Esforços internacionais buscam minimizar casos
Por Flávia Gasparini
Perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas, o tráfico de pessoas (ou tráfico humano) é o terceiro mais lucrativo do mundo, movimentando a cada ano cerca de 32 bilhões de dólares e fazendo pelo menos um milhão de novas vítimas. Pelo Protocolo de Palermo (2003), a Organização das Nações Unidas (ONU) define o crime como “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração”.
De acordo com o órgão, esta é a pior forma de desrespeitar os direitos humanos inalienáveis de um indivíduo, uma vez que a vítima é “coisificada” e passa a ser vista e tratada como uma mercadoria, tendo sua identidade humana excluída. Atualmente, este formato de tráfico é considerado um tipo de migração e está interligado às questões migratórias.
Apesar disso, pelo fato da maioria das pessoas traficadas serem do sexo feminino, o tráfico humano pode ser diretamente associado às questões de gênero: o relatório publicado em 2009 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (Unodc) calcula que, de cada três pessoas traficadas no mundo, duas são mulheres. E, de cada 10 mulheres traficadas, oito são exploradas sexualmente.
O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, publicado pelo Unodc em janeiro de 2019, aponta que, em 2003, foram denunciadas menos de 20 mil ocorrências de tráfico de pessoas. Já em 2016, o número superou os 25 mil. Sendo assim, o Escritório defende que a taxa pode ser uma indicação de que está ocorrendo um reforço nas ações para a identificação de vítimas, como a criação ou melhoria de leis ou serviços de proteção e acolhimento. Por conta disso, em 2016 também ocorreu um aumento do número de condenações pelo crime.
Campanha de combate ao tráfico humano – parceria da ONU com o Ministério da Justiça do Brasil (Imagem: Reprodução)
Por trás da história
Devido ao tráfico negreiro, mulheres europeias eram levadas para a Europa e Estados Unidos por meio de redes internacionais de tráfico, para que trabalhassem nas colônias como prostitutas. A partir do século XIX, a legislação internacional passou a trabalhar no enfrentamento ao tráfico, uma vez que o “tráfico de escrava brancas” tornou-se preocupante nos locais.
A datar de 1904, foram criadas as primeiras formas legais para combater o tráfico nacional e internacional de mulheres, que mais tarde foi chamado de tráfico de pessoas. Neste momento, era compreendido como tráfico todo ato de “captura ou aquisição de um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo”.
Em 1956, a Convenção de Genebra ampliou os conceitos sobre o tráfico humano para outras pautas consideradas importantes, como o casamento forçado em troca de lucro econômico e a entrega, eu gerasse lucro ou não, de menores de 18 anos para a exploração. Também foi salientada a importância das nações criarem medidas administrativas para mudar as ações ligadas à escravidão, além de definir como crime as condutas diretamente ligadas ao transporte de indivíduos de um país para o outro e privação de suas liberdades.
Já em 1998, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional passou a definir a escravidão sexual e a prostituição forçada como crimes internacionais contra a humanidade. Dessa forma, a Assembleia Geral da ONU criou um comitê intergovernamental para desenvolver uma convenção mundial contra tais crimes e explorar as viabilidades de criar ações para tratar dos aspectos referentes ao tráfico de pessoas.
Aprovado em 2000 pelo comitê, o Protocolo de Palermo passou a definir o tráfico de pessoas como um crime organizado transnacional, ou seja, algo comum a diversas nações. No mesmo ano, diferentes protocolos e convenções foram adicionados aos mecanismos da ONU para que os Estados-membros passassem a manter esforços de combate deste crime.
O Unodc foi criado em 1999 e, desde então, busca ressaltar o envolvimento do crime organizado no tráfico e passou a promover medidas eficazes de enfrentamento para o tráfico humano, como:
Tais esforços internacionais para combater o tráfico humano foram importantes para passarmos a considera-lo uma forma moderna de escravidão.
Principais tipos de exploração
O tráfico humano possui as mais diferentes finalidades e pode estar associado à exploração do trabalho rural, urbano e doméstico, à escravidão contemporânea, ao comércio de órgãos, aos casamentos forçados, à exploração sexual, à adoção ilegal de crianças, entre outros.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os aliciadores podem ser homens ou mulheres e, muitas vezes, são pessoas que estão presentes no círculo de amizades da vítima ou de familiares. Geralmente apresentam um bom nível de escolaridade, são convincentes, podem se dizer empresários donos de agências (de matrimônio ou modelo) ou casas de shows, bares etc, e podem oferecer propostas de futuro e melhoria da qualidade de vida.
Denominados de “gatos”, os aliciadores do tráfico para trabalho escravo costumam fazer propostas de trabalho para os indivíduos desenvolverem atividades laborais nas áreas de agricultura ou pecuária, construção civil ou costura.
Campanha de combate ao tráfico de mulheres – parceria do Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CETRAP), Secretária de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) e Governo do Estado do Mato Grosso (Imagem: Reprodução)
O Unodc destaca que o tráfico para casamento forçado é mais comum em regiões do Sudeste Asiático, enquanto o tráfico de crianças para adoção acontece em países da América do Sul e Central. Já a Europa Ocidental e do Sul são mais conhecidas pelo tráfico para a criminalidade forçada, enquanto que o tráfico para remoção de órgãos está mais presente na África, Europa Central, Sudeste e Leste.
O tráfico com fins para exploração sexual, por sua vez, é o mais frequente e possui maior presença nas Américas (América Central e Caribe possuem meninas como as maiores vítimas), Europa, Leste da Ásia e Pacífico. O tráfico de trabalho forçado é mais comum na África Subsaariana e Oriente Médio. A Ásia Central e o Sul da Ásia possuem o tráfico para trabalho forçado e exploração sexual com níveis idênticos de ocorrência.
Segundo a agência da ONU, os países que possuem conflitos armados contribuem com o aumento da vulnerabilidade ao tráfico humano: “áreas com fraco estado de direito e falta de recursos para responder ao crime fornecem aos traficantes um terreno fértil para realizar suas operações”.
Campanha de combate ao tráfico humano durante o Carnaval – parceria do Núcleo d e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado do Paraná e Governo do Estado do Paraná (Imagem: Reprodução)
Formas de enfrentamento
Prevenir o tráfico é a melhor forma de combatê-lo, sendo assim, duvide sempre de propostas de emprego muito boas (fáceis de conseguir e que envolvam muito dinheiro) e leia ou sugira que o envolvido leia muito bem o contrato de emprego antes de aceitá-lo: procure sobre a empresa e busque serviço de auxílio jurídico especializado para tirar dúvidas e receber conselhos.
Além disso, não entregue para terceiros cópias de documentos e sempre informe à pessoas de confiança as informações de contato e localização para onde está viajando. Um golpe muito aplicado é o de propostas de casamento com estrangeiros, então, sempre desconfie das intenções do (a) parceiro (a) e investigue seus antecedentes antes de encontrá-lo. Caso o faça, busque lugares públicos que você conheça e com grande circulação de pessoas. Não esqueça, também, de manter parentes e amigos informados.
No Brasil, para denunciar às autoridades casos de tráfico de pessoas, contrabando de migrantes, tráfico de mulheres e outros crimes semelhantes, disque 100 ou ligue para o número 180.
No exterior, ligue:
Em todas as plataformas, as denúncias não possuem custo, são anônimas e recebem um protocolo para que o denunciante possa acompanhar o andamento. Quando recebida, a denúncia é analisada e encaminhada aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização em direitos humanos.