhas. Nosso tecido tem proteção solar com fator UV 50, um ponto a mais para ele.’’
Renata Gallo e Telma Gagliardo, as criadoras da marca “Roupa para Brincar”. | Foto: Reprodução/ pangeabrands.com.br
Mas, apesar dos pontos positivos, aparentemente as estampas coloridas e com cores vibrantes, como o rosa, ainda dividem opiniões do público. Sendo comum ainda comentários de mulheres sobre os maridos que nunca deixariam comprar “nessa cor” para os filhos: “
É um pensamento machista, mas que percebemos no nosso público que está em transformação” contam. Entre as próprias mulheres e mães, tem que ache a ideia ótima a ideia de leggings para meninos, quem foge do assunto e até, quem dê conselhos ‘inofensivos’ para as criadoras, como colocar bolso ou adotar o nome de skinny, ao invés de legging. Opções essas que elas passam e não pretendem mascarar o produto em que acreditam que seja indicado para todos, uma peça de roupa confortável e democrática.
Elas acreditam que a popularização da peça está crescendo fora do país para os consumidores masculinos:
“Recentemente estivemos em Barcelona e na vitrine de duas gigantes – Nike e Adidas – fotos de homens com leggings praticando atividade fisica. Nas araras havia legging preta, cinza, azul, com detalhes em neon” e aposa, que a visibilidade de marcas e grandes personalidades ajudem a amenizar o preconceito. Por fim, elas permanecem positivas no pensamento que essa história de feito “para menina” ou “para menino” está ruindo.
Saias para homens: conforto, estilo e descontrução
O estilista Fabiano Siqueira é de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul e com apenas 23 anos, já está quebrando os padrões e lançando tendência no país. Ele lançou uma coleção de saias com a sua marca, de mesmo nome, e está conquistando as redes sociais. Os produtos são fruto do Trabalho de Conclusão de Curso em Design de Moda e da fascinação do estilista por homens usando saias, no entretenimento e desfiles de moda internacional.
Ele desenvolveu sua primeira coleção e surgiram muitos pedidos e encomendas de suas peças, na página oficial da marca no Instagram e os preços variam de R$80,00 a R$120,00. Com o lema
“Saia de mulher. Saia de homem. Saia do armário. Saia de quem quiser!”, sua inspiração vem principalmente dos kilts escoceses e segue a crescente onda que a peça vêm ganhando espaço no guarda-roupa masculino.
Desfile da coleção de saias do estilista Fabiano Torino em 2016. | Fotógrafo: Higor Blanco
Fabiano, que é adepto da moda sem gênero, viu a necessidade em produzir suas próprias peças também por não encontrá-las tão facilmente em sua cidade natal. Para buscar referências ele realiza uma pesquisa geral, em sites de
megatrends, desfiles nacionais e internacionais e observando o estilo das pessoas na rua. Na moda “masculina”, as saias têm ganhado espaço em desfiles e looks de estilistas famosos como
Alexander McQueen e
Marc Jacobs. Com o comprimento na altura do joelho e corte reto, as saias contam com tecidos mais pesados, como flanela, jeans e sarja.
O estilista acredita que o sucesso das saias ou vestidos devem-se ao conforto e liberdade que elas proporcionam para quem a usa e quem tem curiosidade, deve sim se sentir livre e experimentar. Ele acredita também que ousar é o que diferencial, pois só assim, aos poucos será possível mudar a sociedade em que vivemos:
“Vamos fazer as pessoas se questionaram e ver que roupa não tem gênero é apenas um tecido tridimensional que vai ter forma no corpo, independente do sexo” complementa.
Saias da coleção “Fabiano Torino”. | Fotógrafo: Higor Blanco
Empreender na moda agênero
Para Carla, Nilo e Renata, a dica valiosa para quem quer empreender nesse mercado de moda agênero é a pesquisa, estudo das possibilidades e a dedicação.
“Para quem sonha em empreender, a principal dica é, faça, execute! Não fique apenas na ideia. Use a sua rede de apoio para troca de informações, para ter o retorno do seu projeto. Entre a ideia e a criação da marca foram apenas 2 meses. E, aos poucos, fomos nos ajustando, de acordo com o retorno que tínhamos dos nossos amigos e clientes. Estar aberta a ouvir críticas também é fundamental” aconselha Renata.
Já para os consumidores dessa moda, é preciso ousar!
“Não deixem de ousar ou experimentar por conta de olhares atravessados.Temos que romper essas barreiras e conscientizar quem ainda vê essa moda como algo negativo que não há motivos para isso. Que somente criamos/usamos roupas, nós que significamos o que vestimos e não ao contrário” aconselha Nilo. E por último e não menos importante, você deve se sentir bem com o que está vestindo. Encontre seu estilo e seja feliz!