Por Camila Gabrielle e Raíssa Pansieri
Sob o sol escaldante de uma quinta-feira tipicamente interiorana, conhecemos dona Eneida Muniz. O chão de terra conquistado com o suor do seu trabalho, onde mora com sua família, fica próximo ao residencial Lago Sul, em Bauru, interior de São Paulo. Longe da agitação da cidade e dos prédios gigantescos, seu sítio guarda uma singularidade particular “Aqui, tudo o que consumimos vem da terra” – diz orgulhosa.
Aos 53 anos, com uma horta admirável no quintal, ela garante o seu sustento e da família. Mas, nem sempre foi assim. Com um belo sorriso no rosto relata o que já foi motivo de dúvida e temor. Tudo começou há mais de três décadas e garante que se hoje ainda faz o que faz, é por amor.
Sua atividade faz parte da agricultura familiar, que segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), é responsável por produzir cerca de 70% de todos os alimentos consumidos no Brasil.
Dona Eneida vive em um sítio e o “verde” faz parte de todos as atividades de sua vida. (Foto: Camila Gabrielle)
A tupinense-paulista já morava em Bauru há 10 anos quando se casou. Seu esposo trabalhava com animais e, para acompanhá-lo, mudou-se para o sítio e começou a trilhar sua jornada na horta. Por boa parte de sua vida ela foi agricultora convencional e há sete anos tomou a decisão de produzir alimentos orgânicos, livres do que ela chama de “veneno” – os agrotóxicos.
Seu trabalho é árduo, envolve desde a escolha da semente, preparo da terra, irrigação do solo, plantação, cuidados e colheita, até chegar ao consumidor final. Ela colhe sua produção duas vezes por semana para vender nas feiras livres do município. Com seu jeito simples, mas consciente da importância de uma alimentação saudável, se envaidece ao dizer: “Se os médicos curam a doença, com a nossa dedicação e cuidado, damos a saúde”.
A vivacidade das cenouras e dos rabanetes: um mix de cores, sabores e texturas. (Foto: Camila Gabrielle)
Focada em seus afazeres, ela não parou de trabalhar nem por um segundo desde nossa chegada até irmos à feira, por volta das três da tarde. Alface, beterraba, couve e erva doce. Suas mãos apalparam as mais diversas cores, formas e texturas. Após a colheita, ela, os filhos, nora e esposo dividiram as tarefas de lavar e empacotaram as leguminosas e folhas. Horas depois tudo estava vendido. Alimento fresquinho e orgânico. “Essa é bênção da terra! ” – garante, orgulhosa, dona Eneida.
Beterrabas imersas n’água após a colheita. (Foto: Camila Gabrielle)
Seus dois filhos nasceram e se criaram na roça, e hoje ajudam a mãe a administrar os negócios da família. Eneida explica que ninguém mais quer plantar, que as pessoas têm a falsa sensação de que a terra é suja. Ao optar pelo mais fácil, se esquecem de que a vida vem da terra. “O alimento vem de lá, sem a plantação e o trabalho árduo ninguém come!” – reforça, como quem diz o óbvio.
Amante da natureza, a agricultora diz que a terra é mãe. Como na maternidade, quando uma mãe gesta um filho e lhe dá nutrientes e carinho e gasta suas energias até que a criança nasça. “Tudo tem seu tempo certo”, expõe sabiamente. E esse nascimento é árduo, na mãe, causa dores na terra, causa nos agricultores muitas gotas de suor e várias horas de empenho. Mas, ela garante que, assim como a maternidade, é um cuidado que vale a pena. Hoje, Eneida compreende e passa adiante o ensinamento de que “colocar veneno é não respeitar o tempo da terra.
O brilho nos olhos de Eneida se apaga por um momento ao constatar a dura realidade de que falta valorização para o agricultor familiar. O reconhecimento e os incentivos que deveriam vir dos órgãos públicos, infelizmente, não fazem parte de sua realidade. “É muito difícil acessar os programas de governo” – se queixa.
Apesar de tamanha importância do setor, a previsão da Lei Orçamentária Anual (LOA), em 2018, foi o corte de R$ 4,3 bilhões nos recursos destinados às políticas direcionadas aos trabalhadores rurais, de acordo com dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Beterrabas e cenouras orgânicas: a saúde que vai para a mesa. (Foto: Camila Gabrielle)
Eneida e sua família plantam com amor. Para ela, trabalhar com o que gosta é fonte de boas energias. E só assim para aguentar a rotina. Montar a barraca, separar as caixas, esvaziá-las, colocar a tenda, e ainda atender aos clientes que logo começam a chegar. E esse trabalho tem gerado renda não apenas aos próprios familiares, mas a conhecidos de dona Eneida. Amigas que ela convida para trabalhar com ela e ter a chance de aumentar o lucro mensal. As tendas só se desmontam após as nove da noite, quando o alimento vendido na feira se esgota.
Alfaces orgânicos: o poder da escolha consciente de produtos sem veneno. (Foto: Camila Gabrielle)
Com o cair da noite, na contramão do que o agronegócio diz e escancarando suas convicções, dona Eneida se despede e frisa tanto para quem produz como para quem consome:
Produtos orgânicos: a garantia de que a terra foi respeitada durante a produção dos alimentos. (Foto: Camila Gabrielle)