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A sociedade do espelho

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Ana Flávia Cézar, Ariádne Mussato e Mariana Pellegrini

De acordo com a Domo, companhia de gerenciamento de dados para empresas, em estudo chamado “Data Never Sleeps” realizado com usuários dos EUA, a quantidade de conteúdo produzido por minuto é de 2,4 milhões de fotos e vídeos compartilhados no Instagram, 400 horas de vídeo no Youtube, 159,3 mil usuários em cada peça de conteúdo do Buzzfeed, 9,6 mil tweets com emoji no Twitter e 569,2 milhões de GIFs são compartilhados pelas redes.  

A internet transformou em um diálogo de milhões o que antes funcionava super bem como uma mensagem controlada e de mão única. Para Liliane Ferrari, professora e consultora em mídias digitais, os influenciadores digitais estão ligados à decadência da credibilidade da publicidade neste século. “As pessoas demandam novas formas de comunicação para serem impactadas. Os influenciadores digitais não são celebridades, são pessoas como eu, você…não são atrizes da Globo. Eles tem seu próprio carisma, sua originalidade, seu nicho e estão aqui para passarem sua mensagem”, afirma.

Se, em um passado, apenas intelectuais com acesso aos meios de comunicação ou celebridades tinham espaço para emitir opinião, hoje qualquer um pode. Armindo Ferreira, consultor de novas tecnologias na área de inovação e marketing, diz que a prática de produção de conteúdo para as redes sociais acabou virando uma fonte de renda para diversas pessoas, mas isto não está atrelado a uma profissão. “Acho que tem muito mais a ver com empreendedorismo”, completa. O quadro abaixo demonstra a diferença entre celebridades x os influenciadores digitais:

Para o público que acompanha os influenciadores, esta proximidade é um grande diferencial. Maria Carolina Pereira, 26, cirurgiã-dentista diz que se identifica com os conteúdos produzidos pelos influenciadores, principalmente nos assuntos que ela começou a se interessar recentemente como cinema e seriados. “Eu acompanho muito a Jout Jout e a Louie que falam bastante de temas atuais que sempre estão em pauta na mídia de um jeito fácil e gostoso de entender e de ser discutido. Os caras não estão tentando te convencer de nada (pelo menos os que eu vejo) eles só expõe as opiniões e deixam pra gente pensar no assunto e até mesmo discutir com eles, de maneira saudável. Nas outras mídias a gente não tem esse acesso de discussão e na maioria das vezes eles só jogam o que julgam ser correto”, argumenta.

Arthur Navarro Gois, 22, estudante de psicologia, acompanha os influenciadores digitais pelo YouTube. “Apesar de não limitados ao YouTube, acompanho todos eles principalmente por lá. O que eu gosto é que não costumam ser vídeos como no formato original do vlog, que pra mim parecia ‘falar sobre a minha vida’. Me atraem por serem na maioria das vezes um conteúdo informativo ou de discussão, mesmo que dentro dos ideais deles. Para mim, a internet já ganhou força e popularidade o suficiente pra fazer com que muitos influencers acabem em mirar no lucro e por consequência disso meio que perdem ‘personalidade’ (e toda aquela história de vendidos entra aqui). Mas acho que esse é o barato maneiro de acompanhar um influencer na internet: existem tantos que uma hora você vai achar alguém com um perfil interessante e ideias maneiras. A mídia tradicional é meio limitada nesse sentido”.

Marina Moia, 24, também integra o time do público de influenciadores. A jornalista acompanha influenciadoras que são também blogueiras, desde a época que só havia o blog escrito como meio de comunicação para elas. Segundo Marina, o que a interessa são os tópicos tratados que se ligam à idade/fase também vivida por ela. Além disso, destaca como vantagem a autenticidade. “Mesmo que seja o mesmo produto/publi pago, sempre vou sentir uma diferença nas opiniões, o que é muito, muito legal. Quando temos propaganda numa mídia tradicional, por exemplo, não vemos a opinião de alguém que confiamos, com mais detalhes e sinceridade, por exemplo. É legal também porque em sua maioria não vemos muitos conteúdos que são extremamente roteirizados, como na TV. Claro que há exceções, mas há uma diferença, na minha opinião”, explica.

Para Susi Cerigato, psicóloga, a internet permite que o público tenha a liberdade de escolher onde, quando e aquilo que deseja assistir, além de ter um apelo de proximidade com quem segue. “A relação que se estabelece entre o influenciador digital e seu público tem um fator emocional de uma relação real, diferente do tempo em que a exposição de artista ocorria através da televisão, e o público tinha um papel passivo nessa relação”, explica Susi.

