O longa-metragem se torna sexagenário e marca um período de referências à vida e obra do mestre dos filmes de horror
É difícil nos deparar com alguém que nunca tenha ouvido falar no nome de Alfred Hitchcock. Não só por conta do seu marcante sobrenome, mas porque mesmo aqueles que não são fãs de cinema, já viram a famosa cena de “Psicose” (1960), onde a protagonista do filme é brutalmente assassinada no meio do longa-metragem, por um psicopata que a aborda às facadas durante o banho. O diretor britânico redesenhou os conceitos dos filmes de suspense e terror e sua contribuição para o cinema mundial é sentida até os dias de hoje.
(A clássica cena de Psicose, protagonizada pelos atores Janet Leigh e Anthony Perkins/ Foto: Divulgação/IMDB).
Um dos principais filmes de Hitchcock é “Um Corpo Que Cai” (1958) e, em 2018, a obra completa 60 anos, despertando um momento de grandes referências ao trabalho do diretor nos dias atuais. O filme é baseado no romance de 1954, D’entre les morts (Dentre os Mortos, em tradução livre), do escritor Boileuau-Narcejac e conta a história de Scottie (James Stewart), um policial que acaba desenvolvendo uma grande síndrome do pânico, após cair de um telhado, e precisa se afastar do trabalho. Após o trauma e, com tempo livre, já que está afastado, Scottie recebe um convite para investigar a mulher do seu melhor amigo, pois ele desconfia que a esposa está o traindo. O policial então acompanha a rotina de Madeleine (Kim Novak) e se apaixona por ela, mas de uma forma platônica, e começa a tratar a imagem da mulher como se fosse uma espécie de entidade. As histórias começam a se confundir e o espectador de “Um Corpo que Cai” não consegue entender se a trama é real ou está se passando apenas na cabeça de Scottie, já que ele não está bem mentalmente.
As respostas são reveladas aos poucos, de maneira quase que torturante, e o desenvolvimento do longa-metragem é eletrizante. Por fim, um desfecho jamais esperado quebra qualquer teoria que quem o assiste tenha elaborado. Hoje em dia, após 60 anos de seu lançamento, “Um Corpo que Cai” é considerado o melhor filme de todos os tempos, segundo a última enquete da revista Sight and Sound, do Festival de Cinema Britânico (BFI), que realiza essa pesquisa a cada dez anos. Nessa última avaliação, que classifica os 50 melhores filmes de todos os tempos, o longa-metragem de Hitchcock superou os votos recebidos por “Cidadão Kane” (1941), que ficou em primeiro lugar em todas as enquetes feitas pela BFI, totalizando um período de 50 anos em liderança.
O filme queridinho, mas nem tanto
O mais curioso é que nem sempre “Um Corpo que Cai” foi aclamado assim: no lançamento do filme, a crítica especializada não gostou da nova aposta de Alfred Hitchcock, mas isso não incomodou muito o diretor. A filha do cineasta, Patricia Hitchcock, disse em 1996, que seu pai nunca se preocupou com isso: “Ele fez seus filmes para o público, não para os críticos. Claro, ele fica chateado se os críticos não gostam do filme, mas seu motivo principal é fazer uma produção para o público. Ele fez esse filme para você”.
Mas, se atualmente a obra pode ser considerada o melhor filme de todos os tempos, por que quando lançada, desagradou a tanta gente? A explicação é do crítico de cinema e especialista em Alfred Hitchcock, Antônio Almeida: “Quando lançou Vertigo (fazendo referência ao nome em inglês), Hitchcock tinha feito naquele filme coisas que estavam tão à frente de seu tempo, tantos em termos de narrativa como em aspectos técnicos, que não foram compreendidas pela crítica. Isso é bem comum com diretores vanguardistas e também aconteceu com Orson Welles, diretor de “Cidadão Kane”. No cinema, algumas inovações só são notadas em sua importância quando se passa um tempo para digeri-las”.
