No Domingo, 2 de outubro, o Brasil sediou mais uma edição das eleições. Dessa vez 144.088.912 eleitores, dos mais diferentes perfis (segundo dados do site do TSE) foram convocados à escolherem seus representantes para os cargos de Prefeito e Vereadores.
O cenário brasileiro para essas eleições passa, desde o começo de 2016, por uma série de situações no mundo político, como por exemplo: o longo processo de Impeachment da Presidenta Dilma, que teve fim em 2 de setembro, exatamente um mês antes das eleições e as investigações da operação Lava Jato, realizadas pelo Ministério Público Federal de Curitiba, que ao utilizar o novo recurso legal das delações premiadas, diariamente expõe novos políticos envolvidos em supostos casos de corrupção.
Um elemento que permeia todo esse contexto político é a cobertura realizada pelos diferentes meios de comunicação, nacionais e internacionais, que sofrem constantes críticas em relação a imparcialidade e neutralidade.
Segundo dados do TSE o Partido dos Trabalhadores (PT), partido da presidenta impedida Dilma Rousseff, elegeu 256 prefeitos este ano em todo o país. Em 2012 o PT elegeu 638. Houve uma queda em quase 60% no número de prefeitos eleitos pelo partido. Esse número é o mais baixo desde as eleições de 2000, em que o partido havia eleito 176 prefeitos.
Nas capitais o PT conquistou uma prefeitura (Rio Branco-AC) e disputa outra (Recife-PE) no segundo turno. O candidato do PT, João Paulo, foi para o segundo turno com 23% de votos, contra 49% do candidato Geraldo Julio do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Em São Paulo o PT teve o menor número de votos em 20 anos e perdeu a prefeitura para João Dória, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Os partidos considerados de Direita cresceram. O PMDB é o partido com maior número de chefes de Executivo municipal, em frente à 1.028 cidades brasileiras, a partir de 2017.
O PSDB lidera o número no Estado de São Paulo com prefeitos em ao menos 163 municípios dos 645 do Estado, o que representa uma em cada quarto cidades. O número pode crescer para 168, caso a legenda vença em todos os cinco municípios (São Bernardo do Campo, Santo André, Ribeirão Preto, Jundiaí e Franca) onde ainda disputa o segundo turno. Em segundo está o PMDB com 82 prefeitos eleitos no primeiro turno ( pode ganhar mais uma prefeitura, a de Taubaté), e o PTB, em terceiro, com 63 ( ainda tem chances em Suzano).
Nas cidades com mais de 200 mil habitantes, o PSDB lidera o número de eleitos com 14 prefeitos, contra 7 do PMDB e 3 do DEM. PP, PSD e PPS somaram dois cada. Em municípios do interior, o PMDB lidera, seguido pelo PSDB, PSD e PSB.
Confira o desempenho dos partidos nas eleições de 2016 nos gráficos abaixo.
Outro fator decisivo no resultado dessas eleições foi o alto número de abstenções, votos brancos e nulos. Veja o gráfico abaixo.
O eleitor que não quis votar
Na cidade de São Paulo, governada por Fernando Haddad (PT), a somatória dos votos brancos, nulos e das abstenções alcançou a marca de 3.096.187 eleitores. Este número é superior ao do candidato eleito, João Dória (PSDB), que obteve 3.085.187 votos. Somando-se o número de jovens entre 16 e 17 anos, idade em que o voto é facultativo, que emitiram o título de eleitor caiu em 9%, comparando-se com os dados de 2012.
Segundo Ramon Brandão mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em texto publicado no portal Brasil 247, esses dados são indicativos do comportamento do eleitor em relação à política. “Eles nos dão pistas (as vezes contundentes, outras nem tanto) acerca da relação dos eleitores com os candidatos e com o sistema político de modo geral”, explica.
Esse alto número de abstenções, brancos e nulos se repetiu no restante do Brasil. Para Ramon há a necessidade de considerar esses números. “Ao contrário do que se diz (‘quem não vota, não exerce sua cidadania’), não votar em ninguém, em muitos casos – ouso dizer que na maioria deles – representa, sim, uma escolha consciente”, conclui.
Esse cenário em que o candidato “Ninguém” ganha em várias cidades pode levantar reflexões. Para Marcos Ramayana, professor de Direito Eleitoral pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RG), em reportagem do portal Agência Brasil , o descrédito da população nos partidos políticos influencia a maneira de votar. “Há um descrédito total das pessoas nos partidos políticos. Pela experiência que eu tenho, dificilmente alguém, tirando os militantes mais identificados, vai votar pela escolha partidária”, opina.
De acordo com Helcimara Telles, professora, cientista política e especialista em comportamento eleitoral pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a mídia desempenha um importante papel para essa descrença. “Temos uma coisa que é bastante conjuntural que são os escândalos midiáticos de corrupção e a disseminação bastante negativa do que é a política e a quase criminalização da política que recentemente tem sido oferecida ao público, sobretudo, pela Operação Lava Jato”, afirma.
“Do meu ponto de vista, tem a ver com a percepção alterada, reenquadrada e sobrerepresentada de que hoje o principal problema do Brasil seria a corrupção”, avalia Helcimara.
