El niño é responsável por tempestades em certas regiões, secas intensas em outras e população pode sofrer efeitos de desastres ambientais.
O começo de 2016 foi marcado por chuvas intensas por diversas regiões do Brasil, em especial no estado de São Paulo. Se no ano passado, nessa mesma época, os rios apontavam baixos níveis e os produtores perdiam suas plantações pela falta de chuva, esse ano ela veio em abundância e tem provocado estragos em algumas cidades.
A alta precipitação é uma das características do El Niño, fenômeno cíclico que dura em média de 9 a 12 meses, e começou a ser percebido entre março e junho de 2015.
Em Bauru, interior do estado, na segunda semana do ano as chuvas fortes trouxeram medo e prejuízo aos moradores. Foram registrados ventos de até 48 km por hora e muitas descargas elétricas, o que fez com a Defesa Civil fizesse um estado de alerta para que a população evitasse alguns pontos da cidade.
A avenida Nações Unidas, na altura do viaduto próximo a rodoviária, ficou toda alagada. A situação desse lugar é crítica e o alagamento ocorre sempre que há uma chuva um pouco mais forte na cidade. Além de muita água, que passou deixando crateras enormes no asfalto, havia também lixo que foi trazido pela enxurrada dos bairros mais altos.
Na avenida Comendador Daniel Pacífico, que liga a Vila Falcão e o Jardim Bela Vista, o asfalto cedeu e houve risco de desabamento. No Jardim Planalto, perto da Vila Universitária, uma cratera se abriu no asfalto e a rua teve que ser interditada. Isso aconteceu em vários pontos de Bauru, e muitos dos buracos abertos pela chuva continuam até hoje sem manutenção da prefeitura.
O anfiteatro do Vitória Régia, cartão postal da cidade, também foi invadido pela água. No Jardim Terra Branca, um muro caiu e destruiu três carros dentro de um condomínio.
O estrago não foi só por aqui. Em Iacanga 50 km de Bauru, o Lago Municipal também transbordou. A prefeitura precisou retirar plantas aquáticas que estavam enroscadas na grade de proteção da cachoeira do lago, para não deixar que milhares de peixes fugissem.
Muitas estradas ficaram intransitáveis. Entre Bauru e Botucatu houve deslizamento de terra, e parte da via teve que ficar interditada por uns dias. A rodovia Elias Miguel Maluf, que liga Bauru e Piratininga também foi comprometida pelo vazamento de água de um córrego. A ponte caiu depois da água invadir o asfalto.
No quilômetro 411 da rodovia Marechal Rondon, na altura de Guarantã, a pista sentido São Paulo ficou alagada e interditada durante mais de três horas. Entre Ourinhos e Jacarezinho, o transbordamento do rio Paranapanema causou a suspensão do tráfego de veículos no quilômetro 4 da BR-153.
Agudos ficou alagado em diversos pontos, e um carro foi levado pela enxurrada. Em Borebi, a 44 km de Bauru, o rio transbordou e a cidade ficou ilhada. Em Jaú, a água da chuva chegou a atingir 1,80m dentro de uma residência. Muitas casas ficaram alagadas e famílias perderam suas coisas. A SP-225, que liga a cidade a Bauru também teve desabamento de terra em vários pontos.
Alguns bairros de Pederneiras ficaram submersos, e muitos moradores foram retirados de suas casas pelo Corpo de Bombeiros e pela Defesa Civil. O Centro Odontológico da cidade também ficou alagado.
Em Lençóis a chuva deixou rastros de tristeza difíceis de apagar. Um homem foi encontrado morto, vítima da enchente do rio Lençóis. Jean Miguel Batista, de 28 anos, foi arrastado pela água e ficou preso em uma árvore.
A chuva afetou desde os bairros mais afastados da cidade até o centro. Cerca de 800 pessoas tiveram que ser retiradas de suas casas. A prefeitura chegou a decretar estado de emergência. O ginásio de esportes foi o local escolhido para abrigar os que não tinham para onde ir.
