É um bairro residencial, o Jardim São Paulo, que circunda a cidade de Boituva, interior de São Paulo. Em meio a todas as casas recém construídas, todas seguindo os mesmos tons pastéis, há uma casinha que se destaca. Sem portões, sem calçada, sem piso cimentado, um tom de azul forte pintado diretamente sobre o reboque. Há duas meninas conversando na porta de entrada, outro casal brincando com seu filho no “puxadinho” construído ao lado. Enquanto todas as outras casas pastéis estão silenciosas, com vidas contidas pelos seus muros – e seus medos, essa casa em especial não se importa em conter sua existência em privacidade. Logo que estaciono o carro, as crianças começam a sair de dentro das paredes simples, e atrás delas vêm os animais de estimação. Gatos, cachorros, galinhas – até mesmo, gansos.
Na casa azul, vivem 14 pessoas. Dividindo-as pela quantidade de cômodos, são quase 5 pessoas por aposento. No puxadinho ao lado, vivem mais 3. O núcleo da família é o Seu Geraldo, 58 e a Margarida, 45, pais de 9 filhos, com idades entre 4 e 30 anos. Os mais velhos já tiveram seus próprios, que moram ali também. A grande família tem relações que poderiam espantar algumas pessoas acostumadas com a “típica família brasileira”, afinal, o pequeno Gabriel de 4 anos é o tio de Ana Carolina, de 8. Na realidade, talvez essa seja a “típica família brasileira”. Esse tipo de vida, essas pessoas – invisíveis, que na maioria das vezes são lembradas somente através de estatísticas, representam o Brasil que existe fora dos nossos muros pastéis.
Começo a conversar com os moradores e uma das meninas, com 13 anos, me pergunta se eu tenho irmãos. Afirmo que não e a reação da adolescente é dizer “que sorte a sua!”. Crescendo com mais 13 pessoas, Ana não sabe o que é ter seu próprio espaço, seu quarto. Conversa vai e vem e ela descobre que moro longe dos meus pais, pois estou cursando Jornalismo. Para ela – e para sua mãe, Margarida isso parece incabível. “Jamais deixaria meu filho morar tão longe de mim!”. Na verdade, faculdade é uma ambição muito longe da realidade deles. Poucos ali sequer se formaram no Ensino Médio e os que sustentam a casa – os filhos mais velhos e o Seu Geraldo, vivem somente de “bico”, um tipo de trabalho informal inconsistente. Já as mulheres param de trabalhar quando engravidam.