A pandemia do COVID-19 lançou mais um desafio ao governo brasileiro que, além de lidar com o colapso da saúde pública, enfrenta uma grave crise econômica.
O ano de 2012 foi marcado por uma espécie de teoria da conspiração, a qual acreditava no fim dos tempos e em uma drástica mudança na humanidade. No entanto, 2012 chegou ao fim e a raça humana sobreviveu, dando continuidade à vida contemporânea. Já para o ano de 2020, não estava previsto nenhum tipo de apocalipse, mas eis que o mundo é surpreendido por uma doença que paralisou todos os países ao redor do globo, causando pânico generalizado na sociedade humana. Esta, por sua vez, não esperava por um choque de realidade tão grande, capaz de questionar severamente o estilo de vida atual dos seres humanos em pleno auge do capitalismo. Será que esse sistema é sustentável? Por mais quanto tempo será sustentável antes de o planeta, realmente, entrar em colapso?
Muito tem-se ouvido falar sobre o novo coronavírus, decretado – no dia 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde, OMS – situação de pandemia, isto é; quando a doença atinge um estágio de infecção em massa a nível mundial, estando presente em todos os continentes. Com isso, os países mundo afora iniciaram a adoção de medidas para reduzir a disseminação do vírus e o eventual colapso do sistema de saúde, o qual seria sobrecarregado caso houvesse a necessidade de atendimento a inúmeros infectados de uma só vez.
Assim, uma das primeiras medidas tomadas pelos governos foi o decreto de isolamento social, o qual prevê a permanência das pessoas em casa, na tentativa de evitar aglomerações, já que se trata de uma doença que apresenta alto índice contagioso. No entanto, tal regra não foi suficiente para moderar o contágio em algumas regiões, fato que pressionou as autoridades a adotarem medidas mais severas com o chamado lockdown, o qual consiste na suspensão de todos os serviços considerados não essenciais, como shoppings, atividades escolares e pedagógicas, academias, lojas de roupas, calçados e do varejo, em geral, além de bares e restaurantes.
O vírus não provocou alterações somente no âmbito da saúde e no reforço da higienização, mas virou de ponta cabeça toda a dinâmica da vida moderna, inclusive no quesito econômico. Ao estabelecer uma ordem de fechamento de uma série de estabelecimentos do setor de serviços, não é necessária nenhuma formação na área das finanças para compreender os impactos que a paralisação dessas atividades proporcionaram às economias mundiais, as quais foram submetidas a uma grave recessão. De acordo com a diretora do Fundo Monetário Internacional, FMI, Kristalina Georgieva, em entrevista ao jornal Valor Econômico, o mundo não atravessa uma crise econômica tão profunda desde a Grande Depressão de 1929, causada pelo aumento expressivo do consumo e da produção e pela especulação financeira, resultando no crack da bolsa de valores de Nova York, a Dow Jones.
Como anda o cenário internacional?
Nesse contexto, os governos de diversos países anunciaram medidas a fim de reduzir os impactos da crise gerada pelo coronavírus, por meio da disponibilização de auxílios emergenciais para os cidadãos em situação de vulnerabilidade e para as empresas que sofrem com a desaceleração do consumo. Os Estados Unidos, por exemplo, disponibilizou um pacote de US$ 3 trilhões para ampliar os recursos da população, do setor empresarial e dos Estados e municípios. Assim, o país ofereceu uma ajuda de custos no valor de 1.200 dólares para cada indivíduo ou chefe de família e, nesse caso, com direito a um adicional no valor de 500 dólares por filho. Esse auxílio foi disponibilizado para atender pessoas e famílias que possuam até um certo limite de renda bruta por ano e de acordo com as fontes declaradas no imposto de renda. Além disso, do pacote de 3 trilhões de dólares, US$ 500 bilhões foram destinados às indústrias que se endividaram com folha de pagamento, empréstimos e compras de matéria prima; US$ 350 bilhões voltados ao empréstimo às pequenas empresas e US$ 250 bilhões foram destinados aos fundos de seguro-desemprego.
Outro país que se destacou, no tocante às medidas adotadas durante a crise, foi o Japão, o qual desembolsou US$ 1 trilhão em recursos à população. A política de distribuição desse auxílio não levou em consideração classe social, renda declarada ou idade, fazendo com que todos os cidadãos japoneses tivessem acesso à ajuda de custos no valor de 900 dólares. Em relação ao setor empresarial, o país obrigou os bancos privados e estatais a concederem empréstimos às pequenas e médias empresas com taxa de juros zero, na tentativa de estimular o crédito e, consequentemente, prevenir a falência em massa dos pequenos negócios. Já na Europa, um dos países que se sobressaiu tanto na questão do controle da doença, quanto na questão econômica, foi a Alemanha. Esta, por sua vez, subsidiou cerca de 750 bilhões de euros para complementar o salário dos profissionais que tiveram jornadas de trabalho reduzidas e, portanto, seus salários diminuídos na mesma proporção. O auxílio foi disponibilizado também para socorrer pequenas empresas, trabalhadores autônomos e empresas ou indústrias que se encontram em situação de dívidas.
No entanto, a situação no Brasil tem sido diferente, visto que os planos de recuperação econômica e a distribuição dos auxílios emergenciais têm apresentado falhas expressivas em suas estruturas. A Instituição Fiscal Independente, IFI, publicou em nota, no dia 7 de maio, a estimativa de que o governo brasileiro deverá desembolsar um pacote de R$ 154,4 bilhões somente para atender os trabalhadores informais, os microempreendedores individuais, MEIs, e a população que possui uma receita de até meio salário mínimo per capita. O pagamento do auxílio foi estipulado para acontecer em 3 parcelas, cada uma no valor de R$ 600.
Porém, o que os brasileiros não esperavam era pelos gargalos que a distribuição desse auxílio sofreria, visto que ainda existem cerca de 11,7 milhões de pessoas não inscritas no Cadastro Único ou em nenhum outro programa do governo, fato que impossibilita a extensão do benefício a essas pessoas “invisíveis”. Essa lacuna em branco de inscritos em programas de controle do governo se deve ao pouco acesso à internet que, mesmo em tempos modernos, ainda atinge inúmeras famílias brasileiras, além da dificuldade no manuseio dessas tecnologias, principalmente por parte dos mais idosos, para realizar o cadastro, o qual se dá por meio de sites do governo ou por aplicativos. Dessa forma, compreende-se que nem toda a população elegível ao recebimento dos auxílios tem sido contemplada por eles, pois além dos não cadastrados, há também uma parcela significativa de pessoas que aguardam a análise burocrática e demorada do cadastro, a qual é realizada antes da liberação do montante.
O Brasil mergulha na crise
Ademais, o país enfrenta outros problemas, também originados pela pandemia de Covid-19, como o aumento da taxa de desemprego e a projeção de queda do Produto Interno Bruto, PIB, ao final de 2020. De acordo com o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil somou, no primeiro trimestre do ano, 1,2 milhões a mais de desempregados, em comparação ao último trimestre de 2019. Esse aumento se faz preocupante à economia, visto que a população desempregada tem seu poder de compra limitado. Sem o consumo, o comércio deixa de vender e, consequentemente, de lucrar, dando margem ao início de uma estagnação econômica no país.
Já em relação ao PIB, economistas estavam otimistas no início de 2020, projetando um crescimento de 2,4% até dezembro deste ano. No entanto, com o avanço da doença, o que ocorreu foi o cálculo de uma retração do PIB em 9,1%, segundo relatório do FMI. Assim, as projeções para uma possível melhora desse cenário não são as mais otimistas, mas há esperança. A professora de economia do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia, Vanessa da Costa, afirma que “um cenário muito projetado pelos especialistas da área da saúde pública é o de que haverá quarentenas intermitentes por um tempo, até mesmo anos. Se isso se confirmar, a recuperação econômica deverá seguir um formato em W, com períodos de contração do PIB e recuperação”
A bolsa de valores brasileira, B3, não reagiu diferente à pandemia, apresentando uma drástica queda conforme a disseminação do vírus no país. Assim, o índice Bovespa despencou da casa dos 119 mil pontos e atingiu o fundo do poço, registrando uma queda histórica de até 40% ao alcançar cerca de 64 mil pontos. Em contrapartida, a boa notícia é que o índice Bovespa já tem apresentado sinais de recuperação, mesmo com o aumento do número de casos da doença. Tal fato se deve às reações positivas dos investidores frente à expectativa de reabertura gradual do comércio, cenário que já se tornou realidade para alguns países.
“o mercado financeiro tem reagido mais às políticas que estão sendo adotadas pelos bancos centrais mundiais, em particular o Banco Central Europeu e o Banco Central norte-americano, que têm jogado muita liquidez na economia para tentar estabilizar os efeitos da pandemia sobre a atividade econômica, assim, naturalmente o mercado acionário precifica antecipadamente os efeitos dessas políticas”.
Guilherme Jonas, doutor em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais
Mesmo com uma melhora no ânimo dos acionistas, o Brasil assistiu a um declínio brusco de seus setores econômicos em poucos meses de pandemia, com destaque ao setor de serviços, que inclui o comércio varejista, e é responsável por cerca de 75% do PIB brasileiro, oferecendo serviços como: lojas de vestuário; de calçados; de móveis e eletrodomésticos; de brinquedos; de artigos esportivos; perfumarias; concessionárias de veículos; livrarias; dentre outros. Com o decreto de isolamento social e do fechamento de serviços considerados não essenciais, outros dois setores que também sofreram uma queda significativa em suas atividades foram o de turismo e o de transportes, principalmente o aéreo, já que grande parte dos países fecharam suas fronteiras para impedir o fluxo migratório em meio à pandemia de uma doença altamente contagiosa. A exemplo do baque que esses setores efrentaram, pode-se analisar o valor das ações, na bolsa de valores, de empresas como a CVC (turismo) e a Azul (companhia aérea), das quais, a primeira chegou a apresentar uma perda de 32% e a segunda atingiu o equivalente a uma perda de 34% no valor de suas ações, quando comparado ao preço de mercado de antes do início da pandemia.
Além disso, há no país uma crise no setor empresarial, a qual fora intensificada pela chegada do novo coronavírus, principalmente ao que se refere aos pequenos negócios. Um levantamento do SEBRAE, realizado entre os dias 3 e 7 de abril de 2020, revelou que mais de 600 mil micro e pequenas empresas fecharam suas portas e, juntas, demitiram cerca de 9 milhões de funcionários, devido à redução das atividade econômicas provocada pela doença.
Os dados da pesquisa realizada pelo SEBRAE apontam, ainda, que 30% dos 6 mil empreendedores entrevistados tiveram de recorrer ao empréstimo de linhas de crédito, contudo, 60% desses empresários tiveram seus pedidos negados pelas instituições financeiras. Assim, “(…) as medidas que foram adotadas, até o momento, para atingir as micro, pequenas e médias empresas não foram suficientes. Por exemplo, seria importante o acesso ao crédito por parte dessas empresas a juros zero”, explica Vanessa. Outro mecanismo utilizado pelo governo foi o corte na taxa básica de juros, a Selic, fixada em 2,25% ao ano, a fim de baratear os juros cobrados pela aquisição de crédito, em um momento de extrema necessidade, principalmente, por parte do setor empresarial. Entretanto, “embora necessária, a redução da taxa de juros não faz com que os bancos liberem o crédito na economia em função do alto risco de falência das empresas. E mesmo com crédito, não há expectativas que levam ao investimento nessas empresas”, assinala a economista.
Ainda há esperança!
Na contramão da crise, há setores da economia que tendem a apresentar uma recuperação mais rápida, devido às demandas contínuas que possuem, mesmo em meio ao declínio do consumo. Destacam-se, portanto, os setores de alimentos, energia, saneamento, comércio de produtos de limpeza e higiene pessoal, tecnologia e comunicações. Esses dois últimos, por sinal, apresentaram um aumento de suas demandas durante o período pandêmico. O setor de tecnologia se destacou em virtude do crescimento da criação de sites e aplicativos, a fim de fomentar o e commerce, o qual foi responsável por salvar muitas lojas da iminência de falir ao substituir as vendas físicas pelas virtuais, após o decreto de isolamento social.
Já o setor comunicacional apresentou bons resultados em razão do aumento da quantidade de pessoas em casa, o que provocou um boom na contratação de pacotes de internet e de serviços de streaming que permitem o acesso ao entretenimento, como séries, filmes e músicas. Além desses, vale ressaltar também o setor exportador de commodities, uma vez que o Brasil é um grande exportador alimentício e de elementos utilizados como matéria prima em processos metalúrgicos e siderúrgicos. Tais produtos tendem a não perder suas demandas por serem considerados de extrema necessidade, mesmo em meio à crise. O economista Guilherme Jonas explica, “acredito que vão se recuperar de forma mais rápida os setores que exportam para China, principal parceiro comercial do Brasil, já que a China está retomando o ritmo de suas atividades econômicas”.
São indiscutíveis os impactos negativos herdados da pandemia do novo coronavírus, não só no âmbito da saúde, como também ao que se refere à política e à economia que, juntas, configuram a chamada crise tripla no Brasil. O país já soma mais de 58 mil vidas perdidas desde o início da disseminação do vírus e, quantas mais serão perdidas? Quando essa doença acaba? Será que a “vida normal” vai voltar a existir? Essas são só algumas das inúmeras perguntas sem resposta para esse vírus. Pouco se sabe sobre ele e, quanto menos se sabe, menos é possível se planejar contra a doença que foi capaz de interromper, mesmo que por tempo limitado, até o fenômeno mais famoso da modernidade, a globalização.
É justamente nesse cenário de incertezas que o Brasil vem nadando contra uma maré de problemas, sem saber o rumo desse barco, o qual ainda pode levar os brasileiros a muitos destinos, dos piores aos melhores. Contudo, estima-se que o destino final seja em direção da cura para essa doença e da recuperação político-econômica do país que, nesse caso, ainda há muito o que remar.