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“Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de maneira crítica.” – Paulo Freire

Imagem: FIA (Fundação Instituto de Administração)

Discussão fundamental no séc. XXI, o ensino ambiental a passos curtos, vem adentrando as pautas públicas no Brasil nos últimos trinta anos, em um caminho marcado por desigualdades. Na sociedade em larga escala, a necessidade de preservação do meio ambiente só permeia a atenção das grandes mídias em datas comemorativas como o dia da Amazônia, ou após uma queimada recorrentemente maior que as anteriores, entre os pedagogos brasileiros. No entanto, o início do novo milênio trouxe o tema à atenção especial nas escolas. Visando o público jovem, os métodos pedagógicos de ensino ambiental, se utilizam de conceitos de diversos campos, é um meio baseado em mudanças e um dinamismo constante, que reflete sua área de aplicação. Veremos qual sua importância no Brasil de 2021, e os diversos entraves enfrentados pelos educadores que se incumbem da tarefa incluírem a pauta em suas disciplinas. Para podermos compreender melhor o estado da arte do desenvolvimento de pautas de sustentabilidade, devemos nos ater ao imprescindível.  

 Sustentabilidade: Afinal o que é Educação Ambiental?

 Como descrito, já no prefácio da obra: ‘Educação ambiental no Brasil: Formação, identidades e desafios (2015)’, escrita pelo Dr. Gustavo F. da Costa Lima, referência no campo doutor na área de educação ambiental pela Unicamp, e professor de sociologia na UFPB. É uma área “camaleônica”, caracterizada pela transformação constante em sintonia com a paisagem; as demandas deste modelo de ensino variam de acordo com as necessidades pontuais de seus alunos, assim como o meio em que estão inseridos. 

 Devemos ter em mente, no entanto, que o ensino ambiental busca atingir as raízes da sociedade para a reformulação de práticas nocivas à natureza. E para tanto se utiliza de recursos do campo da sociologia, biologia, ética, entre outros, uma vez que não há uma disciplina específica dedicada ao ensino.

 A Lei nº 9795 de 27 de Abril de 1999, ano véspera do milênio, define a educação ambiental como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. A mesma estipula que a nível nacional, se protocole políticas públicas que garantam a sua aplicação no ensino formal através de escolas de ensino básico, até a educação de jovens e adultos.

 Para compreender os pontos mais relevantes da aplicação do ensino ambiental, falamos com a doutoranda em Educação, e mestre em Ensino Ambiental, Rosimari A. V. Ruy, há época licenciada em ciências exatas pela USP, veio a perceber através de sua experiência como professora no ensino fundamental, a demanda de outros professores em adotar o tema em seus planos de aulas.

Imagem: Rosimari A. V. Ruy  (Arquivo pessoal)

 Rosimari, natural da cidade de São Carlos, interior do estado de São Paulo, teve a chance de desenvolver o método de ensino em sua cidade natal, onde lecionava matemática em uma escola de ensino médio e fundamental entre 2002 e 2004. Através do suporte da equipe gestora da instituição, Ruy deu início a uma campanha que apesar de promissora, acabou não tendo os resultados esperados ao longo de sua aplicação.

 Os problemas enfrentados na performance dos projetos aplicados em São Carlos, a levaram a formulação de sua tese de mestrado no programa de pós-graduação em educação na Unesp de Rio Claro, onde buscava compreender se outras instituições também sofriam com as mesmas dificuldades, intitulada “A Educação Ambiental em Escolas de Ensino Fundamental e Médio do Município de São Carlos – SP. (2006)”. Questionada sobre quais são os maiores entraves na aplicação do ensino ambiental, ela pontua:

Rosimari – Se formos pensar em termos de documentos, como o projeto político-pedagógico da escola, a dificuldade está em traduzir orientações imprecisas, presentes nos diversos documentos norteadores, sobre uma inserção transdisciplinar e interdisciplinar da educação ambiental no currículo de fato, aquele que se concretiza em sala de aula. A EA [Educação Ambiental] já faz parte da base curricular de disciplinas como ciências e geografia, mas como inseri-la efetivamente nas demais? Falar de interdisciplinaridade é fácil, mas fazê-la acontecer é outra conversa. Nada disso está evidente na base nacional comum curricular, por exemplo. Aí, tudo fica dependendo da habilidade, formação e vontade dos professores. Não é de se admirar que a maioria das escolas restrinja suas atividades de educação ambiental a projetos pontuais e incipientes, como os baseados em datas comemorativas e no tripé lixo-água-horta, sem uma discussão crítica envolvida ou reflexos de longo prazo na escola, na comunidade escolar e na formação socioambiental dos estudantes.

Dificuldades de aplicação

 Fica claro a relação superficial dos profissionais do meio escolar com o assunto. Isso se dá em especial a falta de incentivo do poder público, em especial o MEC (Ministério da Educação), que se limita à descrição jurídica do dever de inserção da pauta, através de descrições genéricas das competências necessárias, sem oferecer uma fórmula metodológica concreta.

RosimariResumidamente, o papel do MEC é, no que concerne à EA, fazer cumprir a legislação a ela relacionada. Nesse sentido, insere-a nos documentos norteadores dos diferentes níveis da educação nacional, produz resoluções, parâmetros, materiais e relatórios, entre outros, recomendando, reinterpretando e atualizando a educação ambiental que deve estar presente nos sistemas de ensino.

