A universidade pública tem como objetivo oferecer cursos de nível superior acessíveis à toda a população, desta forma ela precisa garantir a permanência de seus estudantes na instituição.
As políticas de cotas abriram espaço para a diversificação das instituições de ensino superior (IES) brasileiras. Só que essas políticas públicas não são as únicas medidas necessárias para tornar a universidade pública acessível para toda a população. Para que essas instituições mantenham o padrão de diversidade necessário, elas devem ter políticas que permitam a entrada, a permanência e a finalização dos cursos por pessoas que vivem em situações vulneráveis. Esse é o maior objetivo para a permanência estudantil, principalmente em instituições como a Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” (UNESP).
O jovem que entrar na universidade, seja pela reserva de vagas ou pelo sistema universal, vai precisar de diferentes tipos de assistência de acordo com sua realidade. Para muitas pessoas, se manter no ensino superior é questão de dinheiro, tempo e saúde mental. Por consequência, nem todos têm o que é necessário para levar em frente um curso de graduação.
O equilíbrio desses fatores é imprescindível na vida de um estudante. De acordo com a Diretora da Faculdade de Ciências (FC), e Presidente da Comissão de Acessibilidade e Inclusão, da Universidade Estadual Paulista, Vera Lúcia Messias Fialho Capellini. “Estar financeiramente seguro significa que o estudante pode se dedicar aos estudos sem precisar se preocupar em como obter alimentos para a semana seguinte, poder pegar o transporte para realizar alguma atividade externa, ter roupas e poder comprar materiais para os seus estudos”, ela afirma.
Para a docente, o apoio financeiro e ações que promovem a integração e bem estar dos estudantes são garantidos através do programa de Permanência Estudantil. Fundamentada como uma política pública, e um direito de todo o estudante, a assistência estudantil é prevista pelo Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), e pelo Plano Estadual de Educação, aprovado em 2016 pela Assembleia Legislativa de São Paulo.
Educação gratuita é um direito de todos, por isso o ensino superior público deve ser inclusivo e acessível para qualquer cidadão. O objetivo da permanência estudantil é garantir que o aluno em situação de vulnerabilidade consiga finalizar os seus estudos da melhor forma possível. Ou seja, se subentende que este tipo de assistência existe para facilitar os estudos de minorias, como pessoas pretas, pardas, indígenas, quilombolas e da comunidade LGBTQIA +, de baixa renda
O Pnaes prevê que qualquer pessoa que tenha, dentro de casa, uma renda per capita de cerca de um salário mínimo e meio, tem o direito de solicitar auxílios de assistência estudantil para garantir sua estadia na universidade. Desta forma, o ingressante do ensino superior tem o incentivo necessário para continuar seus estudos. “Então que permita que ela realmente seja uma universidade para todos e não só pra quem tem condições de cursar”, reforça Luiza Isabel Banhara, supervisora da Seção Técnica de Apoio ao Ensino Pesquisa (STAEPE) na UNESP.
As bolsas são fundamentais principalmente para aqueles alunos que precisam vir de outras cidades ou estados, para conseguir a educação necessária. Elas servem para a alimentação, locomoção e outras necessidades do aluno durante sua estadia na universidade. “São itens básicos e que em sua ausência podem impactar, por exemplo, a autoestima do estudante e consequentemente desmotivar a sua permanência na universidade ou fazer com que seu desempenho seja baixo, levando-o a reprovações e, mais uma vez, o aumento da probabilidade de abandonar os seus estudos”, Vera explica.
“Outro aspecto importante é que sabemos, hoje em dia, a importância de uma boa alimentação para a saúde mental. Pouco dinheiro disponível, significa, muitas vezes, ter que comprar alimentos de baixa qualidade para que caiba no orçamento. Estar saudável e o bom desempenho acadêmico, são vias que se cruzam constantemente.” A diretora da faculdade de ciências também frisa que essa saúde não é apenas física, como mental. “Se somos acometidos por um mal-estar físico, buscamos ajuda sem nenhum problema, mas quando a questão é psicologia há muitos estigmas e a procura por um profissional tende a ser mais discreta ou até mesmo ignorada”.
“Deve-se esclarecer que esse é um processo natural e comum, todos nós, em um momento ou outro, precisamos de ajudas com questões mais difíceis, ou até mesmo do cotidiano, e não precisamos criar uma imagem de que somos a prova de tudo, em tão pouco entender que o oposto, a busca por ajuda, significa fraqueza”, finaliza. Logo, o papel da permanência estudantil não é apenas garantir estabilidade financeira para o aluno, como também garantir o bem estar pessoal e acadêmico e se necessário, o tratamento adequado para suas questões de saúde mental.
Cada instituição pública, seja ela federal ou estadual, conta com as suas modalidades de auxílio. Dentro da Universidade Estadual Paulista, as políticas de assistência são divididas em diversas categorias, as mais conhecidas são: auxílio aluguel, socioeconômico e a moradia estudantil. Em 2022, entrou em vigor mais uma categoria, que atende estudantes que tenham engravidado durante seu período de estudo. As discentes que fazem parte da graduação tem o direito a uma bolsa-auxílio de 400 reais, enquanto as que estão matriculadas na pós-graduação são beneficiadas com 1.500 reais.
O auxílio aluguel e o auxílio socioeconômico são complementados por um subsídio de alimentação, que atualmente está no valor de 200 reais. Já a moradia estudantil é um direito que está presente em 13 cidades, das 24 que são atendidas pela UNESP. Ao total, são cerca de 1.240 vagas para estudantes em vulnerabilidade, que precisam de um lugar para morar na cidade de seu campus.
Para que o aluno seja beneficiado com esses auxílios, ele precisa participar de um processo seletivo, que avalia sua condição socioeconômica e sua realidade familiar. Toda essa movimentação é de responsabilidade da Seção Técnica de Apoio ao Ensino Pesquisa (STAEPE) e da assistente social, que avalia as condições do aluno. Depois que todos os documentos são verificados, os estudantes são encaminhados para suas respectivas bolsas, e precisam assinar um termo de compromisso, onde eles afirmam ter tudo que é necessário para serem atendidos pela permanência.
Importância e resultados
Alguns estudos, citados por Vera Lúcia Messias, apontam que o desempenho acadêmico dos estudantes que recebem auxílio da permanência estudantil é maior do que aqueles que não recebem, e tem um perfil de renda semelhante. Além disso, uma pesquisa de Araújo et al (2011) — que investigou a percepção dos alunos bolsistas do Programa de Permanência Estudantil da Pró-Reitoria de Extensão Universitária da UNESP — mostra, por meio dos dados obtidos por questionário, que os recursos investidos pela universidade são fundamentais para a permanência e bom desempenho dos acadêmicos com carência socioeconômica nos seus respectivos cursos de graduação.
Para além das vantagens acadêmicas dos alunos, a permanência traz diversidade para o ensino superior. O vice-diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) e atual presidente da Comissão Permanente de Permanência Estudantil no campus de Bauru da UNESP, Juarez Xavier Tadeu de Paula, conta que esses alunos são pilares que pressionam a universidade pública a ter educação crítica de qualidade. Esses estudantes ingressam no ensino superior com sede de aprender e de desenvolver projetos universitários em comunidades carentes — afinal, eles conseguem retornar seu aprendizado para a população em que estão inseridos.
“A diversidade é fundamental para a universidade, é decisivo, do ponto de vista teórico, a necessidade de você ter uma diversidade de leitura, de novos autores.” ele explica. “Você pega a universidade há vinte anos, é uma universidade fundamentalmente de jovens da classe média, com perfil da classe média. Perfil étnico perfil social, perfil político. Com as ações afirmativas, e com essa possibilidade da permanência, houve uma grande diversificação da universidade, diversificação econômica, étnica, racial, de perspectiva de vida, perspectiva de mundo, de comportamento, de cultura, isso enriqueceu muito a instituição.”
Desta forma, é notável que políticas públicas de permanência estudantil são vantajosas não só para os estudantes, mas para a universidade e toda a população que vive ao redor dela. Afinal, o aluno que tem suas questões socioeconômicas aliviadas pelos auxílios, possui mais tempo e disposição para desenvolver atividades que são convertidas em benefícios para a sociedade, uma das principais metas do ensino superior público.
O cenário brasileiro tem acentuado cada vez mais problemáticas econômicas e sociais que fazem com que um aluno de graduação dependa da permanência estudantil. A crise na economia e na saúde, decorrente da pandemia da covid-19, atenuou a fragilidade até de grupos que conseguiam cursar o ensino superior sem nenhuma dificuldade. A existência de auxílios estudantis é crucial para que a população consiga progredir e sair do cenário de aflição em que se encontra.
É preciso que o debate sobre a assistência estudantil se torne mais amplo, e alcance mais do que os beneficiados e os professores da universidade pública. Toda a comunidade acadêmica, e população brasileira, precisa entender e discutir quais as melhores políticas públicas para fazer com que o estudante consiga se manter no ensino superior. Assim, ele poderá evoluir e se tornar um profissional qualificado, que também produz pesquisa dentro de seu ramo. “Quanto mais ela [universidade] investir em permanência estudantil, mais ela vai ser uma instituição que fortalece uma concepção de universidade pública, gratuita, inclusiva, democrática, acolhedora”, reafirma o professor de comunicação social, Juarez Xavier Tadeu de Paula.
Apesar de já atender um número significativo de estudantes por todo o estado de São Paulo, o programa de permanência estudantil da UNESP ainda precisa avançar para que seus auxílios entrem em equilíbrio com a quantidade de estudantes que estão matriculados. Para o vice-diretor da FAAC, a limitação orçamentária é um dos principais obstáculos na ampliação desta política pública. “Fazer ciência, educação superior, ensino superior é caro, as demandas da pesquisa científica são cada vez maiores e os recursos cada vez menores. Então nessa equação ela acaba prejudicando fundamentalmente a permanência estudantil”.
“O auxílio não é uma caridade, o auxílio é uma política que pretende criar condições para que não haja evasão do aluno em vulnerabilidade social da universidade”. O debate da sociedade sobre o tema é importantíssimo para que se crie, políticas de assistência, como acesso a atendimento psicológico gratuito de qualidade, acesso a tratamento de saúde, a preços de moradia acessíveis à realidade do estudante, a alimentação saudável e barata e aos materiais necessários para os estudos. A permanência estudantil é um direito, uma política, que precisa de investimentos para que pessoas de todas as classes e etnias consigam ter acesso a uma educação de qualidade.