A grande mídia e sua função jornalística em crise
A mídia corporativa (empresas privadas que se utilizam de concessões públicas para veiculação de seus conteúdos) sofre várias críticas a respeito da cobertura dos diferentes acontecimentos políticos dos últimos anos. Segundo Teun van Dijk, professor da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, e analista especializado em mídia e estudos de linguagem do discurso político, a mídia corporativa, mais especificamente das Organizações Globo (tema de suas pesquisas), utilizaram diferentes técnicas discursivas para manipular a população. “No caso do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, pudemos observar o uso de números para exagerar o tamanho das manifestações contra o PT e contra a Dilma, a apresentação de suspeitas e acusações como fatos concretos, a celebração de que a “rua” era a favor do impeachment – desconsiderando a parcela da “rua” que protestava contra o golpe – e o jogo das noções de legalidade e ilegalidade – ao dizer, por exemplo, que alguns grampos telefônicos eram legais e outros não”, explica.
“A corrupção divulgada de forma seletiva pelo jornal legitimava o impeachment e as manifestações da classe média conservadora, deslegitimando a acusação de que o processo era um golpe. Os jornais brasileiros usaram o seu poder e monopólio informativo para legitimar um golpe político de direita”, complementa.
As conclusões do professor Dijk também se verificaram em outros veículos. “O Globo é o segundo maior jornal do país, e a Rede Globo tem o monopólio da televisão por meio do Jornal Nacional. Escolhi esse jornal devido à influência do grupo midiático ao qual está vinculado sobre milhões de pessoas. Mas todas as conclusões a que chegamos também se aplicam ao jornal Folha de São Paulo, à revista Veja e a outros veículos de comunicação brasileiros”, aponta.
No infográfico abaixo do ano de 2008, é possível perceber a extensão do Grupo Globo em todo o país. O Grupo Globo é o maior conglomerado midiático do Brasil, segundo dados de sua página na internet , sendo esse conglomerado pertencente a apenas uma família.
A família Marinho com o Grupo Globo é apenas um exemplo da distribuição das concessões públicas de mídia no País, segundo o fundador do Wikileaks, Julian Assange, seis famílias controlam 70% das corporações midiáticas (Abravanel (SBT), Civita (Abril), Frias (Folha), Levy (Gazeta), Marinho (Globo) e Mesquita [O Estado de S.Paulo]). Segundo o advogado e ex-presidente da OAB Marcelo Lavenère, essa concentração de empresas midiáticas possui consequências. “Os Estados Unidos e a Inglaterra não aceitariam nunca que a opinião pública de seus países pudesse ficar sujeita a três ou quatro famílias –e três ou quatro famílias de pensamento único”, comenta.
Lavenère é favorável à regulamentação da mídia, prevista na Constituição Federal. “Com relação à mídia, esse é um problema muito antigo do povo brasileiro. A regulamentação da mídia está na Constituição Federal e é o único capítulo que até hoje não foi regulamentado. Todos os outros foram, menos aquele que prevê que a mídia deva ser democratizada, não deve ser propriedade cruzada, não deve estar nas mãos de três ou quatro famílias”, conclui.
A maneira como a mídia corporativa cobre os acontecimentos levanta críticas de Jornalistas funcionários desses grupos. Como é o caso de Ricardo Boechat, jornalista da BAND. “Cabe à imprensa não só atuar de forma isenta mas ser percebida como tal, e isso definitivamente não aconteceu”, afirma.
O jornalista defende que a mídia deve estar a serviço da sociedade e não dos interesses comerciais. “A mídia que não reflete o interesse da sociedade é uma mídia natimorta e uma sociedade que não vê na mídia um instrumento de poder do cidadão, de acolhimento, de defesa, é uma sociedade que tende a ficar capenga”, explica.
Opinião de eleitores:
“Assisti diversos programas e li jornais variados para ter uma visão ampla sobre o assunto, acredito que a maioria fez um bom trabalho no quesito informação.”
Suelen Mello, 25 anos, assessora de direito.
“Apesar de haver inúmeros sites diferentes e mídias diferentes, tudo acontecia em tempo real e atualizado então foi bom! O que poderia melhorar é sempre aquela questão do “até que ponto tal site fala a verdade”
Beatriz Akane, 20 anos, estudante.
“Creio que os veículos foram muito tendenciosos, tanto os com Cunha de esquerda quanto de direita. Acho que na questão do impeachment seria mais interessante os jornais utilizarem conteúdos de legislação para ficar mais imparcial.”
Bárbara Costa, 21 anos, estudante.
“Na internet você consegue encontrar várias abordagens acerca do assunto, nas TVs abertas a abordagem é unilateral, mas isso já vem de longa data, a única solução é buscar outras fontes de informação.”
Tatiane, 22 anos, estudante.
“Não exatamente, na minha opinião a mídia e os jornais deveriam apresentar as noticias com certa imparcialidade com relação a tudo, algo que claramente não ocorreu, desde o inicio esses meios foram visivelmente a favor do impeachment.”
Breno Brusantin, 23, Estagiário.
“Sim, a mídia expôs a situação como ela é.”
Caroline Ribeiro de Mello, 27 anos, administradora financeira.
A opinião de pessoas sobre como está a credibilidade nas instituições que regem a sociedade:
O professor Dijk, ressalta que é preciso apostar na criticidade do cidadão. “Primeiramente, precisamos de um ensino crítico, desde o ensino básico até a universidade, para educar cidadãos críticos. Em segundo lugar, precisamos usar a mídia alternativa, sobretudo na internet. Em terceiro, temos que criticar, analisar e denunciar sempre, também internacionalmente, visto que os veículos se preocupam com suas reputações no exterior”, conclui.
O reflexo do período exposto está nas eleições municipais de 2016 que mostraram o declínio do Partido dos Trabalhadores, o crescimento dos partidos de oposição de direita e o aumento do desinteresse do brasileiro com a política. E esse é um indicativo do que o brasileiro pode esperar nas eleições de 2018.