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A tarde que passamos com o primeiro escritor indígena da região de Bauru

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Da tribo dos terenas, Irineu Njea’a é historiador, especialista em antropologia e presidente da ARACI, associação que luta pela preservação da cultura indígena  

 
Por  Wesley Anjos

Era mais uma tarde chuvosa como as que tivemos há pouco em solo bauruense. Quando chegamos à sala da Associação Renascer de Preservação da Cultura Indígena (ARACI), que fica no Museu Ferroviário, demos de cara com Irineu terminando um de seus artesanatos. Após os cumprimentos, eis que ele nos alerta para algo primordial: “de modo algum use o termo ‘índio’ e sim o termo ‘indígena'”. Por que será que ele não demonstrou aprovação à palavra ‘índio’?

Como jornalista é um bicho essencialmente curioso, tratamos logo de pedir para que ele nos explicasse a diferença. Atencioso e muito didático, algo que foi de grande valia em toda a entrevista, ele foi logo explicando que é um termo arraigado na sociedade brasileira, porém carregado de preconceitos. “A palavra índio era um termo usado pelos europeus para as pessoas que moravam fora da Europa e para quem morava no país Índia. E quando eles chegaram ao Brasil, aqui tinha mais ou menos 1500 povos. Só que eles não se atentaram a conhecer quem eram esses 1500 povos. Eles se atentaram apenas em explorar a terra, de forma que colocaram todos dentro de um saco em que todo mundo vira índio” – revela Irineu.

A diversidade de tribos brasileiras acabam generalizadas pelo termo “índio”. (Foto: Larissa Cavenaghi)

Com paixão, ele nos conta ainda que indígena é aquele que é originário da terra, “o que nasceu aqui, bem diferente da palavra índio”.

“A palavra índio tira a identidade. Então me chame de Irineu. É como se me chamassem por um apelido. A vida inteira chamam você por um apelido e aquela pessoa que te encontra não sabe o seu nome. Eu me sentia sem identidade e, a partir do momento que eu publiquei um livro, comecei a usar o termo indígena”.

Ele não é o único que defende o uso de termo indígena. O professor e doutor pela USP, Daniel Dunduruku, é outro indígena que é contra o termo ‘índio’. Aliás, em um fórum que aconteceu de 2006 a 2007 em Brasília, a ONU adotou ‘índigena’ e ‘povos indígenas’ como a forma oficial de se referir aos povos originários da nossa terra.

Neste instante, mais uma vez tivemos certeza que não estávamos falando apenas com o presidente da ARACI Cultura Indígena, tampouco com o historiador e antropólogo. Não. Muito mais do que isso. Era Ireneu Njea’a do povo Terena que estava bem na nossa frente prestes a nos dar uma aula que quebraria muitas de nossas ignorâncias sobre o tema.

 ARACI Cultura Indígena

Embora ARACI seja uma sigla, Irineu compartilha conosco que prefere que seja dito ARACI Cultura Indígena, para não haver confusões com um nome de mulher. Mas se é para falar sobre isto, vale ressaltar que o trabalho de Irineu com a preservação indígena surgiu em 2003, antes do surgimento da associação, só que de forma solitária. “Em 2014, com um grupo de amigos de antropologia, fundamos a ARACI. Mas falemos em ARACI Cultura Indígena”.

A ARACI faz um trabalho de preservação à memória de diferentes tribos indígenas brasileiras. (Foto: Pedro Maziero)

A associação traz para a região algumas palestras com o professor Márcio Coelho, que é mestre em Antropologia. A intenção é promover um contato maior das pessoas e romper a mania de aglutinar a pluralidade das tribos indígenas brasileiras em uma cultura só. Mais do que as palestras com Coelho, a associação tem oferecido uma capacitação aos professores da rede municipal de Bauru por intermédio de um curso de História e Cultura Indígena.

Eles contam ainda com um acervo de artesanatos de diferentes tribos e uma biblioteca com obras que abrangem cerca de 20 etnias indígenas brasileiras. As obras ainda não foram catalogadas, tampouco possuem um bibliotecário. Há um longo trabalho pela frente.

