Escreva para pesquisar

A questão orçamentária da Unesp: como a falta de financiamento gerou a crise na universidade pública

Compartilhe

A Minuta de Sustentabilidade Orçamentária proposta pela reitoria trouxe pautas antigas para novas discussões

Por Camila Nakazato e Mariana Soares

As universidades públicas no Brasil constituem um cenário extremamente delicado envolvendo financiamento, processo seletivo, ensino, representatividade, devolução social e, principalmente, o fato de serem instituições públicas, mantidas quase que inteiramente por financiamento público, como geradora de conhecimento, espera-se um compromisso dos universitários, principalmente quando se trata de devolução social.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no. 9.394 de 1996, a educação superior é responsabilidade do Governo Federal, por isso a maior parte das universidades públicas são mantidas por essa esfera. No entanto, existem algumas exceções como as universidades estaduais que por vezes podem superar o número de alunos e de cursos das federais como é o caso, por exemplo,  da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a Uerj, que tem cerca de 36 mil alunos, mais que o dobro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a Unirio, com cerca de 14 mil alunos.

A situação das instituições públicas de ensino, no entanto, não é das melhores. A crise no Estado do Rio afetou imensamente a UERJ. Essa que é uma das principais universidades do país, passou os últimos dois anos com salários, bolsas e serviços de manutenção em atraso, sendo obrigada inclusive a interromper as aulas. E mesmo em estados mais ricos como o Estado de São Paulo, que segundo o IBGE de 2015, tem o maior PIB do país, a situação das universidades estaduais paulistas não está mais satisfatória.

O reitor da Universidade de São Paulo, USP, em 2014, Marco Antônio Zago, após 9 meses de gestão, expôs a situação financeira da universidade brasileira, ganhando destaque internacionalmente. As reservas da universidade estavam se esgotando rapidamente e os gastos com o pessoal que em 2011 beiravam 80% da verba, em 2013 já ultrapassavam os 100%. Assim, as próximas gestões se empenharam em diminuir os gastos de todas as formas.

Na gestão do Zago, as contratações foram congeladas e as construções paradas por tempo indeterminado. Foi também nessa gestão que começaram os cortes e os Programas de Incentivo à Demissão Voluntária, que foram responsáveis pelo desligamento de pelo menos 1.433 servidores apenas em 2015. Mais de 300 desses servidores eram oriundos do Hospital Universitário da USP, que desde então se viu obrigado à fechar as portas do pronto socorro infantil e diminuir a quantidade de leitos oferecido à população.

Na Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, a situação é parecida.  Com a queda no valor repassado à universidade em 2016, o Reitor à época José Tadeu Jorge anunciou um quadro de medidas de contenção de gastos. Essas medidas envolveram o congelamento de concursos e da contratação de professores e funcionários, além de interromper obras e a manutenção de prédios.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=B1XUpgfi26Y]

A Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, a Unesp, fundada em 1976 é a segunda maior universidade pública de São Paulo. Para subsidiá-la, o governo estadual utiliza parte do  imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, ICMS, arrecadado do estado, além de auxiliar no financiamento de outras áreas de responsabilidade do Estado, como saúde, segurança, entre outros. Mas não só a Unesp que recebe esse financiamento, a USP e a Unicamp também recebem uma cota-parte do imposto. Atualmente as universidades recebem 9,57% do ICMS, sendo que a USP tem repasse de 5,0295%, a Unicamp recebe 2,1958% e a Unesp, mesmo possuindo maior número de campi, fica com o correspondente a 2,3447% do valor arrecadado.

Além dessa arrecadação, as universidades contam com um “colchão orçamentário”, uma espécie de fundo de garantia que é usado quando a arrecadação do ICMS é baixa ou insuficiente. Thiago Tozi, funcionário técnico administrativo da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, fala sobre o uso dessa garantia. “Por causa da sazonalidade da arrecadação do ICMS, em momentos em que a arrecadação está em baixa, as universidades utilizam esse dinheiro para despesas correntes e também para pagar salário. Então, com o passar dos anos e arrecadação em baixa, a reserva foi se esgotando.”, explica.

