Classificada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), dependência química é apenas um dos reflexos da vulnerabilidade social que o país vive.
Com a taxa de desemprego do primeiro semestre de 2022 em 11%, ocasionado pela crise econômica, política e sanitária que o país vive, metade da população brasileira passou a sobreviver com menos de R$15,00 por dia, e os 10% mais pobres, sobrevivem com apenas R$3,73, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O número de pessoas vivendo nas ruas aumentou em 16% entre os meses de dezembro a maio de 2022, segundo dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas. A população negra representa 68%, 31% se declararam como brancas e 1% indígena.
Os números escancaram outro grave problema, o uso de drogas como refúgio da realidade pela falta de perspectiva de melhora e conhecimento sobre o tratamento.
Célio Silvestre Ferreira, de 50 anos, eletricista nascido em Bauru, possui dois filhos, Israel, com vinte e seis, e Guilherme, com vinte, frutos de um relacionamento que durou cerca de 20 anos e resultou em um divórcio causado pelas drogas.
“Tudo por causa dessa dependência química, pela falta do tratamento. Na verdade eu nem sabia que existia tratamento e também não aceitava que eu era doente, que eu precisava de um.”, conta.
Dados do 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, mostram que 3,2% dos brasileiros usaram substâncias ilícitas nos 12 meses anteriores à pesquisa, o que equivale a 4,9 milhões de pessoas, e entre os jovens, de 18 a 24 anos, o percentual chega a 7,4% dos entrevistados.
A maconha é a droga mais consumida, com 7,7% que disseram ter utilizado ao menos uma vez na vida, seguida pela cocaína, com 3,1%. Mas o álcool, apesar de venda e uso liberado, apresenta dados alarmantes com 2,3 milhões de pessoas que apresentaram critérios para dependência nos 12 meses anteriores à pesquisa.
A dependência química é classificada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como o uso repetido de determinada substância que traz problemas comportamentais, cognitivos e fisiológicos ao indivíduo.
Em 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou mais de 400 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool, número 12,4% maior em relação a 2020.
Célio buscou o tratamento no ano de 2018 quando foi parar em um albergue e foi encaminhado ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), no qual teve apoio de profissionais com prescrição de medicação e onde sugeriram a internação na comunidade terapêutica Bom Pastor.
“Eu cheguei no nível da dependência que eu não conseguia mais trabalhar, eu vendi tudo que eu tinha, vendi moto e móveis e fui parar na rua. A droga me tirou tudo, minha família e meu emprego.”, relata.
Dentro da comunidade Bom Pastor, o eletricista teve contato com o Projeto Ubiraci, projeto social que através da reutilização de paletes de madeira executa atividades de marcenaria para produção de móveis e empodera os acolhidos durante o processo de reabilitação.
Nicole Zambrana Balanza, 22 anos, estudante de Arquitetura da UNESP Bauru e integrante do Ubiraci, conta que o objetivo vai além da capacitação e reinserção no mercado de trabalho.
“É o fato dos participantes comentarem que, aos poucos, se sentem parte de algo. Porque as pessoas têm a visão de que os dependentes são agressivos e não são mais capazes. Então pequenas atitudes, como ouvir a pessoa e ela sentir que você está prestando realmente atenção, já fazem diferença.”
Nicole, ainda reforça que a constância das visitas semanais faz com que eles se sintam valorizados e reconhecidos como pessoas, e não resumidos à dependência química.
“Você está internado e excluído da sociedade, e ela (a sociedade) te vê como uma pessoa que está nessa vida porque não quer saber de nada. Então a gente praticamente é excluído da sociedade quando está nesse nível.”, comenta Célio.
Para ele, o projeto representou uma oportunidade de confiar em si de novo e de recomeçar.
“Ali a gente resgatou uma dignidade. Porque a gente perde a confiança e a autoestima e o projeto mostrou que eu era capaz de fazer algo bom, que eu tinha capacidade de criar e de me sentir útil de verdade.”
Célio, reforça a importância do tratamento e que, graças a ele, o eletricista voltou a trabalhar e ter contato com os filhos, e se casou novamente. Hoje, faz o tratamento e acompanhamento psiquiátrico com uso de medicação e participa de grupos de apoio do Narcóticos Anônimos (NA).