Mito de origem do povo Terena 

Se você pensou até aqui que o trabalho com a rede de educação municipal de Bauru é feito somente com os professores, está enganado. O trabalho da associação também chega diretamente às crianças. Não dissemos que passamos uma tarde com o primeiro escritor indígena da região de Bauru à toa. Mas, antes de falarmos sobre sua obra, precisamos falar sobre o seu povo. Afinal, ambos são intrínsecos.

 

Os terenas são originários do Mato Grosso. Inclusive, atualmente há cerca de 26 mil terenas por lá. O ano que eles chegam até a região de Bauru é o de 1932. Os guaranis ocupavam as terras da Aldeia Kopenoty, uma das quatro que compõem a Reserva de Araribá. A reserva fica localizada no município de Avaí. Na época, os guaranis a abandonaram porque o seu povo estava morrendo com a gripe espanhola.

Por serem terras devolutas, Marechal Rondon, simpatizante das causas indígenas e amigo do povo terena, indicou o espaço para eles. Atualmente, a Reserva Indígena de Araribá possui predominância dos terenas, guaranis e kaigangs.

Ilustrações do livro de Irineu trazem um resgate cultural. (Foto: Pedro Maziero)

Passados tantos anos, algo muito importante da cultura terena estava morrendo na aldeia: o mito do seu povo. Quem diria que pessoas estariam escondidas em um buraco, nuas e com frio, e um bem-te-vi ajudaria a encontrá-las? Um mito que traz a participação de outros animais na busca do fogo para aquecê-las e explica a origem do mundo como ele é hoje.

Para manter este mito vivo na aldeia, uma grande preocupação do seu pai, Irineu escreveu o livro. Mais tarde, seria uma obra compartilhada com as crianças do ensino municipal bauruense. “Eu tenho levado o mito do meu povo. Este livrinho é a chave para a porta de entrada que traz a questão da reflexão indígena para as crianças. Ele é desenhado. Demorei uns 8 meses, quase 1 ano para desenhar ele todo. Eu falo que é um artesanato intelectual. Quando a criança olha, mesmo que não saiba ler, ela entende. É um livro para todas as faixas etárias.  As professoras amaram”.

Era para visitar 23 escolas apresentando a sua obra. Todavia, acabou por visitar 33. Inclusive, não é só em Bauru que os seus livros têm  sido apreciados. O mito terena tem percorrido o Brasil. Já foi vendido em Brasília, Belém, Manaus, Mato Grosso e Goiás.

 O agro não é pop e a PEC 215 muito menos

Se falamos em preservação da cultura indígena, é impossível dissociar da preservação das matas e distribuição de terras. Outra parte da luta de Irineu é a sua militância. Militância esta que bate de frente com o agronegócio, com o genocídio de povos indígenas e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215.

A polêmica  PEC 215  está há anos no congresso. Basicamente, ela visa passar a demarcação de terras para o poder legislativo. Atualmente, a União que cuida desta distribuição e conta com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) na intermediação do poder executivo com os povos indígenas. Uma forte crítica é o número de membros do congresso que representam o agronegócio, o que poderia gerar um retrocesso caso a PEC fosse aprovada.

“O governo é omisso. Em 1988 que foi determinado por lei que deveriam ser demarcadas as terras indígenas em 5 anos, já passaram 27 anos e muitas terras não são demarcadas” – explica Irineu. “Na TV dizem que o agro é pop, o agro é tudo. O agronegócio não é tudo. Quem abastece o Brasil hoje são os agricultores familiares. O agronegócio se preocupa apenas com exportação. Vai tudo pra fora. O agronegócio se baseia em um latifundiário com uma vasta porção de terra. Um dono só. Reclamam que as terras que são destinadas a povos indígenas são muito grandes. Só que não são apenas para um dono. Mas para todo uma comunidade que vive de forma colaborativa”.

Irineu acredita que a exploração aos povos indígenas se deu desde o início da colonização. Mercantilistas, os portugueses tinham uma visão muito diferente dos nativos, que não pensavam em acumular. “O maior genocídio do mundo foi o dos povos indígenas do Brasil. Não só do Brasil, mas da América. De 8 milhões de indígenas, hoje restam 860 mil. E  isso continua no Mato Grosso. Os fazendeiros hoje estão matando os líderes, tirando as famílias de dentro das terras. Há um confronto muito forte”, ressalta Irineu.

 
 
Foto de capa: Pedro  Maziero
 
 
 
 

Redação

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