Mesmo com menos dinheiro na reserva, para Milton Vieira do Prado Junior, professor de Educação Física da Unesp de Bauru e membro ativo da Associação de Docentes da Unesp, o problema de orçamento não é financeiro, mas de financiamento. “A Unesp está desde 1994 com o mesmo percentual de índice para financiamento da universidade, sendo que ocorreram expansões, contratações de docentes, ampliação de cursos nas unidades já existentes, outras unidades foram criadas, e não houve uma complementação real de aumento desse percentual para garantir com eficiência permanência estudantil, obras necessárias à melhoria na qualidade de ensino, a reposição do quadro docente e, principalmente, a valorização dos trabalhadores em relação ao reajuste salarial.”, analisou.

IMG_8264

As três categorias da USP, Unesp e Unicamp se uniram contra o sucateamento das universidades públicas paulistas (Foto: Mariana Soares)

A Associação de Docentes da Unesp, Adunesp, e o Sindicato dos Trabalhadores da Unesp, Sintunesp,  já tentavam diálogos e negociações com a reitoria sobre a questão salarial há alguns anos. Ainda em 2017, o 13º salário de servidores foi motivo de muitas discussões no mês de dezembro. Ao fim, a negociação foi favorável aos funcionários, mas no mês de maio de 2018 as discussões salariais voltaram às pautas dos trabalhadores.

Na chamada data-base, 1º de maio, dia do trabalhador, é divulgado o valor da folha de pagamento dos funcionários, e se haverá reajuste salarial ou não. A data é extremamente importante para os funcionários, servidores técnicos-administrativos e docentes da Unesp que permanecem sem receber reajuste salarial desde 2015 tendo uma perda salarial de cerca de 13%, segundo boletim divulgado pelo Fórum das Seis, entidade que representa sindicatos de professores e funcionários das três instituições: USP, Unesp e Unicamp.

Além disso, há uma defasagem de mais de 850 docentes na Unesp,  a falta de contratação de professores provoca uma sobrecarga aos já contratados. Não houve substituição de docentes aposentados ou falecidos, gerando também uma queda de rendimento e qualidade desses profissionais. Diante desse cenário, uma das preocupações da comunidade universitária é o fechamento de cursos e diminuição de oferta de vagas no vestibular, uma vez que não haveria professores suficientes para todas as disciplinas.

Como instituição de ensino superior, a Unesp também tem compromisso com a formação profissional de milhares de estudantes, há 51.896 matriculados na Unesp em 2018, um recorde para a instituição, distribuídos em 24 campi em todo o estado. Desse modo, a Unesp, ao distribuir suas unidades, ajudou muitas cidades paulistas a se desenvolver, uma vez que sua mera presença já atrai a atenção de muitos setores, principalmente o imobiliário e o de serviços.

Entretanto, o investimento em um novo campus deve ser feito com boa administração, buscando além do desenvolvimento da cidade sede, o aumento do conhecimento adquirido com o curso que será trabalhado lá e uma boa permanência estudantil, com ciência de quanto do orçamento total será usado para custear todo o processo de construção, manutenção da unidade, com os funcionários e estudantes. Todavia, essa análise não foi feita ao longo da expansão da Unesp, o que acarretou num aumento no custeio da universidade, quando a verba não aumentou na mesma velocidade, tendo ainda em 2016 uma queda no valor repassado oriundo do ICMS.

Para Thiago Tozi, a expansão de unidades favoreceu a crise orçamentária. “A Unesp cresceu bastante, em número de campi, de curso, de alunos, só que esse crescimento não foi acompanhado por um investimento maior. Desde 1994 essa cota-parte não muda”, afirmou Tozi, referindo-se ao último aumento na porcentagem do repasse do ICMS em 1994, quando por pressão da comunidade universitária, a Assembleia Legislativa, Alesp, aprovou o aumento da dotação para os atuais 9,57%.

