Por Livia Cadete, Luana Brigo e Thais Modesto
Idas a lan house. Os olhos vidrados na tela do computador. As mãos se mexem em um ritmo quase ensaiado como se já soubessem o que deve ser feito. Mouse e teclado ganham vida. Agora o passatempo tem ainda mais fãs ao redor do planeta. Eles vibram e se desesperam a cada torneio. O mercado se aproveita, cresce, expande, quer abraçar o mundo. A cada torre derrubada, cada inimigo que cai, a vitória é comemorada como uma partida de futebol. Ao lado dos troféus, uma medalha olímpica pode estar mais perto do que nunca.
Nos últimos anos, os eSports – conhecidos também como jogos eletrônicos – deixaram de ser apenas uma fonte de entretenimento para se tornarem um mercado sólido, popular e lucrativo. Em 2017, a empresa chinesa Tecent, proprietária da Riot Games e do jogo League of Legends (LoL), anunciou uma receita anual S$ 21,9 bilhões arrecadada em 2016, representando um aumento de 43% das vendas anuais da empresa. Através de seu plano de cinco anos, a Tecent planeja acelerar sua expansão em eSports e criar um mercado de US$ 14,6 bilhões na China.
A China foi um dos primeiros países a enxergar potencial no mercado de games. De acordo com um relatório liberado pela consultora Newzoo, o país com 1,38 bilhões de habitantes rende US$ 24,4 bilhões no mercado de jogos eletrônicos. A liderança tem ligação com o grande incentivo do governo no setor. Em 2003, a China reconheceu os eSports como uma mobilidade ligada ao Ministério dos Esportes. O segmento de jogos é o que mais cresce e já representa 27% dos ganhos da indústria.
O jornalista e pesquisador na área de mídias digitais, Dario Mesquita, explica que a expansão do mercado de games se deu graças à popularização dos smartphones, uma vez que antes os jogos ficavam restritos apenas a computadores com boa configuração e a consoles. “Com a chegada dos smartphones, os jogos deixaram de ser vendidos em mídia física, especialmente através de plataformas como o Steam para computadores, o que ajudou a acessibilidade de vários títulos a preços muitos acessíveis”, justifica o mestre em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Quando se trata de investimento, a indústria dos Estados Unidos não fica de fora. A liga estadunidense de basquete (NBA) fechou parceria com a Take-Two Interactive Software, dona da empresa que desenvolve a série NBA 2K, e anunciou sua própria liga de basquete virtual, com previsão para 2018. Dessa forma, a NBA se torna a primeira das quatro grandes ligas norte-americanas (NBA, NFL, MLB e NHL) de esportes tradicionais a possuir a própria liga de esporte eletrônico. A liga planeja ter a participação de franquias, draft de jogadores do mundo todo, incluindo quase R$ 1 milhão de premiação.
RADAR OLÍMPICO
Com a expansão do mercado de jogos eletrônicos, a brincadeira alcançou um novo patamar e pode integrar a programação olímpica de Paris 2024, na França. Além do alto faturamento do segmento, fatores como a audiência crescente e o apelo aos jovens suscitaram especulações sobre a possível inclusão dos eSports no evento, que será avaliada em breve pelo co-presidente do comitê de candidaturas de Paris, Tony Estanguet, em reunião com o Comitê Olímpico Internacional (COI) e com os principais representantes da poderosa indústria de games.
Para a organização dos Jogos Olímpicos e os entusiastas dos jogos eletrônicos, a proposta representa uma oportunidade de dar um apelo mais jovem e “urbano” ao evento, a fim de superar a queda de audiência em mercados importantes, em especial a dos Estados Unidos, e de conectar a juventude à televisão tradicional. Já para os opositores, a tentativa de validação de modalidades alternativas – como o surfe, o skate, o beisebol/softbol, a escalada e o karatê, aprovadas para as competições de Tóquio, em 2020 – se deve ao interesse do COI em atrair mais espectadores e em beliscar milhões de dólares.
