Pouco debatido, o papel do futebol como fenômeno social é maior do que se pensa
Guilherme Henrique
Em ano de Copa do Mundo, ainda mais com o torneio sendo realizado no Brasil, as discussões sobre o esporte mais popular do mundo parecem permear todos os assuntos. Desde questões envolvendo os gastos públicos com a realização do evento até as trocas de figurinhas entre os aficionados viram tema de debate. Contudo, um aspecto é quase sempre excluído das discussões, e não só durante os meses da Copa: o do futebol como componente da identidade e da cultura das sociedades.
Importante traço da cultura de vários povos, o futebol age, juntamente com diversos outros fenômenos, como um grande espelho das sociedades. Porém, por muito tempo esse papel foi negligenciado, inclusive no Brasil. Mesmo sendo praticado por aqui desde o final do século XIX, somente a partir do primeiro governo de Getúlio Vargas, de 1930 à 1945, é o que o futebol passou a fazer parte da sociedade e da cultura brasileira. O momento coincide com a ampliação da popularidade do esporte e com a explosão de intelectuais dispostos a entender o país, como Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Hollanda.
Nesse contexto, é lançado em 1947 o livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, do jornalista Mário Filho. “O autor traça um painel da história do futebol brasileiro: do ‘inglês’ Charles Muller ao negro Leônidas, do futebol como uma prática social das classes médias e altas até se transformar num esporte popular”, explica o professor Denaldo Alchorne de Souza, docente na área de História do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Ele ainda ressalta a importância da obra: “é, sem dúvida, uma obra que influenciou definitivamente as nossas concepções de futebol e identidade nacional”. Merecem destaque também cronistas como Nelson Rodrigues (irmão de Mario Filho), José Lins do Rêgo e Armando Nogueira, que para Souza ajudaram “a crônica esportiva a ganhar um estilo próprio, que possibilitou construir um novo imaginário social sobre a nação”.
Mas como um esporte, muitas vezes reduzido como “22 caras correndo atrás de uma bola”, pode refletir e servir de metáfora para característica de determinado povo? Para o historiador Gerson Wasen Fraga, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), o futebol é um fenômeno social de grande alcance devido a alguns motivos: “ele move muitas pessoas pois constitui comunidades imaginadas e outras que talvez sejam bem mais materializáveis, caso das torcidas organizadas, por exemplo. E nos exige pouco em troca, basicamente, nossa paixão e nossa fidelidade a um clube ou seleção e o conjunto de símbolos que materializam o objeto desta paixão”. Fraga ainda aponta que essas características dificilmente serão encontradas em outros fenômenos sociais, e faz do futebol muitas vezes uma representação da país, como por exemplo a noção de “pátria de chuteiras” delegada ao Brasil.
Para entender mais sobre o futebol como fenômeno cultural e social, a lista abaixo trás 7 livros que podem ajudar:
O Negro no Futebol Brasileiro, Mario Filho (Mauad, 342 páginas, R$ 64,90)
Já citado no texto, o clássico livro do jornalista que dá nome ao estádio do Maracanã fala sobre o papel da miscigenação no futebol nacional.
O Berro Impresso das Manchetes, Nelson Rodrigues (Agir, 544 páginas, R$ 68,90)
Coletânea das crônicas de Nelson Rodrigues na revista Manchete Esportiva entre 1955 e 1959. Interessante para conhecer o, talvez, maior cronista esportivo do país e ver que ele não escrevia só sobre futebol. No livro, é possível encontrar crônicas do “Anjo Pornográfico” sobre remo e boxe.
Ensaio antropológico que busca entender o futebol como fator formador da identidade nacional, e de como o esporte foi apropriado e reinventado no Brasil.
De viés sócio-histórico, o livro traça paralelos entre a evolução da sociedade e a evolução do futebol, e como ambos estão intrinsecamente ligados
Livro reportagem onde o autor expõe as mazelas da globalização e de que forma o futebol e seus fãs podem expô-las.
O Drible, Sérgio Rodrigues (Companhia das Letras, 224 páginas, R$ 38,00)
Amplamente elogiado, o romance lançado em 2013 conta a história da relação de um cronista esportivo aposentado e seu filho fracassado, com o futebol brasileiro como pano de fundo e personagem do enredo.
Febre de Bola, Nick Hornby (Companhia das Letras, 352 páginas, R$ 39,00)
Memórias do autor, que relembra a primeira vez em que foi a um estádio ver o seu time do coração jogar e as consequências disso em sua vida.