Em relação à parte técnica, “Um Corpo que Cai” foi muito importante para o audiovisual, pois foi a primeira obra cinematográfica a usar o zoom Dolly, um efeito de câmera conhecido por distorcer a perspectiva, afim de criar uma desorientação em quem o assiste. Tanto que, como resultado do seu uso no filme, o efeito é conhecido como “o efeito Vertigo”. De acordo com o crítico Antônio Almeida, toda a obra de Alfred Hitchcock possui características inovadoras e, além do efeito zoom Dolly, o diretor também tem os créditos pela primeira cena de terror com trilha sonora. No filme “Psicose”, a ‘musiquinha’ regida por uma orquestra, na clássica cena do assassinato no chuveiro, é até hoje utilizada em cenas horripilantes.
(Cena do filme Um Corpo Que Cai, onde se é possível ver de perto a utilização do ‘efeito Vertigo’/ Foto: Divulgação/IMDB).”’
Mas, afinal, quem é Alfred Hitchcock?
O ‘mestre do suspense’, como é conhecido pelos profissionais área, nasceu na cidade de Londres, no dia 13 de agosto de 1899. Seu início na carreira cinematográfica começou em 1919, quando se tornou designer de intertítulos de um estúdio britânico. Em 1920, Hitchcock passou a integrar o time de uma companhia cinematográfica norte-americana, com filial em Londres, chamada Famous Players-Lasky. Ele reuniu algum de seus croquis de decoração de filmes mudos, se apresentou aos donos da empresa e ganhou a vaga. Na Famous Players-Lasky, Alfred desempenhou as funções de letrista, formador de cenários e, por último, começou a colaborar em pequenos diálogos de filmes, sob a tutela do diretor Georges Fitz, que também ensinou muitas técnicas de filmagem ao seu tutelado.
(Alfred Hitchcock, em um dos seus sets de filmagem, em Los Angeles, Califórnia/ Foto: Divulgação/IMDB).
Dois anos depois, ele colaborou com a direção de “Always Tell You Wife” e, nos estúdios de filmagem, conheceu Alma Reville, que mais tarde viria a se tornar sua esposa. Os dois trabalharam juntos na produtora Gainsbouroug Pictures e, em 1925, dirigiu seu primeiro filme, “The Pleasure Garden”. Com o sucesso de suas obras, especialmente “A Story of the London Fog”, o primeiro suspense de Hitchcock, o diretor conquistou fama internacional. Em 1929, ele dirigiu seu primeiro filme sonoro, chamado “Blackmail” e, em 1939, mudou-se – ao lado da esposa – para Los Angeles, onde conquistaria seu espaço em Hollywood. A estreia do cineasta em terras americanas foi com “Rebeca, A Mulher Inesquecível” (1940), filme que recebeu o Oscar de Melhor Filme (1941) e Melhor Fotografia Preto e Branco (1941).
A personalidade de Alfred Hitchcock apresentava muitas controversas. Com uma educação rigorosa, o diretor era conhecido por ser extremamente controlador e autoritário nos sets de filmagens. Ao mesmo tempo que demonstrava ser um marido apaixonado por Alma Reville – o relacionamento dos dois viria a ser registrado no filme “Hitchcock”, de 2012, estrelado por Anthony Hopkins – o diretor também se envolveu em inúmeras polêmicas consideradas sexistas, principalmente por seu fascínio por atrizes loiras, característica que permeavam as protagonistas de seus filmes. A protagonista do filme “Os Pássaros” (1963), Tippi Hedren, denunciou os abusos psicológicos do diretor em sua biografia, lançada em 2016. Além disso, Hitchcock também era conhecido por seus ataques de fúria, devido ao seu grande perfeccionismo.
Apesar dessas controversas, Alfred Hitchcock se tornou um dos maiores cineastas de cinema de mistério e intriga, com um domínio peculiar das técnicas cinematográficas. Sua obra é considerada um marco para o cinema e, até os dias de hoje, é reverenciada de muitas formas. Em 2013, estreou no mercado estadunidense a série “Bates Motel”, produzida pela Universal Studios, com um enredo que conta como foi que o famoso Norman Bates, de Psicose, se tornou um assassino em série. Além disso, referências ao seu trabalho sempre são feitas na cultura pop, como a série de TV Mad Men, que recentemente fez várias alusões ao personagem Don Draper e relacionou em diversos episódios ao filme “Um Corpo que Cai”.
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