Segundo dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, são 800 mil profissionais da área em atividade no país
Por Amanda Araujo, Clara Tadayozzi e Giovana Murça
O lixo, que para muitos é a última etapa do produto que um dia teve serventia, pode ser só o começo do ciclo para quem vive da reciclagem. Como é o caso de Maria Aparecida Silveira, que já foi catadora de rua, mas hoje é presidente da Cootramat, uma cooperativa de reciclagem de Bauru. “Criei meus sete filhos com a renda da cooperativa”, ela comenta.
Os catadores que, muitas vezes passam despercebidos no dia a dia das pessoas, são responsáveis por cerca de 90% do lixo reciclado no Brasil. Foi o que apontou uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2013. Dos 800 mil catadores do país, aproximadamente 85 mil são associados ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.
Desde 2010, houve um aumento de 138% na abrangência nacional da coleta seletiva, segundo o estudo Ciclosoft 2016, realizado pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre). Entretanto, mesmo após a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil em 2010, apenas 1.055 cidades brasileiras realizam de alguma forma a coleta seletiva, o que representa 18% do total.
Bauru: Reciclagem que tem limites
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Bauru (Semma) tinha até o ano de 2014 para se adequar à Política Nacional de Resíduos Sólidos e à Política Municipal de Limpeza Urbana e de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, criada pela lei municipal nº 5.837, de 2009. A lei estabelece diretrizes e normas que visam a proteção do meio ambiente e da saúde pública e compreende o “conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas”, de acordo com o site da Semma.
Segundo o diretor de controle de projetos ambientais da Semma, Luiz Henrique Faccin, o município segue a determinação da lei fazendo a coleta seletiva, mantendo os Ecopontos e encaminhando o material reciclável para as cooperativas da cidade. A responsável pela coleta de resíduos é a Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb).
Segundo os cooperados da Cootramat, o caminhão da Emdurb vai à cooperativa por volta de três vezes por dia – Foto: Amanda Araujo
Atualmente, a coleta orgânica atende 100% da cidade e a coleta seletiva atinge 90%, excluindo alguns bairros periféricos. “Já ampliamos a coleta seletiva no final do ano passado; os bairros que ficaram de fora são mais distantes e teremos que estudar para estarem entrando”, afirma Nivaldo Peres, gerente de limpeza pública da Emdurb.
Segundo o plano de objetivos, metas, projetos e ações elaborado pela empresa de conservação ambiental Reúsa, de Jaboticabal (SP), em parceria com a Semma, Bauru deveria reciclar 35,3% ou 33,48 toneladas por dia de resíduos recicláveis até 2018. Porém, a meta ainda está longe de ser atingida, já que a Emdurb coleta apenas entre 7 e 8 toneladas de material reciclável por dia, e a quantidade de material que de fato é reciclado pelas cooperativas é inferior à quantidade trazida pela Emdurb.
Nivaldo Peres afirma que um dos fatores do valor baixo é a existência de alguns caminhões clandestinos, a que ele se refere como “atravessadores”, que acompanham o itinerário divulgado no site da Emdurb para coletarem os resíduos antes da empresa. “A gente não tem muito o que fazer. A gente passa, se o resíduo estiver na calçada, a gente pega. Não tem como impedir que os atravessadores peguem esse resíduo também”, assume.
O ciclo do lixo reciclável em Bauru se inicia com a coleta seletiva nos bairros setorizados e nos Ecopontos. Em seguida, o material recolhido é destinado às cooperativas de Bauru, responsáveis por separá-lo por tipo – plástico, papel, metal ou vidro – e prepará-lo para a comercialização. Veja a rota do material reciclável em Bauru no infográfico.
Produção: Giovana Murça
A cidade de Bauru tem três cooperativas de reciclagem: a Cootramat, a Cooperbau e a Coopeco. As cooperativas são essenciais, pois por meio da triagem e venda dos resíduos que podem ser reutilizados na economia, os participantes, de forma conjunta, conseguem seu sustento. Além disso, os membros desse tipo de associação auxiliam significativamente nos processos da cadeia produtiva de reciclagem que constam na Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Cooperando pelo meio ambiente
A Cootramat existe desde 1996 e é composta por 15 cooperados, sendo 4 homens e 11 mulheres. Além do material levado pela Emdurb, a cooperativa também recebe doações de empresas, como Correios e Banco do Brasil, e material de munícipes que descartam diretamente lá. Com as doações, a renda mensal dos cooperados é em torno de R$ 1000; sem o material extra, a renda pode chegar a R$ 700. “ Isso se o cooperado não faltar, se ele faltar fica 300 ou 400 reais”, completa a presidente da cooperativa, Maria Aparecida Silveira.