Além de uma renda maior, as Olimpíadas na França podem oferecer aos eSports visibilidade, notoriedade e reconhecimento. Esse potencial de crescimento socioeconômico, no entanto, não parece interessar tanto os usuários mensais de League of Legends, cujo número já ultrapassa a marca dos 67 milhões jogadores. Isso porque os games já são uma indústria consolidada, que não precisa dos Jogos para despontar.
Em uma entrevista realizada em agosto de 2016, o diretor de eSports da Riot Games (desenvolvedora do LoL), Whalen Rozelle, declarou que o desempenho do título em países do mundo todo reduz, por conta própria, a necessidade de legitimação do COI. Ele aproveitou o momento de discussão para esclarecer também que o objetivo da empresa não é, necessariamente, fundar um esporte, e sim criar expectativas novas e interessantes ao público.
Para “marchar” rumo ao panteão olímpico, uma modalidade esportiva deve ser recomendada pela Comissão sete anos antes do próximo campeonato e receber um maior número de votos na sessão do COI. Além disso, o esporte deve respeitar os critérios dispostos na Carta Olímpica para ser aprovado. Entre eles estão o apelo da juventude, a atratividade do esporte para os veículos de comunicação e o público geral, o valor que a prática acrescenta à população e a relação que essa tem com o país sede da competição.
Diante dessas considerações, os eSports dificilmente entrarão na lista de Paris. Isso porque essa modalidade, enquanto produto comercial, encontra uma série de obstáculos. Um dos entraves é o licenciamento. Diferentemente dos esportes tradicionais, que compõem o programa olímpico, os jogos eletrônicos não têm uma federação internacional reconhecida pelo Comitê, com a autoridade necessária para que a modalidade siga os padrões dos Jogos. Sem esse reconhecimento, o controle de dopagem dos gamers fica comprometido, já que as federações das modalidades olímpicas recebem do COI a incumbência de realizar testes antidoping com periodicidade.
Os eSports esbarram também em outro obstáculo, dessa vez referente à organização das ligas esportivas. Compostas por diversas competições, equipes e jogadores, as ligas de games virtuais são controladas por empresas, que planejam campeonatos e eventos de eSports. Isso dificulta a decisão do Comitê Olímpico Internacional de aprová-los ou não como modalidade olímpica, já que esse teria de convencer uma corporação a ceder o direito de um de seus jogos para tê-lo no evento. Entre uma gama de títulos de peso (League of Legends, Dota 2, Counter-Strike, etc.), qual o COI escolheria? E qual critério seria utilizado para selecioná-lo?
Outro problema da remota inclusão dos esportes eletrônicos no mundo olímpico é a falta de representatividade competitiva da modalidade em um número considerável de países. De acordo com a Carta Olímpica, um esporte pode adquirir um estatuto de natureza olímpica se for praticado por homens em 75 países, no mínimo, e em quatro continentes; no caso das mulheres, se for realizado em 40 nações e em três continentes. A Federação Internacional de eSports (IeSF) conquistou o reconhecimento dessa modalidade como esporte em 22 países – entre eles China, Taiwan, Coreia do Sul, Finlândia e Itália. Resta saber se os games online se enquadram na regra geral e contam com o equilíbrio de gêneros.
Nos EUA, as mulheres jogam videogames tanto quanto os homens, de acordo com um estudo do Instituto Pew, divulgado no início do ano passado. E na comunidade de brasileira de jogos eletrônicos não é diferente. Realizada pela agência de tecnologia Sioux em parceria com a Blend New Research e a ESPM, a pesquisa Game Brasil 2017 aponta que o público feminino deixou de ser a minoria; ele representa agora 53,6% dos jogadores do país.
É ESPORTE?
A possibilidade de que os jogos eletrônicos sejam legitimados como prática esportiva ganhou força nos últimos anos, principalmente quando o número de entusiastas subiu de 90 milhões para 148 milhões no mundo todo, segundo a Newzoo. O que era visto apenas como mera diversão, tornou-se centro de debates, que envolvem diversas áreas do conhecimento, como a ciência, a filosofia e a educação física.
Durante seu pronunciamento ao site insidethegames, em abril, o presidente do COI, Thomas Bach, revelou que considerar olímpico uma competição que dispõe de pouca entrega física é um dos grandes obstáculos a serem enfrentados pelo Comitê Internacional para a inserção dos eSports na Olimpíada. “Não existe uma organização ou uma entidade que nos dê a certeza e a garantia de que essa modalidade respeita e cumpre as regras e valores olímpicos do esporte ou que essas regras possam ser implementadas e monitoradas com segurança”, disse o ex-esgrimista alemão.
Apesar de ter incluído o xadrez – um jogo de raciocínio e de pouco esforço corporal – como modalidade esportiva em 1999, o COI não contribui na definição do conceito “esporte”, embora ele mantenha uma lista de entidades – reconhecidas por ele – que o fazem. Uma delas instituições que não contemplam os jogos virtuais é a Gaisf, a antiga SportAccord, que reúne mais de 90 federações olímpicas e não-olímpicas, inclusive a Associação Internacional de Esportes da Mente (xadrez, damas, bridge, go e pôquer).
Para a Gaisf, o termo vai além de meros verbetes: o esporte não é apenas uma “prática metódica de exercícios físicos, que consistem geralmente em jogos competitivos entre pessoas, ou grupo de pessoas”, como define o dicionário Michaelis; a modalidade esportiva, segundo a organização, “pode ser essencialmente física, mental, motorizada ou com suporte de animais, deve ter um elemento de competição e não deve ter um elemento de ‘sorte’, nem representar risco indevido à saúde e à segurança dos participantes”.
Do mesmo modo que existe a corrente que afirma que a atividade nunca vai alcançar o status de esporte, existe a que defende o contrário e procura enquadrá-la em normas e torneios esportivos. Exemplo disso é a Associação dos Esportes Internacionais para Todos (TAFISA), que aceitou os eSports como prática esportiva em maio do ano passado, e o projeto de lei (5.840/2016), que tramita na Câmara dos Deputados e propõe a inclusão de jogos de raciocínio, como o xadrez, no artigo da Lei Pelé (estabelecimento das modalidades esportivas). Mesmo não se referindo aos jogos virtuais, a proposta é fundamental para o incentivo de novos pleitos em um momento posterior.
Os defensores dos esportes eletrônicos tendem a ser jogadores e profissionais que acompanham a rotina dos ciberatletas e que a utilizam como argumento central de defesa. Segundo essa lógica, os pro-players – apesar de não praticarem atividade física evidente, utilizando-se basicamente das mãos para o controle os avatares – dedicam-se a uma rotina diária de treinos, que exigem esforço, agilidade e conhecimento estratégico, além do preparo físico, nutricional e psicológico.
A psicóloga Ariane Melo, que é sócia da Fábrica de Lendas e também uma das pioneiras brasileiras na aplicação da Psicologia aos esportes eletrônicos, diz que não há dúvidas sobre a qualificação dos jogos eletrônicos como uma prática esportiva, visto que os games virtuais apresentam muitos valores do esporte convencional: a disciplina, o trabalho e a preparação física e psicológica a que os ciberatletas são submetidos.
Assim como os jogadores de futebol, que trabalham mais de sete horas por dia, os jogadores profissionais de eSports “devem ser respaldados por profissionais de Psicologia, fisioterapia, educação física e nutricionista. Essas equipes multidisciplinares devem focar em hábitos alimentares saudáveis, exercícios físicos, acompanhamento psicológico e em um ambiente laboral sadio”, explica.
Independentemente de serem considerados ou não esportes, os jogos eletrônicos vêm ganhando espaço no universo olímpico. Em abril, o Conselho Olímpico da Ásia aprovou a inclusão de games virtuais na programação oficial dos Jogos Asiáticos de 2022, que serão realizados em Hangzhou, na China; as competições poderão valer medalhas. O mesmo comitê confirmou também os e-Sports nos Jogos Asiáticos de 2018, na Indonésia, e nos Jogos Asiáticos Indoor e de Artes Marciais 2017.
Na Coreia do Sul, os games já integram o Comitê Olímpico do país como um grupo de nível 2, um patamar que se encontra abaixo das modalidades olímpicas e na qual estão as os esportes da mente. A aprovação da KeSPa – órgão responsável pelo cenário sul-coreano de esportes eletrônicos – ocorreu durante uma assembleia realizada na capital Seul, em janeiro de 2015.
PROFISSIONALIZAÇÃO
No Brasil, um jogador profissional ganha em média de R$ 3 mil a R$ 6 mil, juntando ganhos com publicidade, patrocínios individuais, comissões em vendas de produtos e transmissões de partidas online. Contudo é longo o percurso dos jogadores amadores até conquistarem reconhecimento e aceitação das pessoas, em especial dos familiares, pela escolha dos videogames como uma carreira profissional sólida.
Longas são as horas em frente a tela de computador. E seleto é o grupo dos ciberatletas que acumulam salários de seis dígitos na conta bancária por causa das competições. Um exemplo disso é o estadunidense Saahil Arora, jogador de Dota 2 considerado o mais bem pago da atualidade, com mais de US$ 2,8 milhões em premiações.
Entre os jogadores mais bem pagos, incluindo Arora, estão Li Peng, Clinton Loomis, Syed Hassan e Peter Dager, todos jogadores de Dota 2 e com patrimônio de mais de US$ 2 milhões cada, em função dos campeonatos. Isso porque o game de gênero MOBA (Multiplayer Online Battle Arena) – modo no qual jogam vários participantes – pagou uma premiação total, em todos os seus campeonatos desde seu lançamento em 2011, de mais de US$ 125 milhões.
Um ponto que ajudou a fortalecer a caracterização de jogador como uma profissão como outra qualquer aqui no país, dentro da área esportiva, é a aplicação das regras da Lei Pelé (lei nº 9.615/98), que determina expressamente que a atividade do atleta profissional seja caracterizada por um contrato especial de trabalho desportivo, de acordo com seu artigo 28. Logo, seria contraditório considerar a atividade praticada pelos pro-players como uma modalidade esportiva e não haver termos de contrato de trabalho, conforme previsão legal.
Com relação aos contratos de jogadores, carteiras de trabalho e pagamento, a indústria dos eSports é conduzida especialmente pelas empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos. Tal modalidade esportiva apresenta uma pirâmide organizacional liderada por empresas desenvolvedoras, que passam a formar ligas e a participar de campeonatos que elas mesmas criam e ajudam a financiar.
Quando se fala da contribuição e influência que as empresas possuem nos contratos dos jogadores, logo vêm à mente o caso da Riot Games. Para evitar o descumprimento ou quaisquer atrasos significativos no pagamento dos jogadores, aliciamento, deduções não aprovadas de premiações ou mudanças constantes de atletas para outras equipes durante um campeonato, a empresa desenvolveu uma série de normas nos contratos entre os times e os jogadores. A decisão da Riot se deu pelo entendimento da corporação de que a profissionalização da indústria de jogos eletrônicos está intimamente ligada às regras de negócios, por meio da criação de mecanismos que possibilitem aos ciberatletas as condições mínimas para dedicação exclusiva aos jogos virtuais.
Dessa forma, o amadorismo de alguns anos atrás deu lugar a uma nova leva de jogadores que mais do que nunca sonham em ganhar a vida fazendo algo pelo qual são apaixonados. Criada com dois irmãos mais velhos e um primo, Camila Natale, de 26 anos, começou a se interessar pelos games desde criança. Entre as várias visitas a lan house, o que era apenas uma diversão e uma forma de passar o tempo, abriu espaço para que surgisse “cAmyy” (pseudônimo de Camila), uma jogadora profissional de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO).
Apesar de se familiarizar com os eSport há anos, foi apenas em 2014 que Camila decidiu se profissionalizar. Por conta de um relacionamento de seis anos com outro player, que não aprovava o fato dela jogar, Camila passou por este período praticando CS:GO escondida, usando contas falsas e recusando pedidos para participar de equipes. A decisão de seguir em frente e virar um profissional veio com o fim da relação amorosa.