 Apesar de publicar os projetos com seu apoio, o MEC depende da iniciativa individual dos professores, para a estipulação, aplicação e desenvolvimento da grande maioria destes projetos, age então mais como assessor do que gerenciador das pautas públicas.

 Segmentando assim a discussão em sala de aula, exclusivamente a professores que através de experiência pessoal, possuem um interesse inerente ao assunto. Como descreve a professora quando questionada sobre o desenvolvimento de seu projeto e a assimilação do ensino ambiental com as novas gerações, não apenas de alunos mas também de educadores: 

Rosimari – A sensação que tenho é que havia mais receptividade e disponibilidade, além de tempo e autonomia para criar. Os parâmetros curriculares de meio ambiente recém-lançados pareciam interessar e inspirar práticas de EA, ainda que incipientes. À medida que o tempo foi passando e a educação ambiental foi ganhando um viés mais crítico e politizado, senti o interesse dos colegas docentes minguando, talvez porque a maioria de nós tenha sido formada sob uma perspectiva naturalista, de certa forma romantizada, da EA. Outro ponto é que a perspectiva crítica da educação ambiental é incômoda, pois implica uma forte crítica ao modo de vida a que estamos acostumados. Para piorar, ultimamente, os professores estão cada vez mais sobrecarregados sob todos os aspectos, o que dificulta buscar formação ou abordar criativamente questões a serem tratadas de maneira transversal.   

Sustentabilidade e o viés político

 Fator muito relevante na abordagem da educação nos anos recentes, seria a discussão ideológica, que devido às condições sociopolíticas que criaram uma rede logística de destruição a nível mundial, a abordagem ambiental, sobre óticas sócio-políticas se tornam inseparável da compreensão plena da ideia da economia de capital.

 Em pesquisa recente publicada no dia 23 de Setembro, feita pela Rede de ação política sustentável (RAPS), junto da Fundação Getúlio Vargas e o Instituto Clima e Sociedade, demonstra o nível de engajamento em pautas ambientais, entre 159 deputados do congresso nacional. Quando questionados, 94% dos parlamentares alegam possuir muito ou algum interesse na pauta, no entanto quando questionados sobre a relação de seus colegas deputados a pauta, apenas 7% dos entrevistados consideram seus companheiros igualmente engajados na pauta.

 Em consulta pública feita no ano de 2018, ano de eleições nacionais, o Senado Federal indicou que a maioria dos brasileiros são a favor da criminalização do ensino de ideologia de gênero, enquanto o atual Presidente da república, então candidato, fazia acusações falsas de que o governo federal oferecia aos pais um kit, incluindo mamadeiras com formato fálico. Somado ao movimento conservador, o discurso de ódio trouxe à tona novamente um movimento ainda mais radical da “escola sem partido”, culminando no ponto em que alunos do ensino médio e fundamental filmassem seus professores sem permissão, com a intenção de desmoralizar qualquer forma de discurso ideológico. Nota-se então, que a reticência observada por Ruy entre as equipes gestoras de meios escolares, em 2006 tem alcançado graus extremos.

 Aliada ao negacionismo e conservadorismos propagados pelo antigo governo federal, ironicamente, através de um discurso ideológico conservador, é defendida a proposta de criminalizar a discussão política e ideológica em sala de aula.

  Uma discussão que vem perdendo cada vez mais força durante a pandemia do vírus Covid-19, onde grande parte das redes de ensino, por falta de estrutura e investimento público, por via do MEC em especial as escolas da rede de ensino público, que lutam para sequer ministrar as disciplinas essenciais a seus alunos, em alguns casos eliminando completamente matérias como filosofia e sociologia do currículo escolar por razão de .  

No entanto, a educação ambiental não se limita apenas ao público infanto-juvenil: 

Rosimari Todos somos público-alvo da EA. Diversas gerações, de diferentes contextos (históricos, culturais, ideológicos, axiológicos, sociais, econômicos, ambientais etc.), coabitam esse planeta. Além do mais, os aspectos concernentes à educação ambiental estão sempre em movimento, novas abordagens, acontecimentos e necessidades surgem continuamente.

O mundo, na mão de poucos.

 A discussão então recai sobre a necessidade de se desenvolver na sociedade como um todo, a noção de responsabilidade individual ou particular pelo meio ecológico, que se sobressaia sobre questões éticas e políticas. A tarefa de se ensinar sobre a necessidade de preservação de todo o planeta, acaba se tornando uma decisão particular e arbitrária, podendo inclusive acarretar em problemas, para os poucos professores corajosos o suficiente para se manifestarem contra a hegemonia. No entanto, enquanto pisarmos na terra sem a consciência de que fazemos parte dela, a tarefa de incutir esta consciência global ou planetária, recai sobre os jovens. Às gerações z, y, “cringe”, e tantos outros rótulos, geralmente depreciativos; que por sua vez dependem de grandes e raras figuras como Greta Thunberg, que vão além de estilos de vida, ou as dietas veganas mais “trend” do momento, e demandam ação e respostas do poder público.

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Hugo Sousa de Oliveira

Estudante de Jornalismo pela UNESP, residente do município de Arealva. Participou como pesquisador de campo no projeto: Atlas da Notícia. Amante de jornalismo literário e do estudo da Etimologia. Fluente em Inglês, Espanhol intermediário.

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