Prós e contras

Christian Dunker, psicanalista, explicita como a linguagem digital transformou a nossa percepção de estar sozinho, se sentir sozinho e se sentir com o outro, argumentando que há uma rarefação da intimidade. “Há uma diferença que algumas línguas estabelecem mais claramente entre a solidão e a solitude. Poderia chamar solidão criativa, inventiva, absolutamente necessária para poder se estar com outro, a possibilidade de estar consigo e simplesmente estar. Em um ambiente super poluído com ofertas de companhias, mesmo que seja companhia virtual, uma companhia que faz demanda permanente pelo whatsapp, pelo face, pelo insta, pelo snapchat é uma espécie de antídoto permanente para a possibilidade da solidão e, junto com isso, não dá possibilidade de solitude”, comenta.

Zygmunt Bauman analisa que o traço marcante da vida contemporânea é a transformação das pessoas em mercadoria. O filósofo polônes afirma que estar fora do cyberespaço é uma espécie de “morte social” e que o fenômeno não deve ser atribuído só aos jovens ou à contemporaneidade. A necessidade humana de integrar um grupo social, independentemente de qual seja, para o autor, sempre existiu. A diferença é que agora tal aceitação vem do quão exposta é sua vida nas redes sociais.

Segundo Liliane Ferrari, se acusa os influenciadores de produção de conteúdo “inútil” como os vídeos que viralizam de brincadeiras e trotes. “Mas isso não vem de hoje. A TV a cabo produz conteúdo deste tipo desde os anos 90. Este tipo de conteúdo performa muito entre os jovens e isso não é nenhuma novidade”.

Fato é que nem todo produtor de conteúdo quer ser influenciador digital. As blogueiras do Tudo Orna produziram o vídeo abaixo para explicar o quanto o termo está deturpado e que elas produzem um conteúdo para um público de nicho, mas que a influência é exercer um poder sobre o outro e elas não tem esse poder. Assim, se consideram afinity creators, produzindo conteúdo para quem gosta e sente afinidade pelo trabalho delas num modelo de comunicação bilateral.

Para Armindo Ferreira, o conflito faz parte da mudança e foi assim com o surgimento de todas as novas mídias. “Até dentro do digital isso é uma discussão antiga, se blogueiros poderiam produzir conteúdo de qualidade mesmo. E a história comprovou que sim. As vezes eu até acho que parece Táxi vs Uber e não precisa ser assim. O bom mesmo é não ter uma ou poucas fontes centralizadoras de informação e que o cidadão possa escolher a fonte que lhe interessa melhor naquele momento. E que as origens do conteúdo se esforcem para garantir sua fatia de audiência”, finaliza.

Construção do eu-celebridade

Mas como se torna uma celebridade? O desejo de se construir vem só? As celebridades são construídas a partir de uma administração daquilo que elas querem ser e aquilo que os outros querem ver. A imagem é gerenciada a partir dos sentidos. Wend Beatriz Vidal dos Santos, 18 anos, estudante de Rádio e TV, é uma digital influencer. A jovem tem mais de 10 mil seguidores no Instagram e começou a usar o aplicativo para publicar imagens daquilo que achava bonito e interessante.

Sobre sua ascensão nas redes sociais, Wend explica: “Eu comecei a ter uma visibilidade maior nas redes sociais porque eu sempre gostei de fotografia, não só de posar mas de fotografar também, estar atrás das câmeras. Eu comecei a pensar antes de tirar as fotos, o que eu achava legal, que tipo de foto o pessoal ia gostar de ver, qual a luz o efeito”.

A forma de pensar no que ela e os seguidores gostariam de ver, ajudou a jovem ter mais visibilidade e entrar para a barra “explorar” do Instagram, que ajuda a mais pessoas visualizaram as fotos e seguir o perfil de Wend. A digital influencer acredita que a imagem é pensada para determinado tipo de seguidor, e esse usuário das redes sociais seleciona o conteúdo que quer seguir, de acordo com os seus gostos pessoais.

A antropóloga e autora do livro “O Show do Eu – A Intimidade Como Espetáculo” (2008), Paula Sibila, visualizou na sociedade contemporânea o fenômeno de construção da imagem de uma celebridade. A vida privada, para a antropóloga, torna-se uma mercadoria e a autoimagem pode ser vendida para o outro.

Quando questionada o porquê de conseguir o sucesso que tem Instagram, a digital influencer Wend responde: “Eu acho que além das pessoas gostarem do conteúdo, muita gente acaba projetando nas digitais influencers expectativas e vontades. Algumas meninas comentam comigo que gostariam de fazer fotos parecidas com as minhas, mas não fazem por algum motivo. Essas projeções de expectativas fazem com que o pessoal acabe seguindo, curtindo e acompanhando as meninas e os meninos nas redes sociais”.