No momento, “cAmyy” faz parte de uma equipe feminina de Counter-Strike:GO, a Team Innova. Apesar das cinco integrantes serem todas garotas, elas não apenas competem em torneios femininos, mas nos mistos também. “Nós nos conhecemos jogando mesmo. Eu, a Juliana e a Pamela já estávamos juntas fazia um tempo. Já a Bruna e a Gabriela são as mais novas do time. Elas estavam em outra equipe e vieram depois que observamos o modo como jogavam”.
TREINAMENTO
De domingo a quinta-feira. Das 23h30 às 03h da manhã. Olhos atentos a cada jogada. Assim é a rotina de treino das integrantes da Innova. Uma das principais mudanças na vida de Camila, quando decidiu seguir carreira como jogadora profissional, foi o tempo extra que precisou dedicar para se aperfeiçoar nos eSports. Nem sempre é fácil conciliar os treinos com o cotidiano, principalmente com o emprego fixo, a usual fonte de renda da maior parte dos jogadores. Natale é formada em administração de empresas, mas a carreira para ela funciona como um plano B, já que a jogadora não pretende abrir mão das competições de Counter-Strike nem da oportunidade de fazer seu nome nesse meio.
Mesmo com os avanços e investimentos realizados no universo dos games, no que se refere aos esportes eletrônicos, a preparação de atletas ainda é algo muito recente. Para o manager da Escola Preparatória de Atletas da CNB, Nicholas Bocchi, os métodos de treinamento permanecem em fase de desenvolvimento, principalmente no Brasil, já que os treinadores são jogadores com bastante conhecimento de jogo, mas nenhuma formação em educação física, por exemplo. “O movimento atual é de testes e isso significa observar o resultado para replicar ou aprimorar. A existência de vários níveis de jogadores torna essa tarefa mais complicada. Nos esportes convencionais, as categorias de base são divididas pela idade dos atletas, mas no esporte eletrônico não é bem assim”.
Como manager de um time profissional de eSports, Nicholas tem a função de cuidar da agenda do time – treinos, compromissos com patrocinadores, de cada membro da comissão técnica e da logística da equipe – e de fazer ponte entre os jogadores e a comissão técnica, junto à organização, garantindo que as necessidades de todos sejam atendidas.
Jogador aposentado desde agosto de 2016, Nicholas recebeu a proposta para trabalhar como analista técnico e, dois meses depois, lhe foi atribuída o cargo de manager, que exerce até hoje. “Atualmente aplicamos treinos apenas na modalidade de League of Legends, que oferece dentro do próprio jogo um sistema de ‘ranqueamento’ dos jogadores, isso facilita a nossa divisão de categorias, que é feita em três níveis, além do time principal, onde pudemos identificar as necessidades e aplicar treinos específicos para cada um”, explica.
O nível mais baixo é conhecido por Dorans. Nele os jogadores são ainda “uma tela um branco”, aponta Nicholas. O foco é voltado para que o pro-player desenvolva conhecimento teórico individual, introduzindo as técnicas de comunicação e jogo em equipe. No nível intermediário, o Brutalizer, os jogadores já possuem um bom conhecimento do jogo. Nesse momento, o foco recai sobre o trabalho em equipe e em como organizar o jogo de cada um. Já o nível mais avançado, o Trinity, apresenta jogadores bem mais completos. “O que falta neles é apenas a experiência e a ‘malícia’ nesse ponto. O foco são os treinos intensos com diversos times e inscrevê-los em campeonatos”, conta o ex-jogador.
Além da presença de um manager, a equipe técnica também pode contar com a presença de outros tipos de integrantes. O time que Nicholas gerencia, por exemplo, possui em cada nível um treinador e assistente. Em alguns grupos, a figura do psicólogo também vem se tornando comum, principalmente em função das discussões sobre a pressão do jogo, o desgaste físico e emocional dos jogadores.
