A prática da Capoeira como espaço de manifestação política, ocupação e resistência
Texto: Michel F. Amâncio e Victória Linard
A capoeira, embora seja compreendida por diversas pessoas como uma espécie de dança, na verdade é um tipo de arte marcial brasileira. O que pode gerar tal confusão é o fato de que essa luta se apresenta acompanhada por um ritmo musical, reproduzido pelos próprios capoeiristas, através de instrumentos como o berimbau, o pandeiro e o atabaque.
Essa arte marcial chegou ao Brasil junto com o tráfico de escravos africanos, na época da colonização do país. A prática da capoeira se tornou, então, um símbolo de resistência e de preservação da cultura africana em território brasileiro, indo contra os costumes da cultura europeia que eram impostos na época.
Pouco tempo após a abolição da escravidão, a camada da população composta por antigos escravos foi abandonada à própria sorte, compondo assim um grupo de pessoas extremamente negligenciadas e marginalizadas na sociedade.Pr volta dessa época, o preconceito contra os povos negros e seus costumes ainda se mostrava tão forte quanto antes. Inclusive, no ano de 1890, a República Brasileira decretou como proibida a prática da capoeira em todo território brasileiro, alegando que ela ameaçava forças policiais e os demais cidadãos.
Desde aquele tempo, a prática da capoeira passou a ser vista por algumas pessoas com muito
preconceito, especialmente por ser um símbolo de resistência negra. Infelizmente, é possível traçar um paralelo com nossos dias atuais e perceber que esse tipo de discriminação ainda é bastante presente na sociedade brasileira.
Há 12 anos em plena atividade, a Casa da Capoeira de Bauru é um espaço representativo da cultura afro-brasileira. Localizada no Jardim Auri Verde, a Casa vive num constante antagonismo com os padrões típicos de um bairro da classe média. O responsável pelo projeto é o professor de capoeira Alberto Pereira, formado em educação física pela UNESP (Universidade Estadual Paulista).
De um modo geral, ele nos fala um pouco sobre a Casa da Capoeira e a Praça Mestre Bimba, que fica logo em frente. Uma curiosidade sobre a praça é que ela carrega o nome do primeiro lutador a abrir uma academia de capoeira no Brasil. Na década de 1920, Mestre Bimba buscou ressignificar a capoeira, criando um gênero chamado de Luta Regional Baiana, já que a prática da capoeira em si ainda era proibida no país.
As divergências entre a associação de moradores e a Casa da Capoeira tiveram início antes mesmo da construção do espaço. Alegando uma suposta desvalorização imobiliária do bairro, parte da vizinhança impôs um embargo à obra. De acordo com Alberto, a briga foi determinada por uma evidente questão de classe e raça: “No fundo, aquele era o desejo de uma sociedade de origem branca e europeia que não admite uma sociedade africana”.
A obra, porém, saiu do papel. Hoje, a Casa é considerada um exemplo estético e arquitetônico no bairro. Ainda assim, isso não impede que o local continue estigmatizado frente à intolerância religiosa. Enquanto conhecemos o lugar, um dos membros da Casa pede a oração dos capoeiristas para ajudar seu mestre enfermo sob canções da Umbanda:
Deu meia-noite o galo já cantou,
Seu Tranca-Rua que é o dono da gira
Oi corre gira que Ogum mandou
A ignorância leva, para Alberto, à confusão clássica entre as religiões de matriz africana.
Macumba, Candomblé e Umbanda são a mesma coisa para o viés conservador e moralista, que também demoniza aquilo que é diferente. Essa visão se contradiz no momento em que a expressão religiosa e cultural dos que frequentam a Casa é o que promove a ocupação do espaço urbano do bairro. A rua e os arredores são tomados por uma sensação de segurança quando, em dias muito quentes, os capoeiristas usam a praça Mestre Bimba (que foi cedida pela prefeitura) para treinar.
De acordo com Alberto, houve diálogo com o poder público para que a praça pudesse
ser ocupada e cuidada pela Casa, mesmo sem receber auxílio financeiro por isso.
Na data de nossa entrevista, acompanhamos o batizado de capoeira de um grupo de jovens, crianças e adultos. Após o almoço e a roda de samba, Alberto encaminha a reunião para o momento final: o plantio do Baobá na Praça Mestre Bimba.
Árvore originária da África, é uma espécie que alcança os 6 mil anos de vida. “Essa muda de Baobá veio com uma recomendação de um amigo: plantar numa praça pública, pra todo mundo”, anuncia Alberto: “Essa planta vive muito e é para as próximas gerações. Um testemunho do que a gente vai viver por aqui”