Enquanto um contingenciamento é a bola da vez nas universidades federais, as estaduais ainda respiram, por aparelhos
Ultimamente, um assunto bastante debatido é o contingenciamento das verbas repassadas às universidades federais, promovido pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Os defensores da medida utilizam o argumento de que contingenciamento não é corte, é apenas uma “segurada” em uma parte da verba repassada. Falam também que a prioridade é o ensino básico, mesmo com o MEC anunciando em maio que a educação básica também sofreria cortes.
Ainda não incide sobre as universidades estaduais paulistas tal estratégia, embora as incertezas rondem esse setor, já que o governador de São Paulo, João Doria, flerta com diversas medidas adotadas a nível nacional no governo de Jair Bolsonaro.
No estado de São Paulo, o repasse do dinheiro às universidades não tem o aval do ministério da Educação. USP, Unesp e Unicamp são mantidas por uma verba variável, advinda do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o que faz com que recebam mais dinheiro quando a economia está aquecida e menos em tempos de crise. A parcela do ICMS destinada às estaduais de São Paulo é de 9,57% da parte do imposto que fica no estado, 75% – os outros 25% vão para os municípios. E na divisão do bolo 5,03% vai para a USP, 2,34% para a Unesp e 2,2% para a Unicamp. Em números, ao longo dos últimos dez anos, as universidades receberam os seguintes repasses de verbas:
Falando um pouco com números, cabe nesses valores uma análise da quantidade de alunos que essas universidades receberam ao longo desses dez anos.
Anos | USP | UNESP | UNICAMP |
2008 | 40 unidades e 87.182 alunos | 32 unidades e 45.470 alunos | 21 unidades e 32.214 alunos |
2018 | 42 unidades e 89.159 alunos | 34 unidades e 51.995 alunos | 24 unidades e 37.494 alunos |
Com esses números é fácil perceber que essas instituições cresceram. O problema é que o percentual repassado às universidades é o mesmo, 9,57%, desde 1995. A única coisa que mudou – para pior – é que até 2015 esse era considerado o valor mínimo, mas o governador à época, Geraldo Alckmin, estabeleceu essa porcentagem como um teto, ou seja, o valor máximo a ser distribuído às estaduais a partir de 2016.
Só que, 2015 também foi, justamente, o ano em que o IPCA (índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, responsável pela cotação da inflação) registrou uma alta. Isso quer dizer que os produtos ficaram mais caros, as pessoas diminuíram o consumo e o ICMS teve uma queda, que repercutiu nos repasses às universidades no ano seguinte, 2016.
Então, essas universidades vinham numa crescente expansão, que indicaria crescimento também nos custos de manutenção, mas, de repente, a verba teve uma queda. E além da queda, o “contingenciamento” proposto pelo governador Alckmin, estabelecendo o teto de repasses de verba a essas instituições.
O diretor da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação da Unesp, Profº Drº Marcelo Carbone Carneiro explica o caso. “O repasse, na medida em que você tem o país em crise, você tem um desaquecimento do consumo, e o nosso repasse é pelo índice do ICMS, então diminui o que é repassado. E aí é o problema, não só diminui o que é repassado, como a gente aumenta algumas coisas na folha.” E , segundo o diretor, isso acontece quando “a atividade econômica cai e então você tem um valor menor do ICMS repassado, e você tem que pagar as contas todas de algum jeito, então a conta acaba não fechando aí.”
O diretor Carbone ressalta, no entanto, que “não tem corte nas estaduais paulistas. O que tem é que com esses cortes nas federais, então, corte na Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, instituição responsável por uma grande parte da distribuição de bolsas de pesquisa em graduação e pós-graduação], nos atingiu e a gente perdeu algumas bolsas.”
Moral da história: se você ganha um valor que aumenta a cada ano, você se empolga e, então, gasta mais a cada ano, mas se de repente há um freio e um pequeno retrocesso nos seus ganhos, acontece de você já ter despesas fixas, que aumentaram com o passar do tempo. O resultado é a dívida.
A questão dos inativos
As universidades estaduais paulistas são autarquias, ou seja, funcionam com uma administração própria, independente do estado; recebem a verba pré-estabelecida e têm responsabilidade própria sobre os gastos. Isso inclui as aposentadorias dos servidores e docentes.
Reside nisto um problema, porque as administrações das universidades são chefiadas por um reitor, que é um professor, que monta uma chapa com outros docentes. Mas os professores que compõem as chapas vêm de diferentes campos do conhecimento, e não necessariamente de algum relacionado a administração. A gestão nem sempre é exemplar. E isso, podemos perceber quando falamos das aposentadorias.
O principal gasto das universidades é, de longe, a folha de pagamento. Tanto dos funcionários quanto dos aposentados. Só que as aposentadorias representam um problema, porque, à medida em que as gestões das universidades viam há anos a receita aumentar, decidiram dar bonificações aos funcionários por tempo de serviço, aumentar os salários acima da inflação e subir também o número de cursos e unidades. Resultado: os servidores e, principalmente os docentes, muitas vezes se aposentam com salários bem altos. O quadro de funcionários tem baixas e não há dinheiro para novas contratações, porque é preciso que as aposentadorias sejam pagas. E quem paga são as universidades, uma vez que o sistema de aposentadorias adotado não é o nacional INSS e sim um sistema próprio, gerido pelas autarquias.
Carbone também comenta sobre a gestão e a crise na realidade da Unesp. “Nós temos um sistema previdenciário [em] que quem aposenta continua na folha. E outras tantas coisas que a gente poderia condenar, as expansões que foram feitas (…), um aumento da folha por qualificação dos docentes. Mas por outro lado você tem a não reposição dos quadros, que, eu acho, que esse é o grande problema.”
Na Unesp, o reitor Sandro Roberto Valentini, que assumiu o cargo em 2017, já anunciou diversas mudanças à vista, como reorganização de departamentos e cortes de custos. Mudanças essas que desagradam grande parte dos funcionários da instituição, mas que, segundo Sandro, devem salvar a Unesp de uma possível falência. A gestão do reitor vai até o ano de 2021, e a promessa é que até lá o balanceamento dos gastos seja feito a fim de suprir os déficits orçamentários. E essa falta de recursos já anda dando trabalho para ser suprida, já que os salários e décimos terceiros andam em atraso na instituição.
O que será da universidade pública?
Marcelo Carbone conclui com o diagnóstico dos impactos que essa bola de neve das contas pode causar caso algo pior aconteça às universidades. “Não há desenvolvimento do país sem pesquisa de qualidade, sem um ensino que forme adequadamente, com compromisso, profissionais. E sem o trabalho de extensão, que é fundamental também, que deve se intensificar, mas com essas reduções (…), sobretudo do quadro [de docentes], acaba comprometendo. Sem dúvidas, você tem menos pesquisas, você tem menos projetos de extensão.” E, para o diretor, há uma incerteza do que podemos esperar. “Nós temos CPI aberta contra as universidades públicas, então é claro o ataque à universidade por outras vias, mas não por corte direto, porque isso não ocorreu até agora, até hoje, mas de repente amanhã você fala ‘você falou ontem e hoje já cortou’. Pode ocorrer. Espero que não.”
O que há de se saber é que a majoritária parte das pesquisas no Brasil nascem nas universidades públicas e que o fim dessa ciência traria impactos para toda a sociedade. Inclusive, as três instituições que figuram no topo do ranking de produção de pesquisa no Brasil são, justamente, USP, Unesp e Unicamp. As universidades representam um gasto, mas será que o gasto para importar conhecimentos, tecnologias e patentes, com potencial de desenvolvimento nacional, não seria maior?