Segundo a cooperada Maria Cecília Pereira, hoje as cooperativas da cidade recebem, em média, entre 50 e 60 toneladas por mês cada. De acordo com o Plano de Resíduos, uma das metas era melhorar o índice atual de triagem per capita de 65kg/pessoa/dia para 200 kg/pessoa/dia até 2018. A quantidade de material reciclado não aumentou nos últimos anos e 65kg/pessoa/dia é a média atual. “Pela quantidade de material que as cooperativas recebem hoje, está muito longe de reciclar 200 kg/pessoa/dia até o final do ano”, afirma Cecília.
Nas cooperativas, o trabalho é feito majoritariamente por mulheres que são chefes de família: “Criei meus filhos sem homem nenhum”, conta a presidente da Cootramat, Maria Aparecida – Foto: Amanda Araujo
Nem luxo, nem lixo
A falta de uma infraestrutura melhor é um dos impedimentos para se aumentar a produção da cooperativa. Nos últimos anos houve um apoio por parte da Prefeitura e a estrutura melhorou, antes “era tudo terra e barro”, relembra Maria Cecília. O terreno foi doado pela Prefeitura e a cooperativa não paga as contas de água e luz.
Atualmente, um dos barracões está com o teto quebrado, representando um perigo aos cooperados, que tiveram que amontoar o material sob uma só cobertura. Segundo a presidente Aparecida, foi enviado um ofício para a Prefeitura e agora eles aguardam o conserto. “Com o barracão assim, quando chove enche de água até na canela e temos que ir embora”, relata a presidente.
Além disso, a cooperativa enfrenta um problema com relação ao material que vem dos Ecopontos. Muitos catadores informais vão até os Ecopontos, fazem a triagem e comercializam o material reciclável antes da Emdurb encaminhá-lo às cooperativas. “Na verdade, para as cooperativas estava sobrando só o lixo”, explica a cooperada Cecília.
Outra dificuldade são os constantes furtos, mesmo com câmera no local, que atrapalham o trabalho de todos. A câmera já foi estragada, e agora uma prensa e uma esteira estão paradas. Sem a esteira, os cooperados precisam separar o lixo no chão, agachados. “Acaba saindo do bolso de todos o dinheiro para consertar”, lamenta a cooperada Vera Lúcia de Souza.
Para a presidente, uma grande melhoria seria um novo barracão e um muro em torno da cooperativa. Para evitar os furtos de forma mais eficaz, o melhor seria um vigia noturno, mas “a Prefeitura nunca se comprometeu em colocar um”, revela Aparecida.
O que resta do resto
As cooperativas ainda recebem muito lixo orgânico e materiais que não são recicláveis e viram rejeito. “Se das 60 ton/mês que entrassem, tudo fosse vendido como material reciclável, imagina como não seria a renda dos cooperados?”, supõe Cecília. A cooperada Vera Lúcia trabalha há 18 anos na reciclagem e afirma que a população não pratica a separação de lixo em casa. “O munícipe acha que somos obrigados a separar o lixo doméstico”, critica.
A Prefeitura de Bauru não tem um aterro sanitário público, então todo o lixo orgânico do município é destinado a um aterro particular em Piratininga. Com a separação correta do lixo doméstico e do reciclável, a quantidade de lixo destinada ao aterro poderia ser menor e as cooperativas se beneficiariam com mais material. Maria Cecília acredita que a Semma deveria investir mais em educação ambiental, pois “não é que a pessoa não quer separar o lixo, às vezes não chegou a informação até ela”; mas ela não vê isso sendo feito pela secretaria.
Expandindo os limites?
Visando coletar mais material e ampliar a produção, as cooperativas Coopeco e Cootramat participam de um projeto-piloto para assumir a gestão dos Ecopontos de Bauru a partir de 2019. Durante 30 dias, no mês de agosto, os cooperados iniciaram os trabalhos conhecendo o funcionamento dos Ecopontos. Depois desses 30 dias de testes, será produzido um relatório e os custos serão analisados.
A situação dos catadores informais ainda é uma questão não resolvida pela Prefeitura de Bauru. Considerando que não existe uma iniciativa que contemple todos os catadores da cidade, acaba surgindo uma rivalidade entre os serviços públicos e o trabalho desse público. “Em Bauru temos bastante catadores, carrilheiros, que sobrevivem do material reciclável. Devido à crise econômica e ao desemprego, acabou aumentando o número de pessoas nesse tipo de atividade. Esses catadores negociam por conta própria com os depósitos”, explica o diretor de controle de projetos ambientais da Semma, Luiz Faccin.
Sendo assim, o município não consegue alcançar as metas de reciclagem propostas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos, tampouco os catadores informais conseguem ter condições dignas de trabalho, uma vez que têm de “brigar” pelo próprio sustento.