A Minuta da Sustentabilidade ou “PEC do Fim da Unesp”

Para tentar combater a situação orçamentária, o atual reitor da Unesp, Sandro Roberto Valentini, eleito em 2016, fez uma proposta para o futuro financeiro da universidade. A proposta, chamada de Minuta de Sustentabilidade Orçamentária, é uma tentativa da reitoria de diminuir despesas e aumentar a arrecadação financeira para a universidade. Deve-se ressaltar que USP e Unicamp não têm relação com a minuta, uma vez que é uma concepção exclusiva da reitoria da Unesp.

A proposta consiste em três eixos de mudança, a financeira, a administrativa e no tripé universitário, que envolve ensino, pesquisa e extensão, sem pautar a questão da permanência estudantil. A minuta vem sendo rejeitada por várias instâncias universitárias, desde órgãos colegiados, até as três principais categorias componentes no funcionamento da Unesp, servidores técnicos-administrativos, docentes e discentes.

O assessor da reitoria Alvaro Martim Guedes, no entanto, afirma que não há pressa em colocar a Minuta em prática, que a aplicação dependerá do tempo de discussão dela e afirma que está sim havendo uma discussão com os funcionários. “O que precisa é ter uma forma mais planejada da gestão, o que não tem sido feito”, justifica.

Apesar disso, os funcionários explicam que um dos apontamentos para a ampla rejeição da proposta da reitoria é justamente o fato de não ter havido tempo hábil suficiente para discussão, sendo essa uma medida que se aplicada influenciará toda comunidade universitária. Para Milton Vieira a discussão sobre a proposta também é dificultada por ela apenas ter pautado o eixo financeiro. “A Minuta têm mais duas partes, que não foram trazidas para debate. Você não pode aprovar a primeira parte sem conhecer o que a reitoria pensa sobre reforma administrativa de recursos humanos e principalmente de cursos. Se você não tem noção do projeto como um todo como está sendo pensado, é difícil se posicionar nesse momento em relação à questão orçamentária e financeira.”, ponderou.

No dia 17 de maio de 2018 foi realizado um ato em frente ao prédio que ocorreria a reunião do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, CRUESP. A manifestação contou com diversas categorias universitárias, entre docentes, servidores e estudantes. Além das três universidades paulistas, havia representantes do Centro Paula Souza. Entre as diversas reivindicações, as mais recorrente eram o fim do arrocho salarial dos funcionários, isonomia entre as três universidades e o reajuste salarial. Os trabalhadores da Unesp também pontuaram a questão da Minuta de Sustentabilidade Orçamentária, o cenário de desmonte universitário, a falta de concursos para funcionários (que não ocorre há 4 anos), a reforma curricular, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e permanência estudantil.

IMG_8294

Em ato do dia 17 de maio, estudantes, professores e servidores reivindicam reajuste salarial (Foto: Mariana Soares)

Por se tratar de uma universidade com diversos campi espalhados por toda São Paulo, a Unesp sofre pela falta de comunicação entre as unidades. Pouco se sabe sobre a situação de cada campus, seus problemas locais e suas principais demandas. Entretanto, pode-se observar alguns padrões de reivindicações pelas unidades. Além do reajuste salarial e contratação de funcionários, pautas estudantis se destacam por historicamente não serem solucionadas, principalmente na questão da permanência estudantil.

A urgência nas demandas estudantis

Após a greve de 2013, as cotas começaram vigorar no vestibular seguinte da Unesp. Uma das grandes pautas naquele ano foi o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista, Pimesp, em que o estudante proveniente de escola pública passasse por um curso preparatório de 2 anos e caso obtivesse mais que 70% de rendimento nesse período, então conseguiria ingressar na universidade pública. A comunidade universitária rejeitou amplamente a proposta, implantando no lugar o sistema de reserva de vagas para cotistas provindos de escolas públicas e pretos, pardos e indígenas, os PPIs. Com a medida, o vestibular da Unesp chegou a 50% de reserva de vagas para cotas em 2018, aumentando a necessidade de maior financiamento para poder auxiliar esses estudantes.

