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“A droga me tirou tudo”, relato sobre a dependência química mostra preconceito e falta de oportunidades

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Classificada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), dependência química é apenas um dos reflexos da vulnerabilidade social que o país vive.

Usuários de droga sob mira de policial durante operação da Polícia Civil na Cracolândia, em maio de 2020, em São Paulo. Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo.

Com a taxa de desemprego do primeiro semestre de 2022 em 11%, ocasionado pela crise econômica, política e sanitária que o país vive, metade da população brasileira passou a sobreviver com menos de R$15,00 por dia, e os 10% mais pobres, sobrevivem com apenas R$3,73, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O número de pessoas vivendo nas ruas aumentou em 16% entre os meses de dezembro a maio de 2022,  segundo dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas. A população negra representa 68%, 31% se declararam como brancas e 1% indígena.

Os números escancaram outro grave problema, o uso de drogas como refúgio da realidade pela falta de perspectiva de melhora e conhecimento sobre o tratamento. 

Célio Silvestre Ferreira, de 50 anos, eletricista nascido em Bauru, possui dois filhos, Israel, com vinte e seis, e Guilherme, com vinte, frutos de um relacionamento que durou cerca de 20 anos e resultou em um divórcio causado pelas drogas. 

“Tudo por causa dessa dependência química, pela falta do tratamento. Na verdade eu nem sabia que existia tratamento e também não aceitava que eu era doente, que eu precisava de um.”, conta.

Dados do 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, mostram que 3,2% dos brasileiros usaram substâncias ilícitas nos 12 meses anteriores à pesquisa, o que equivale a 4,9 milhões de pessoas, e entre os jovens, de 18 a 24 anos, o percentual chega a 7,4% dos entrevistados.

A maconha é a droga mais consumida, com 7,7% que disseram ter utilizado ao menos uma vez na vida, seguida pela cocaína, com 3,1%. Mas o álcool, apesar de venda e uso liberado, apresenta dados alarmantes com 2,3 milhões de pessoas que apresentaram critérios para dependência nos 12 meses anteriores à pesquisa.

A dependência química é classificada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como o uso repetido de determinada substância que traz problemas comportamentais, cognitivos e fisiológicos ao indivíduo.

Em 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou mais de 400 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool, número 12,4% maior em relação a 2020.

Célio buscou o tratamento no ano de 2018 quando foi parar em um albergue e foi encaminhado ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), no qual teve apoio de profissionais com prescrição de medicação e onde sugeriram a internação na comunidade terapêutica Bom Pastor.

“Eu cheguei no nível da dependência que eu não conseguia mais trabalhar, eu vendi tudo que eu tinha, vendi moto e móveis e fui parar na rua. A droga me tirou tudo, minha família e meu emprego.”, relata.

Projetos Sociais

Dentro da comunidade Bom Pastor, o eletricista teve contato com o Projeto Ubiraci, projeto social que através da reutilização de paletes de madeira executa atividades de marcenaria para produção de móveis e empodera os acolhidos durante o processo de reabilitação.

Projeto social com dependentes químicos utiliza pallets reaproveitados para produção de móveis. Foto Reprodução: Projeto Ubiraci.

Nicole Zambrana Balanza, 22 anos, estudante de Arquitetura da UNESP Bauru e integrante do Ubiraci, conta que o objetivo vai além da capacitação e reinserção no mercado de trabalho.

“É o fato dos participantes comentarem que, aos poucos, se sentem parte de algo. Porque as pessoas têm a visão de que os dependentes são agressivos e não são mais capazes. Então pequenas atitudes, como  ouvir a pessoa e ela sentir que você está prestando realmente atenção, já fazem diferença.”

Nicole, ainda reforça que a constância das visitas semanais faz com que eles se sintam valorizados e reconhecidos como pessoas, e não resumidos à dependência química.

“Você está internado e excluído da sociedade, e ela (a sociedade) te vê como uma pessoa que está nessa vida porque não quer saber de nada. Então a gente praticamente é excluído da sociedade quando está nesse nível.”, comenta Célio.

Para ele, o projeto representou uma oportunidade de confiar em si de novo e de recomeçar.

“Ali a gente resgatou uma dignidade. Porque a gente perde a confiança e a autoestima e o projeto mostrou que eu era capaz de fazer algo bom, que eu tinha capacidade de criar e de me sentir útil de verdade.”

Célio, reforça a importância do tratamento e que, graças a ele, o eletricista voltou a trabalhar e ter contato com os filhos, e se casou novamente. Hoje, faz o tratamento e acompanhamento psiquiátrico com uso de medicação e participa de grupos de apoio do Narcóticos Anônimos (NA).

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Alice Gonsalez

Em formação no curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, pela UNESP Bauru. Técnica em Administração pela Professor Camargo Aranha. Gestora de Time da Enactus Unesp Bauru em 2021. Gerente de Marketing da Pro Junior em 2022. Co-autora dos artigos “Letramento Midiático: Uma prática para promoção da Cidadania” e “Podemos confiar? O Letramento Midiático entre os alunos dos cursinhos pré-vestibulares da UNESP Bauru”, pelo INTERCOM 2020. Atualmente sou estagiária de Marketing na consultoria jurídica LETS Marketing. Possuo experiência nas áreas de Gestão, Marketing, Comunicação. Análise de dados e Empreendedorismo social.

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