A peça “A Ciranda e o Dom” mostra que o teatro voluntário tem fôlego e espaço na cidade de Bauru
Caroline Braga, Lígia Morais e Marina Spada
Quando a peça terminou e acabaram os aplausos, os atores sentaram na ponta do palco para ouvir e responder às perguntas das crianças. Na plateia, cheias de curiosidades, elas levantavam as mãos para falar. Protagonizado por educadores, o teatro era como uma sala de aula, mas numa tarde de domingo. Na sede da OAB (Ordem dos Advogados) em Bauru, o Grupo Ato recebeu as crianças, as levou para assistir ao ensaio, visitar a coxia e o camarim. Às 16h, quando começou a encenação, elas não tiravam os olhos dos atores e participavam do espetáculo batendo palmas, dando risada ou cantando a música que tinham acabado de aprender. No final, não paravam de fazer perguntas – sobre o figurino, o roteiro, os personagens.
Nesse domingo, 27 de setembro, os espectadores se separavam pelo nome das instituições em suas camisetas. De Bauru, o Projeto Alegria do IPRESPA (Instituto Profissional de Reabilitação Social Primeiro de Agosto) e a Casa da Criança. De Itaju, viajaram 70 quilômetros os idosos do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. O Grupo Ato encenou para o auditório quase cheio o musical “A Ciranda e o Dom”, a história de um príncipe que os pais não deixavam sair para brincar. Todos os domingos até dezembro, na sede da OAB, os atores do Grupo se preparam para montar o cenário, interpretar seus respectivos papéis, conversar com a plateia e desmontar tudo, até a próxima semana.
O Grupo Ato surgiu em Bauru, em 1984, fundado pelo diretor Carlos Batista e pela atriz Elisabete Benetti. Hoje são 26 pessoas no grupo. “A nossa proposta é simples: queremos formar e fortalecer a plateia de teatro em Bauru, ampliar a visão de mundo e, principalmente, trazer alegria para as pessoas”, afirma Victor Maia, ator do Grupo há 4 anos. Quando Victor entrou para o Ato, já tinha se firmado o Projeto voluntário Gente Legal, criado em 2007 a partir de uma parceria com a OAB. A proposta do projeto é inserir o teatro no cotidiano das crianças de instituições assistenciais da cidade, conta Victor, colocando para atuar as pessoas que passam o maior tempo com elas: os próprios educadores.
A Secretaria do Bem-estar Social, através do lançamento de um edital e da contratação pela Casa do Garoto, apoiou essa ideia e hoje o Grupo Ato e o Projeto Gente Legal se estendem a 27 instituições. Elizabete Benetti, a idealizadora do projeto, entusiasmada pela alegria das crianças naquele domingo, conta que o Gente Legal tem uma importância vital para ela. Por amar teatro, ela desejava motivar as crianças a fazerem arte também. “É muito importante, é bonito porque está criando uma autonomia artística; o Projeto confirma não é nem o empoderamento das crianças, é o pertencimento delas à arte”, ressalta Elizabete, que vê o projeto já como sustentável.
A Secretaria fornece dois ônibus para o Grupo Ato, que leva para as peças uma média de 50 crianças por apresentação. Carlos Batista, um dos fundadores e diretor do grupo, ao compartilhar suas experiências com as instituições assistenciais, vê o teatro ampliar o conhecimento de mundo dessas crianças. “A gente acredita que o teatro, a arte, é a única forma de sensibilizar o outro; ele nos coloca nesse lugar que é entender as relações humanas”, afirma Carlos. Para ele, o teatro deve ser para todos.
Das instituições, o Grupo Ato não cobra e por isso depende do público espontâneo para dar conta das despesas do grupo e da manutenção do espaço. Elizabete declara: “Precisamos da ajuda da comunidade; precisamos que as pessoas nos conheçam e venham aqui nos assistir, porque dependemos desse público”. O valor do ingresso (10 reais a inteira e 5 a meia), ela diz, é apenas simbólico. O diretor Carlos ainda vê um grande desafio: conseguir engajar os cidadãos de Bauru no apoio à cultura da cidade. Ele vê que as pessoas ainda têm preconceito com a arte teatral, que para muitos envolveria apenas atores famosos. “A gente faz propaganda, mas a população não vem para o teatro”, lamenta Carlos.
https://www.youtube.com/watch?v=5rWezh-25ss&feature=youtu.be
Grupo Abertura
Dora Girelli fundou o Grupo de Teatro Educativo Abertura em 1986, na cidade de Bauru. Apaixonada pelos palcos há 51 anos, pensou o grupo com jovens estudantes voluntários que queriam fazer teatro, mas não tinham condições financeiras de pagar um curso profissional. Desde sua fundação, o grupo é voluntário e se manteve autônomo todos esses anos. As apresentações – pensadas para passar mensagens educativas e sociais principalmente para os jovens – são sempre gratuitas. “A gente faz de graça para a população que não tem acesso a teatro, que não pode pagar; é esse o objetivo, porque cultura é um direito de todos”, explica Dora.