Nicholas Bocchi conta que a aquisição de um profissional da Psicologia não surtiu efeitos, com base no acompanhamento diário que este fazia nos jogadores. “Recorremos a ele apenas nas situações em que o clima do time começa a ficar pesado, para evitar ou resolver algum atrito”. Já no nível profissional, muitos clubes – fora a figura dos treinadores, manager, psicólogo, fisioterapeuta e preparador físico – há também um “life coach”, uma pessoa responsável em ajudar jogadores a conciliar vida pessoal com o trabalho. “Isso têm se mostrado de suma importância por conta da faixa etária baixa dos players”, acrescenta Bocchi.
PATROCÍNIO
A escolha de “cAmyy”, como a de muitos outros ciberatletas pode causar diferentes reações em seus familiares e amigos. Por se tratar de uma escolha de profissão nada tradicional, os pais são os que podem apresentar mais dificuldade para entender e aceitar a decisão de ganhar a vida com os jogos eletrônicos.
Apesar de ter mantido seu trabalho e estudos, a gamer conta que sua mãe ficou preocupada com a quantidade de horas que passou a reservar ao jogo. Porém, entre as idas a lan house quando criança, a formação de uma equipe e a participação em torneios, a jogadora já tinha bem definida qual seria de fato a carreira que desejava seguir. Foi somente após um campeonato internacional, do qual Camila e sua equipe participaram, que a sua mãe se tornou mais aberta a ideia, apoiou mais a filha e começou a acompanhar as partidas.
Por enquanto, Camila não se sustenta exclusivamente como jogadora profissional de CS: GO. “A gente não ganha nenhum salário. Ainda tenho meu pai que me ajuda, porque ele me apoia e acredita em mim. E tem também a opção de fazermos livestream, que no caso são pessoas assistindo você jogando em casa”, explica a jogadora. Quando se trata de livestream, há possibilidade de um bom retorno financeiro e de conseguir doações para custear as participações em campeonatos, dependendo da visibilidade do ciberatleta. Um jogador renomado tem mais chance de conquistar essas vantagens do que um player que, apesar de ser profissional, não é tão conhecido.
Uma das maneiras de ganhar mais visibilidade, que tem sido amplamente utilizada pelos jogadores, é o Twitch. A plataforma online de vídeos, propriedade da Amazon, é usada tanto por profissionais quanto por amadores para as transmissões ao vivo de suas partidas. Popular nos games multiplayer, como LoL, Counter-Strike e Dota 2, o Twitch permite que os jogadores consigam ganhar dinheiro com anúncios e número de visualizações das disputas. Alguns jogadores brasileiros conseguem ganhar no país entre R$ 1 mil e R$ 10 mil.
Outra ferramenta recente no país é o YouTube Gaming – disponível em versão web, Android e iOS – que ajuda os espectadores a encontrarem transmissões, reviews e análises de partidas. De acordo com dados da Superdata Research, divulgada pelo site Dot Esportes, o Youtube Gaming e o Twitch alcançaram no ano passado mais usuários ativos que os serviços on-demand como Netflix e HBO.
Mas as transmissões vão além daquelas realizadas pelos próprios jogadores. Canais de televisão – em especial ESPN e SporTV – passaram a cobrir campeonatos, como a final do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) 2017 disputada entre as equipes PaiN Gaming e Team One, da qual a última saiu vencedora e qualificou-se para o mundial na China. O torneio internacional teve início no dia 23 de setembro e se estende até o dia 4 de novembro.
Em 2015, a Riot Games afirmou um recorde de 334 milhões de espectadores ao longo do tour do Mundial em Paris e Berlim, que durou cerca de cinco semanas. Um público 46% maior que do ano anterior. A final do torneio obteve 14 milhões durante o pico de audiência e 36 milhões de acesso ao final do campeonato. Para se ter uma ideia do crescimento, basta comparar os números com a audiência do primeiro Campeonato Mundial de League of Legends (League of Legends World Championship) que ocorreu em 2011, na Suécia, e cuja decisão atraiu um público de 1,6 milhões.