A imagem construída pelas celebridades é uma maneira de vender estilos de vida. Gabriela Pugliesi é famosa no Instagram por mostrar o que é uma vida saudável e fitness. Wend, com suas fotos, já conseguiu diversos trabalhos fora do aplicativo. “A publicidade e o marketing hoje vê o Instagram como uma ferramenta muito forte. E as digitais influencers também acabam buscando, como o objetivo principal, o patrocínio de lojas. Isso já me acarretou vários trabalhos de modelagem”, explica Wend.

Real X Virtual

O cenário virtual e o real se confundem quando falamos das imagens construídas para a internet, isso porque as celebridades das redes sociais, geralmente, são pessoas próximas, como colegas ou vizinhos, que compartilham acontecimentos do dia a dia. A antropóloga Paula Sibila em seu livro “O Show do Eu – A Intimidade Como Espetáculo” defende a ideia de que tudo isso é apenas uma representação, um espetáculo, um ideal de vida apresentado através das redes sociais.

O produto que o influenciador digital oferece é a própria imagem e, junto com a mídia, vende-se um estilo de vida a ser consumido por quem segue. Eles são a própria marca. E os seguidores desejam esse estilo de vida, com mil maravilhas. O fato dessas celebridades compartilharem coisas do dia a dia, cria-se um personagem que é ao mesmo tempo ideal e realizável. De acordo com a psicóloga, o sucesso dos digitais influencers hoje em dia é devido tanto pela proximidade como pela espontaneidade, por serem “gente como a gente”. Pois é possível interagir com o conteúdo e ao mesmo tempo sentir-se parte e representado pelo canal que se admira.

Wend acredita que existe uma vida virtual que se difere do real: “na internet tem todo aquele glamour, na internet todo mundo é feliz, ninguém tem conta para pagar, ninguém tem problema pessoal. Mas muitas vezes as pessoas usam essa vida virtual como um escape. Pra fugir daquilo que não tem na vida real, a gente acaba não transparecer aquilo o que sentimos pra não levar essas negatividades para as pessoas que nos seguem”.

A história da celebridade

No livro “Celebridade”, Chris Rojek, sociólogo, diferencia celebridade de outros conceitos que causam impacto na opinião pública.  “Enquanto a celebridade funciona dentro de uma estrutura geral moral que reafirma ordem suprema, a notoriedade costuma conotar transgressão, desvio e imoralidade”, escreve o autor. Renome, continua, é o conceito aplicado à “atribuição informal de distinção a um indivíduo dentro de uma determinada rede de relacionamentos sociais”. A celebridade agrega maior valor simbólico do que notoriedade ou renome.

O sociólogo explica em seu livro que há celebridades surgidas no berço da expansão das mídias de massa, por meio de profissionais que modelam e administram suas imagens e não necessariamente envolvem talento ou habilidades excepcionais. Pessoas comuns podem, assim, alcançar o status de celebridade e ter uma carreira junto ao público.

O autor comenta, em “Celebridade”, a existência de celebridades diretamente ligadas às tecnologias e técnicas de autoprojeção, visando um status de poder e visibilidade na esfera pública. É o  caso de personalidades surgidas nas redes sociais, como o YouTube e Twitter. Ainda segundo o sociólogo, celebridades são ‘personificação do excedente’ uma vez que emanam maior poder simbólico que não-celebridades. “O fato de celebridades parecerem habitar um mundo diferente do resto de nós parece lhes dar licença para fazer coisas com as quais nós só poderíamos sonhar”.

De forma complementar ao pensamento de Chris Rojek, há o conceito de olimpianos, elaborado por Edgar Morin, antropólogo, sociólogo e filósofo, e que remete à mitologia. Os olimpianos, assim como os deuses, têm sua imagem cultuada. São produtos da cultura de massa, estrelas da grande imprensa que detêm uma “dupla natureza”, divina e humana. O trajeto de ‘meros mortais’ à ‘semideuses’ é também conhecido como star system.

O antropólogo vê o star system como processo intrínseco ao capitalismo, que tem as estrelas – fabricadas, mantidas e promovidas por tal sistema – como produtos de seu mercado. A mídia seria, na visão do autor, a grande responsável pela criação dos ‘olimpianos modernos’, com sua capacidade de transformar algo comum em um grande evento.

Para ele, os olimpianos são modelos para as pessoas comuns e propõem aos seus públicos múltiplos papéis: deuses e, ao mesmo tempo, seres humanos comuns. A figura da estrela é um produto da cultura de massa que gera certa familiaridade com o admirador, que se identifica e projeta suas vontades nessas celebridades. Ainda segundo o Edgar Morin, a crescente presença da mídia retratando cada detalhe da vida deles transforma-as em modelos de vida a serem seguidos, destronando os antigos modelos, tais como pais, educadores ou heróis nacionais.

Redação

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