Claúdia Silva, 35 anos, sempre morou em Lençóis Paulista. Ela conta que a cidade costuma ter enchente em alguns bairros toda vez que chove um pouco mais forte. “Quando eu era criança me lembro de algumas vezes as aulas na escola serem canceladas. As rua ficavam cheias de terra e buraco, não dava nem para sair de casa. Mas igual a essa vez eu nunca tinha visto. Muita gente perdeu tudo o que tinha”, ela diz com um tom misto de revolta e tristeza.
A maior preocupação agora é o risco de doenças como a leptospirose, que é transmitida através do contato com urina de rato. O fato de ocorrer o transbordamento de esgoto e lixo que se misturam com a água é onde está o problema.
Segundo o médico Rafael Magalhães, a população pode estar ameaçada por outras doenças como hepatite A e febre tifoide. “Essas doenças são transmitidas por bactérias que se alojam nas fezes de animais como os ratos. O ideal é evitar o quanto puder o contato com a água das chuvas. Os sintomas para essas doenças são os mesmos: diarreia, febre, dores abdominais e vômito”, afirma Rafael.
EL NIÑO
A causa de tempestades intensas no verão é o fenômeno El Niño, que acontece em intervalos regulares que podem variar entre dois e sete anos. A razão dessa anormalidade climática ocorre devido ao maior aquecimento das águas do Oceano Pacífico, principalmente das áreas próximas à costa oeste do Peru.
O aquecimento começa a ser percebido no período entre março e junho, vai aumentando até o seu ápice, entre dezembro e abril, e a partir de maio começa a enfraquecer. Ou seja, o El Niño começou em 2015 mas vai influenciar todo o clima de 2016.
Especialistas acreditam que o evento desse ano será tão forte quanto os dois maiores já registrados do Brasil, o de 1982 e 1997. Cada região do país sofre um impacto diferente, em razão da diversidade climática existente. No Sul as temperaturas se mantêm altas e há chuvas intensas durante toda a manifestação do fenômeno. No Sudeste as temperaturas do inverno ficam mais altas, e no verão o regime de chuvas é intensificado. As secas ficam ainda mais graves no centro e norte do Nordeste. No Norte as chuvas são reduzidas nas porções leste e norte da Floresta Amazônica, causando estiagem, o que acarreta o aumento de queimadas. Na região Centro-oeste, há aumento de precipitação no verão e as temperaturas ficam mais altas no segundo semestre.
A influência no clima causada pelo El Niño não acontece só no Brasil. Todos os países que fazem divisa com a Costa do Pacífico terão algum impacto. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), deve faltar comida no Sul da África em fevereiro. No Malauí, calcula-se que aproximadamente três milhões de pessoas irão precisar de assistência antes de março. Isso porque as lavouras também são diretamente afetadas pela seca ou pelas chuvas intensas.
O agricultor Sérgio Galiano explica que as chuvas em excesso prejudicam as lavouras porque causam erosão e mantém o solo encharcado demais, o que pode gerar algumas doenças, principalmente as fúngicas.
“Se a chuva for em baixo volume e muito espaçada também há prejuízo. Isso causa um stress hídrico para as plantas, o que afeta toda a produção final. É preciso que a natureza esteja em perfeito equilíbrio para não comprometer a lavoura. Isso já não acontece independente do El Niño, outros fatores como a poluição também prejudicam o regime das chuvas”, explica Sérgio.
Devido a dificuldade de produção, os alimentos também podem apresentar alteração de preço no período em que o El Niño intervir nas temperaturas. Não podemos culpar todos os desastres ambientais ao evento, já que as autoridades, por saber da ocorrência, deveriam se preparar melhor e dar mais suporte a população concentrada em áreas de risco, e que será prejudicada diretamente pelo fenômeno.