Seu Júlio Casimiro de Andrade tem 50 anos e desde criança é catador de latinhas. Sua renda mensal é de aproximadamente R$ 600 e ele não pensa em se associar a uma cooperativa, pois aprecia sua independência: “Eles mandam muito. Aqui ninguém manda em mim não, só eu mesmo”, afirma. Apesar disso, ele acredita que uma alternativa para melhorar a vida dos catadores e de jovens desempregados seria a criação de um “barracão” no bairro onde mora, o Pousada da Esperança. Assim, os catadores poderiam organizar o material coletado, e isso poderia viabilizar a geração de trabalho aos jovens da comunidade.
A presidente da Cootramat, Aparecida, foi catadora de rua por três anos e vê mais vantagens no trabalho cooperado. Na rua, a quantidade de material recolhido pode variar muito e é preciso andar com o carrinho: “Aqui é melhor porque é mais garantido e a renda é maior”, opina.
Uma ação socioambiental
Em Amparo (SP), uma cidade com 70 mil habitantes próximo a Campinas, um projeto troca materiais recicláveis por frutas, verduras e legumes. A iniciativa recebeu o nome de “Via Verde” e visa promover ações que beneficiam, principalmente, o meio ambiente por meio da redução do volume do lixo.
Ele foi instituído em junho deste ano e é coordenado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Cidadania e Segurança. O principal objetivo do projeto é incentivar a coleta de materiais recicláveis e, com isso, diminuir o volume de resíduos gerados pelo município, já que Amparo gera por volta de 60 toneladas de lixo por dia e só consegue reciclar 18 toneladas.
Campanha de divulgação do projeto Via Verde – Foto: Reprodução/Facebook
“Foi através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania que criamos o Via Verde. Esse projeto começou em Curitiba, mas conhecemos e adaptamos do Moeda Verde de Santo André”, explica o secretário da pasta responsável pelo projeto, Edilson José Camillo, mais conhecido como Dil. Todos esses projetos têm por objetivo reduzir o volume de detritos que podem ser reciclados e que antes iam parar no aterro sanitário das cidades.
Com o Via Verde, a população pode trocar três quilos de lixo reciclável por dois quilos de alimentos do tipo hortifruti. Quatro empresas privadas apoiam o projeto. Elas são responsáveis por comprar os alimentos da Cooperativa dos Produtores Rurais do Circuito das Águas (Coopciag) e os repassar à Prefeitura. A ação, até o momento, abrange cerca de 15 bairros da cidade. Qualquer morador pode participar do projeto, basta se cadastrar.
Tudo começa com uma Kombi que chega aos bairros com os alimentos. Então, a população deposita o lixo reciclável em um caminhão e depois retiram os alimentos – Foto: Reprodução/Facebook
De acordo com o secretário, a quantidade de materiais recicláveis arrecadados em poucos dias de projeto foi muito grande. “A ação se iniciou com um projeto-piloto, dia 25 de junho de 2018, e arrecadou no seu quarto dia mais de uma tonelada de recicláveis”, conta Dil.
Todo o material reciclável recolhido tem destino certo: a Cooperativa de Reciclagem Eco Amparo. “Com a campanha, a meta é arrecadar mais materiais recicláveis para que possamos vender esses produtos e aumentar a renda atual de cerca de R$ 250 mensais para R$ 500”, explica a cooperada Débora Aparecida da Silva.
Com o sucesso do projeto, ele precisou ser paralisado por um tempo para passar por uma reestruturação e voltar o mais rápido possível. “O projeto foi ampliado para mais bairros e cresceu mais do que esperávamos. Pelo fato de precisarmos rever a questão da disposição do material reciclável recolhido e também buscar novos patrocinadores para arcarem com todos os custos do projeto, é que houve necessidade de reestruturação”, explica o secretário Dil.
Uma possível solução para Bauru seria a implementação de um projeto socioambiental como esse de Amparo, ou, ainda, a criação de um programa que viabilizasse o trabalho conjunto entre catadores informais e a Prefeitura. As cooperativas são uma grande conquista do município e contribuem consideravelmente para a redução dos resíduos destinados ao aterro de Piratininga. No entanto, é necessário que outras ações sejam feitas para ampliar e melhorar o trabalho dessas cooperativas, entre elas a conscientização da população e a parceria público-privado para beneficiar os cooperados e catadores informais.
SERVIÇO
A Cootramat fica na Rua Rua Nair Macacari Plete, quadra 1, no Jardim Redentor, e funciona das 7h30 às 16h30, de segunda à sexta-feira. O telefone é (14) 3203-6365.
A Cooperbau fica na Alameda Aquidauana, 14, no bairro Vila Dutra. O telefone é (14) 99656-0016.
A Coopeco fica na Avenida Santa Beatriz da Silva, 16, quadra 6, Jardim Country Club. O telefone é (14) 3231-1230.