A fundadora do Abertura diz que o teatro melhorou sua vida em todos os sentidos, “então é isso que eu tento fazer para esses voluntários”, afirma. O Grupo não tem barreiras, com a política de aceitar qualquer pessoa que queira a chance de subir no palco e mostrar o que sabe. Quanto ao espaço para teatro voluntário em Bauru, Dora afirma que “espaço tem, basta você querer, não desistir e perseguir”.
Guilherme Correa, diretor do Grupo Ato há dois meses, ressalta que a Prefeitura de Bauru dá espaço para o Grupo se apresentar no Teatro Municipal, mas sempre em dias de semana, o que diminui o público em potencial, porque muitas pessoas trabalham ou não tem a disponibilidade durante dias úteis. Isso dificulta um pouco a ação na cidade, mas não diminui o entusiasmo de Guilherme com o Abertura: “Bauru precisa conhecer o grupo, precisa conhecer teatro e ver que melhora expressão, timidez, fala, que são muitos os benefícios”. O diretor completa que acha muito importante a cidade ter um grupo como abertura, que é gratuito e promove sociabilidade.
Guilherme termina de responder e chama os membros do Abertura para formarem uma roda – as 11 pessoas que compareceram ao ensaio de sábado, dia 26 de setembro, sentam-se no chão no centro do Bosque da Comunidade, localizado na quadra 28 da rua Araújo Leite, no bairro Altos da Cidade em Bauru. O dia está nublado, o Bosque quase vazio – além do Abertura, apenas algumas famílias passeiam e crianças pequenas brincam no parquinho. Ao invés do estudo do roteiro, o ensaio de sábado foi uma dinâmica de grupo, pensada por Guilherme para que os integrantes pudessem se conhecer melhor.
Fernanda Pitaguary entrou no Abertura há 15 anos e não conseguiu mais sair. Trabalha como técnica de laboratório, mas faz questão de achar tempo para o Grupo nos finais de semana. Fernanda já se apresentou muitas vezes com o Abertura e afirma que guarda lembranças de cada apresentação. “A gente trabalha em todos os sentidos, somos uma equipe”, diz. Para ela, o grupo ser amador é positivo, pois não tem tantas regras como cursos de teatro formais. “Isso faz bem, faz parte do meu sábado, do meu dia”, conta.
Um ponto alto de sua experiência com o Abertura, diz Fernanda, são as apresentações que o Grupo faz fora de Bauru. Ela conta que já se apresentaram em Jaú, Bariri, Pederneiras, Potanduva e Bálsamo, só para citar algumas cidades no interior de São Paulo. Em Bauru, Fernanda aponta a recepção da população como principal dificuldade, pois os bauruenses não tem o hábito de assistir peças teatrais.
Apoio municipal
As dificuldades em manter viva a prática teatral não fica restrita aos grupos independentes. Segundo Susana Godoy, Diretora da Divisão de Ação Cultural, parte da Secretaria da Cultura de Bauru, as limitações vão da falta de verba até ao pouco interesse do público e das próprias companhia teatrais: “Já aconteceu da Secretaria propor atividades de formação teatral e não ter resposta; também já tivemos Conferências para propor debates, discussões e não houve participação”. Para Susana, a melhor maneira de fortalecer o segmento do Teatro é a organização dos grupos e a participação efetiva do Conselho Municipal de Política Cultural, da Associação de Teatro de Bauru e especialmente das companhias. “Nós sentimos falta de um grupo de teatro assistir a outro, sentimos falta da presença do ator”, lamenta.
As restrições causadas pela ausência de recursos financeiros limitam a prática teatral também a nível estadual. Segundo Ascânio Furtado, assessor de diretoria da APETESP (Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo), alguns produtores bancam o espetáculo com recursos próprios e os que não fazem isso precisam do respaldo de leis de incentivo, como editais ou a Lei Rouanet. “Não temos, por exemplo, uma empresa de telefonia bancando, não temos uma Petrobras bancando. Não é patrocínio fácil”, comenta Ascânio.
Apesar do cenário pouco favorável, a Divisão de Ação Cultural de Bauru segue otimista quanto às ações que a Secretaria de Cultura tem desenvolvido. Susana Godoy, diretora da Divisão, cita o edital de Chamamento como um importante instrumento de fomentação cultural. O edital possibilita cachês (com valor proporcional ao número de membros) para os grupos teatrais que participem de atividades propostas pela Secretaria, como uma forma de auxiliar na manutenção do grupo. As solicitações do Teatro Municipal pelas companhias independentes também possuem uma política particular: em alguns casos, é possível isentar o pagamento da taxa de aluguel. Atualmente, o valor cobrado pelo uso do teatro por grupos amadores é o total de 10 ingressos – aproximadamente 100 reais. “É muito acessível, especialmente se considerarmos a estrutura do Municipal”, conta a diretora. No caso das companhias de teatro profissional, a taxa corresponde a nove por cento do total arrecadado.
Ainda segundo Susana Godoy, a Secretaria da Cultura é parceira da Associação de Teatro de Bauru e mantem oficinas até mesmo para os grupos não ligados à associação. A parceria seria uma forma de fortalecer a linguagem artística e as companhias: “Teremos, através do Arte sem Barreiras, uma oficina para agrupamentos de teatro amador com algumas informações, por exemplo, sobre como obter recursos públicos”, para Susana, é necessário que a administração pública seja seja parceira e que a independência dos grupos permaneçam.