Camila Natale já participou de campeonatos internacionais de CS:GO como o ESWC 2015 (Eletronic Sports World Cup) em Montreal, no Canadá, que é um campeonato totalmente feminino; o IEM (Intel Extreme Masters) em Katowice, na Polônia em 2016. Para ela, um dos mais significativos foi um que sua equipe disputou ESWC na Paris Week Games, na França em 2016. “Diferente da competição no Canadá, nós precisamos arrecadar dinheiro online para conseguir viajar. O torneio da Polônia foi tudo pago. Para competir em Paris, tivemos de arrecadar uma parte; a outra foi paga pela organização, o que ajudou bastante, já que não tínhamos condição de arcar com tudo. Tínhamos apenas para as nossas passagens”.
Transporte, alimentação e passagens são os gastos principais que os jogadores acabam tendo de arcar na hora de participar de um campeonato. E quando se fala de mundiais de eSports, os gastos são ainda maiores. Por conta dos baixos salários ou da ausência de uma renda fixa ligada aos games, alguns pro-players dependem de empresas que os patrocinem. Em 2015, marcas como Coca-Cola, Nissan, Volkswagen e Sansung, segundo pesquisa do SuperData, investiram mais de US$ 578 milhões em patrocínios, transmissões de eventos. A mesma pesquisa aponta que em 2018, os investimentos devem chegar a US$ 1,8 bilhão.
Os financiadores costumam ser empresas já ligadas aos jogos eletrônicos, como acontece com a equipe Innova, que recebe no patrocínio de seis empresas, sendo uma delas uma loja de “skins”, as armas no Counter-Strike e na Mega Arena X5, local destinado para treinos e torneios de games.
Uma pesquisa realizada em 2012 pela InsideComm, em parceira com Acigames, revelou que 58% dos brasileiros que jogam videogames. A média que o brasileiro passa jogando eSports é de 7 dias por semana, 2 horas por dia. A agência observou também que, no Brasil – somando todas as pessoas que jogam -, são gastas mais de 40 bilhões de horas. Segundo o gerente de Novos Negócios da InsideComm, Luiz Ferrarezi, isso acontece porque os games são a principal fonte de entretenimento para os brasileiros de todas as faixas etárias.
Essa exposição cada vez maior de crianças e jovens a aparelhos eletrônicos pode causar danos à saúde, entre os quais estão excesso de obesidade, déficit de atenção, hiperatividade, hipertensão e problemas correlacionados. A psicóloga Ariane Melo explica que o indivíduo pode, ainda, tornar-se agressivo e estressado, e reforçar o comportamento compulsivo, por isso é necessário saber ponderar o tempo dedicado aos jogos: “Tudo de forma excessiva pode tornar-se um vício, ou seja, na hora é muito prazeroso e esse vício acaba sendo sustentado apenas por esse prazer, que pode ser conseguido de outras formas como por exemplo, bons relacionamentos”.
No caso dos ciberatletas, que requerem horas extensas de treino, o tratamento deve ser diferente. O psicólogo da equipe INTZ E-Sports Club, Claudio Godoi, conta que a preparação dos pro-players é dividida em acompanhamento individual e coletivo. O treinamento envolve controle emocional, trabalho em equipe e avaliação voltada ao alto desempenho. “Todas as equipes profissionais possuem um funcionamento de rotina elaborado pela equipe técnica para que haja um melhor aproveitamento, levando em conta a saúde física e mental dos jogadores. Isso inclui uma alimentação balanceada realizada por um nutricionista, atividades físicas e acompanhamento psicológico”, explica Godoi.
MERCADO BRASILEIRO
O boom dos eSports no Brasil aconteceu nos últimos cinco anos, com a chegada do jogo League of Legends. O último levantamento de mercado, realizado em 2016, revelou que o país possui mais de 200 empresas desenvolvedoras de jogos e ocupa a 12ª posição no ranking de maiores consumidores de games do mundo.
O Brasil é o país com o terceiro maior público de esportes eletrônicos, ficando atrás somente dos chineses e dos estadunidenses, respectivamente. A Newzoo contabiliza que 11,4 milhões de brasileiros acompanham, com frequência, partidas de videogame e que o Brasil é responsável por cerca de metade dos espectadores frequentes de eSports da América Latina.