Porém promover a entrada dessas minorias não basta para que elas consigam se manter no ambiente universitário. Restaurantes universitários, auxílio sócio-econômicos, bolsas, moradia estudantil e outras ajudas financeiras mostraram-se fundamentais para esses estudantes, de modo que muitos deles dependem desses tipos de ajudas para conseguirem se manter.

Entretanto, poucas dessas ferramentas de permanência estudantil atingem a todos os estudantes, nem mesmo aqueles que mais precisam. Em Bauru, maior unidade da Unesp em extensão, há muitos problemas nessa questão de permanência. Por exemplo, a unidade possui apenas 360 vagas diárias para almoço no restaurante universitário em um campus com aproximadamente 6 mil estudantes. Também sofre com a falta de contemplação de auxílios sociais para os estudantes mais humildes e a moradia estudantil tem apenas 1 bloco com 34 vagas, sendo que atualmente há mais de 60 estudantes residindo no prédio.

 info_greves

O restaurante universitário é uma pauta das mais prioritárias. Campi como São Paulo, Ourinhos e São Vicente não possuem restaurante universitário, além disso, os campi que possuem RU não contemplam todos os estudantes e funcionários de suas unidades. Outro ponto que vem sendo pauta de discussões em várias unidades é a questão da moradia estudantil. Alguns campi não possuem moradias estudantis, o que dificulta a permanência desses estudantes na universidade.

A maioria dos 24 campi da Unesp vêm tendo rodadas de assembleias e discussões. As três categorias procuraram se instrumentalizar, a fim de poderem tomar decisões sobre possíveis ações das problemáticas da Unesp. Além da questão salarial dos trabalhadores da Unesp outras pautas foram incluídas nas discussões que se seguiram ao ato do dia 17, com maior ênfase na Minuta proposta pela reitoria e permanência estudantil nas unidades.

Em Bauru, o Movimento Estudantil, após muitos espaços de debates em 2018, priorizou três pautas fundamentais de permanência. A primeira é a contemplação de todas bolsas solicitadas no campus, uma vez que nem todos os auxílios socioeconômicos foram contemplados pela maioria dos alunos, cerca de metade das assistências foram negadas. A segunda é a construção dos segundo bloco de moradia, o qual já possui terreno e projeto pronto, aprovação como prioridade pelo Grupo Administrativo do Campus, o GAC, e pela Comissão Permanente de Permanência Estudantil, a CPPE, faltando apenas o financiamento da reitoria. E por último o aumento de verba reservada para a Coordenadoria de Permanência Estudantil, a COPE, órgão da reitoria responsável por oferecer assistência ao estudante. Estima-se que a COPE receberá cerca de R$18.250.000,00 para poder desenvolver estratégias para auxiliar os estudantes, de acordo com a Unesp Agência de Notícias.

Tags::
Redação

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Nam quis venenatis ligula, a venenatis ex. In ut ante vel eros rhoncus sollicitudin. Quisque tristique odio ipsum, id accumsan nisi faucibus at. Suspendisse fermentum, felis sed suscipit aliquet, quam massa aliquam nibh, vitae cursus magna metus a odio. Vestibulum convallis cursus leo, non dictum ipsum condimentum et. Duis rutrum felis nec faucibus feugiat. Nam dapibus quam magna, vel blandit purus dapibus in. Donec consequat eleifend porta. Etiam suscipit dolor non leo ullamcorper elementum. Orci varius natoque penatibus et magnis dis parturient montes, nascetur ridiculus mus. Mauris imperdiet arcu lacus, sit amet congue enim finibus eu. Morbi pharetra sodales maximus. Integer vitae risus vitae arcu mattis varius. Pellentesque massa nisl, blandit non leo eu, molestie auctor sapien.

    1

Você pode gostar também

1 Comentários

  1. Eder Capobianco julho 2, 2018

    Republicou isso em REBLOGADOR.

    Responder

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *