Mercado de alimentos e produtos sem nenhum resquício de exploração animal cresce e isso pode ser uma boa notícia
Por Isabela Giordan e Heloísa Kennerly
O termo “vegan” (pronuncia-se vígan), criado a partir das três primeiras e duas últimas letras da palavra “vegetarian”, foi cunhado por Donald Watson, um dos fundadores do movimento, por ser “o começo e o fim do vegetarianismo”. Era 1944 e ele e outros membros da então recém fundada sociedade vegan decidiam como iriam chamar o movimento nascido em Londres que abrigava vegetarianos estritos, que se recusavam a consumir qualquer alimento de origem animal.
A filosofia vegan explicita o não assassinato, exploração e maus tratos aos animais, e seus apoiadores boicotam marcas que usam produtos animais, eventos (como rodeios), locais que mantenham animais presos ou os que explorem economicamente (como zoológicos e petshops). O boicote inclui alimentos fabricados por e com insetos, como o mel e o corante vermelho feito a partir da cochonilha, cosmético, que utilizam animais em testes ou componentes de origem animal e até vestuário, restringe a lã e o couro, por exemplo.
A dieta vegan também é associada ao cuidado com a saúde, apesar de não rejeitar produtos industrializados, que contêm alto teor de sódio, gordura e outros conservantes. O uso de hormônios de crescimento e antibióticos no gado de corte e nas granjas tem sido um importante motivo para a redução do consumo de carne e derivados animais. Essa visão foi reforçada recentemente com um relatório da ONU que associa o consumo de carne processada e carne vermelha à incidência de câncer colorretal. O relatório afirma que a cada 50 gramas de carne processada ingerida o risco de câncer aumenta em 18%.
O principal problema em apoiar a causa vegan é o acesso aos alimentos e produtos de necessidade básica, como shampoo, sabonete e desodorante. No Brasil, a maior empresa vegan é a Surya Brasil, que produz cosméticos e é certificada pela People for Ethical Treatment of Animals (PETA) e pela The Vegan Awareness Foundation. A empresa vende seus produtos no varejo e online em diversos sites, uma tática utilizada por diversos empreendimentos vegans. E mesmo com essa estratégia virtual, o preço dos produtos pode torná-los menos acessíveis do que as marcas que habitam os supermercados do Brasil todo.
O valor dos alimentos veganos, como defende a vegana Eliana Castro em seu blog “Beleza Vegana”, tendem a ser próximos ao dos produtos que eles visam substituir. “Alguns produtos voltados para o público vegano são caros porque a demanda é baixa. Um produto que vende uma tonelada por dia custa mais barato que um similar que vende 1kg por dia. Com o aumento do público vegano, algo que vem ocorrendo a passos largos pra desespero dos exploradores, a tendência é baixar o preço dos produtos”, escreve Eliana.
O Brasil ainda enfrenta problemas com a segurança alimentar, embora tenha obtido progressos nos últimos anos. Produtos como farinha e sal ainda precisam ser enriquecidos com nutrientes básicos, como ferro, ácido fólico e iodo, que previnem doenças crônicas. E embora estejamos discutindo a alimentação e acesso aos alimentos vegans entre pessoas que já têm segurança alimentar, o acesso a alimentos frescos continua limitado, devido à irrigação, clima e transporte. Além disso, os mercados e lojas especializadas em produtos vegan se encontram principalmente na região sudeste, alguns dispõem de seus produtos online, mas a entrega é limitada e os produtos que podem ser enviados (com frete cobrado).
Estima-se que no Brasil, 8% das pessoas seja vegetariana, de acordo com dados da Target Group Index, estudo sobre hábitos e comportamentos do IBOPE Media. Isso equivale a 16 320 000 milhões de pessoas espalhadas, principalmente nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste. De olho nesse público, a Superbom, empresa de produtos alimentícios e supermercados, reativou uma área desativada de sua fábrica para colocar no mercado seu próprio queijo vegano, desembolsando dois milhões de reais para isso, de acordo com entrevista do presidente da empresa, Adamir Alberto para o Brasil Econômico.
O que se espera é que o setor de produtos vegetarianos e veganos cresça não apenas devido às mudanças de hábitos dos brasileiros, mas também devido ao número de pessoas com alergias e intolerâncias alimentares. Pessoas celíacas (que não podem consumir glúten) e que seguem alguma dieta restritiva integram o público-alvo das empresas que fabricam produtos vegan, mesmo não sendo necessariamente vegetarianas.
Em 1979, a sociedade vegan foi registrada oficialmente como uma instituição de caridade no Reino Unido, e nessa ocasião, segundo o website da Vegan Society, a definição de “veganismo” foi atualizada para: “[…] uma filosofia e modo de vida que procura excluir – o quanto possível e praticável – todas as formas de exploração, crueldade e uso de animais para alimentação, vestuário ou qualquer outro propósito; e por extensão, promove o desenvolvimento e uso de alternativas sem animais para o benefício dos humanos, animais e meio-ambiente”, em tradução livre. De um modo geral, o veganismo não é para purificar o corpo de ingredientes animais, mas para proteger os animais e seus direitos e incentivar economias sem crueldade animal.