E não é apenas o crescimento da audiência que torna a indústria dos games ainda mais promissora, mas também a profissionalização desse setor, que ocorreu com o surgimento de entidades como a Associação Brasileira de Games (AbraGames) e a Associação Comercial, Industrial e Cultural dos Jogos Eletrônicos no Brasil (Acigames), e passou a contar com o envolvimento do governo e a troca de conhecimento entre jogadores brasileiros e de outros países. Muitos jovens começaram a “abrir mão” de carreiras mais tradicionais para viverem de jogos eletrônicos.
Estima-se que existem mais de 100 milhões de gamers no mundo, entre profissionais e amadores; nesse quesito, o Brasil ocupa o quarto lugar, com 10 milhões de jogadores. Além do elevado número de players, o país conta com dez grandes equipes de eSports, entre elas INTZ, Kabum, paiN Gaming e Keyd Stars, que fazem parte da Associação Brasileira de Clubes de E-sports (ABCDE) e recebem patrocínio de empresas como Logitech G, Nvidia, Razer e Kingston.
A área de jogos eletrônicos no país é formada especialmente por micro e pequenas empresas – a maior parte delas criadas a partir de 2009 -, que faturam até R$ 240 mil por ano. As grandes empresas, por sua vez, representam apenas 4% do segmento, mas apresentam receita entre R$ 2,4 milhões a R$ 16 milhões.
Apesar do considerável faturamento e do aumento do número de pessoas que optam por seguir a carreira de ciberatletas, o mercado brasileiro ainda não despontou. Dario Mesquita revela que isso ocorre em função da dificuldade em obter investimentos estrangeiros. Em 2012, a Eletronic Arts fechou seu escritório no Brasil e abriu um novo no México no mesmo ano, por lá oferecer melhores condições. “Falta ao Brasil desenvolver uma cultura de produção de jogos, e isso aconteceria com uma devida formação de produtores de games em suas diversas frentes”, revela.
Para tentar suprir essa carência, novos cursos especializados na área são criados e atraem jovens interessados na formação. Aqui, existem mais de 20 cursos livres, de bacharelado ou tecnólogos. O número aumentou em quatro vezes nos últimos seis anos, contribuindo para que o segmento ganhasse espaço no mercado internacional.
O primeiro curso de graduação no segmento de eSports – o de Design de Games – surgiu em 2003, na Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo), com o objetivo de formar pessoas que atuem como programadores, designers e profissionais de marketing. Cinco anos depois, foram criados mais dez cursos; em 2014, o número subiu para 44. De lá para cá, ocorreu o desenvolvimento de uma série de cursos voltados não apenas para a criação de jogos eletrônicos, mas também para o desenvolvimento, a comercialização e a distribuição destes produtos. Entre eles está o de Game Marketing, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Mauro Berimbau, um dos desenvolvedores desse curso, conta que a motivação veio de uma deficiência de conhecimento formalizado de business para jogos digitais no país. “Nossa intenção é juntar grandes profissionais do setor (designers, ilustradores, animadores, programadores) em um curso formal, através de uma instituição de ensino renomada. Com isso, vamos dividir os aprendizados que tivemos nos últimos anos, tanto em pesquisa científica quando nos desafios diários do mercado, para que esse profissional entrante se sinta melhor preparado e obtenha sucesso”, explica.
O curso conta com aulas sobre indústria de eSports, processos de produção de jogos, introdução ao game design, uso de jogos digitais em comunicação, gestão de marketing em games e estratégias de monetização. “A intenção é que os participantes tenham conhecimento sobre as principais ferramentas para organizar e gerenciar um projeto em jogos digitais, com enfoque em resultados de mercado – sejam esses games voltados para entretenimento, comunicação ou educação”, comenta Berimbau.
Ainda com os obstáculos que o mercado brasileiro enfrenta, Dario Mesquita acredita que a expectativa no aspecto financeiro é positiva: “No quesito de linguagem e novas tecnologias, qualquer coisa pode surgir. O mercado de jogos eletrônicos tem uma qualidade de inovação incrível, com várias possibilidades”.