Por Letícia Ferreira
O ano era 1945. Lideranças de diversos países do mundo não concordavam mais com as dimensões que a 2º Guerra Mundial tomara na vida dos cidadãos. Também não estavam dispostos a pensar que, em algum tempo, outro período de destruição e tantas consequências negativas pudesse ser realidade.
Do desejo de evitar um ocorrido parecido, em 1948, potencias mundiais como Canadá, Estados Unidos e França realizaram a Conferência de Yalta, na Inglaterra, e definiram o que seria básico para um futuro de paz. Para isso, criaram uma Organização Multilateral que pudesse promover a mediação de conflitos internacionais, evitar guerras, promover a paz e fortalecer a democracia e a difusão dos direitos humanos. Assim nasce a ONU, Organização das Nações Unidas, formada pelos países signatários de diversos tratados, entre eles, a Declaração Universal dos Direitos Humanos elaborada na conferência.
Eleanor Roosevelt exibe cartaz contendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1949).Créditos: divulgação
O documento estabelece o que é fundamental para a vida digna de um ser humano. Cada aspecto foi descrito em 30 artigos, que mesclam direitos sociais, políticos, culturais e econômicos. A base do que pode-se chamar de direitos humanos, como o direito à liberdade, à igualdade, ao trabalho, ao salário digno, ao acesso à educação. Entre eles, o direto a liberdade de expressão, estabelecido no artigo 19: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Recentemente esse direito ganhou uma nova dimensão, a partir da criação de outro direito, o de acesso à internet. Desde 2011, em resolução criada por Frank de La Rue, relator da ONU para liberdade de expressão, o acesso à internet é considerado um Direito Universal, equiparado à lista de direitos transcritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E não poderia ser diferente, se analisamos a importância que a internet alcançara até a contemporaneidade.
O ano de 2011 mudou a relação entre cidadãos e governos ditatoriais, em especial no Oriente Médio, e a internet teve papel de destaque nesse processo, mais conhecido como Primavera Árabe.
As reivindicações por liberdade e democracia eram organizadas e ganhavam força graças às trocas realizadas pela internet, criando uma esfera pública em rede. A proporção dos protestos e do enfrentamento que a rede auxiliou a elaborar fez com que diversos governos começassem a restringir o acesso à internet. Esse foi o caso do ditador Hosni Mubaraki, do Egito. Além das tropas nas ruas, fazia parte da força de repressão o bloqueio de servidores e de redes sociais como o twitter e o facebook, que ajudavam na comunicação e na divulgação mundial do que ocorria nas ruas e no país. O que trouxe a reivindicação política no Oriente Médio para a pauta mundial, na época.
Cenários como esse embasaram o relatório de Frank de La Rue ao defender a internet como um direito. Assim como no Oriente Médio, em 2011, e em outras partes do mundo, a internet tornou-se uma via que ajuda a consolidar o acesso à informação, o direito à liberdade de expressão e de manifestação política.
O relatório de 2011 destaca como a internet revolucionou a informação. “Com o advento dos serviços da Web 2.0 e plataformas intermediárias que facilitam participação e o compartilhamento de informações e colaboração na criação de conteúdos, os indivíduos já não são receptores passivos, mas também editores ativos de informação”. Nesse espaço estão diversos blogueiros, perseguidos por governos democráticos e não democráticos. Segundo o relatório, 110 blogueiros foram presos porque publicavam na internet, 70% deles na China.
O país bloqueou sites populares como o Google, Yahoo e Youtube. No Brasil, a internet também é usada como uma ferramenta de organização política, (Manifestações de 2013, protestos contra a Copa do Mundo 2014), divulgação de informação e campanhas de cunho social. O site blogueiras negras é um dos principais portais sobre direito das mulheres, com um olhar especial para as mulheres negras, o que pode-se chamar de feminismo negro.
A organização e as publicações do blog confirmar como a internet é um meio de expressão importante para cidadãos do mundo todo. Empregadas domésticas, vendedoras, estudantes, mulheres profissionais de diversas áreas, que tiveram acesso à educação formal ou não, escrevem sobre suas vivências e como enxergam o mundo a partir delas.
Por questões de segurança e saúde psicológica das autoras dos textos e moderadoras das publicações, a sessão de comentários é restrita. É o outro lado da liberdade de expressão exercida na internet. Assim como na vida offiline, as pessoas recebem ataques por suas opiniões e também são ameaçadas. É por isso que o enfrentamento às violações de direitos humanos foi estendido à rede.
Em 2015, o governo brasileiro criou o Pacto Nacional de Enfrentamento às Violações de Direitos Humanos, e lançou o Humaniza Redes, um projeto de comunicação que possui um site e atua nas redes sociais, publicando mensagens positivas sobre direitos humanos e como ele deve estar presente na internet. Cabe ainda, no caso do governo brasileiro, criar mecanismos sólidos que permitam a punição de criminosos online e preparar nossas instituições jurídicas para receber esse tipo de caso.