Entenda o acordo e os possíveis impactos no Oriente Médio, Europa e Brasil
Camila Gabrielle
No último dia 08 de maio, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou os Estados Unidos do Acordo Nuclear com o Irã, afirmando retomar sanções extremas contra o país. O caso tem gerado polêmica e um clima de suspense entre a União Europeia, China e Coreia do Norte.
Desde sua candidatura à presidência, Donald Trump já criticava o acordo Nuclear e ao sair do mesmo, ele afirmou que o Irã é o “principal Estado patrocinador do terrorismo” e que o país descumpriu o acordo (sem provas). No dia 15 de maio, o governo brasileiro se pronunciou afirmando que o “diálogo e o respeito” são a “única via” para as discussões sobre o assunto.
O acordo
Barack Obama, ex-presidente dos EUA, negociou em 2015 o Acordo Nuclear com o Irã. O acordo previa que o Irã limitaria suas atividades nucleares em troca de sanções internacionais. Este acordo foi assinado pelo líder iraniano e cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas – os Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia, além da Alemanha (o grupo chamado de P5 +1 ).
Ex-presidente Barack Obama/ crédito: Reprodução
Para Luiza Januario, doutoranda e mestre em Relações Internacionais “ o Plano de Ação Abrangente Conjunto (JCPOA, em inglês) foi o resultado de um difícil processo de negociação. As suspeitas sobre o programa nuclear iraniano e o receio que o país possa desenvolver armas nucleares não são recentes. Porém, somente no governo Obama foram criadas condições para a promoção de um acordo sobre a questão, uma vez que foi revista a postura anterior estadunidense de demandar o congelamento do programa nuclear como um pré-requisito para começar as conversas. Por um lado, impôs restrições e constrangimentos ao desenvolvimento do programa nuclear iraniano e, por outro lado, prevê o alívio de sanções aplicadas ao Irã.”
De acordo com o professor Alberio Neves Filho, do departamento de Relações Internacionais, da Unesp/Franca, este projeto “tinha por objetivo expresso conter o avanço científico e tecnológico do Irã no desenvolvimento da energia nuclear que poderia elevar o Irã, segundo as justificativas apresentadas no Ocidente, à condição de uma potência nuclear regional. Toda negociação se daria em torno de um intervalo que se desenhava entre a imposição de sanções econômicas, a rigor o aprofundamento dessas, vale lembrar, e a desistência do Estado iraniano, em produzir armamentos nucleares. ”
O professor ainda completa que “o acordo Nuclear com o Irã que dá curso ao entendimento do Liberalismo Unilateral que vem se afirmando desde os anos de 1990, consumou uma reavaliação das condições internas norte-americanas, a meu ver, para tanto. Obama opera já no contexto onde a China, a Rússia, a Índia, o Brasil e as mudanças no comércio internacional, possuem uma maior relevância. E do ponto de vista do Irã, paradoxalmente, o Acordo Nuclear nos termos que foi negociado, lhe dá também grandes margens de manobras internamente e regionalmente, permitindo avançar não apenas na formação internacional do preço do petróleo, mas também ampliando tratados e comércio internacional para com todos aqueles envolvidos por essa mudança mais global.”
Infográfico: Camila Gabrielle
De acordo com Rodrigo Passos, professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas, da Unesp/ Marília, Donald Trump saiu do acordo possivelmente “pela pressão de grupos e setores da sociedade norte-americana que tem uma orientação mais fundamentalista e favorável a Israel, a ponto de Washington tomar uma atitude lamentável em termos políticos e diplomáticos, que é de reconhecer Jerusalém como capital israelense e lá instalar sua embaixada. Com isto, contribui-se com o recrudescimento na política com árabes e palestinos, que encaram Jerusalém como solo com eles identificados e também como capital do Estado Palestino.”
Com isso, o professor enxerga que existe uma política pró-Israel e contrária aos árabes e palestinos. Além disso, Rodrigo acredita também que os Estados Unidos buscam ampliar sua hegemonia, com o objetivo de desestabilizar e acabar com o atual regime político iraniano.
O professor Alberio ressalta que as ações de Trump indicam o desejo de romper ou cancelar as propostas e acordos firmados por Barack Obama. “A ruptura do tratado com Cuba, a questão da mudança climática, etc., indicam o desejo do cancelamento das propostas Obamistas, que dão curso aliás, a um tipo de liberalismo que vai ser internamente combatido também com essas mudanças. É bom também mencionar aqui, que a consumação exitosa do Acordo Nuclear levaria ao reembolso obrigatório dos ativos confiscados do Irã e ainda que não tenhamos uma informação precisa do seu montante, certamente mais de $100 bilhões de dólares em um contexto de possível aumento interno da taxa de juros sobre os títulos do tesouro, bem como frente aos problemas correntes da liquidez internacional, deve ter pesado na tomada da sua decisão.”
O que esta saída representa
Com a saída dos Estados Unidos do Acordo, países europeus como França e Alemanha lamentaram o acontecido e demonstraram interesse em continuar no acordo. De acordo com o professor de História da Unesp, Jean Marcel, “os europeus sabem que o acordo é frágil, mas sabem também que não podem estabelecer com o mundo muçulmano (sunita e xiita) um confronto tão aberto quanto o que propõe Trump.”
Além disso, o professor destaca que a tensão no Oriente Médio reflete diretamente nos fluxos migratórios que se dirigem para a Europa. “Tudo isso gera enormes problemas econômicos e de segurança interna. Daí o cuidado e a preocupação da Europa com a manutenção do acordo; além, é claro, de uma enorme repugnância pelo estilo vulgar e falastrão de Trump.”
Alemanha, França e Grã-Bretanha acreditam que o Acordo Nuclear ainda é o melhor caminho para impedir o Irã de avançar com as armas nucleares/ crédito: Reprodução
Luiza comenta que “apesar de suas limitações, o JCPOA representa um compromisso importante por demonstrar vontade de negociar e a possibilidade de se colocar restrições ao desenvolvimento nuclear iraniano, ainda que não em termos totais. Mas se o Irã decidir se retirar do acordo após a saída dos EUA, que tipo de garantias existirá? E se as sanções em um nível extremo não apresentarem os efeitos desejados, qual o próximo passo? Uma guerra? É preciso ter em mente que um ataque militar pode desestruturar o programa iraniano por vários anos, mas não necessariamente terminá-lo. Além disso, uma intervenção estadunidense poderia gerar um blacklash nacionalista no Irã, agravando as tensões”.
Além disso, Luiza explica que em 2015, alguns especialistas apontavam que a resolução da questão só ocorreria realmente com a mudança de regime no Irã e que atualmente “alguns analistas especulam que é isso que Trump pretende promover ao aumentar a pressão sobre o país. Considero que seria uma aposta arriscada, com grande potencial de gerar mais insegurança. Além disso, deve-se ter em conta que se tratou de uma medida unilateral dos EUA em um contexto que a própria AIEA afirmava que o Irã cumpria as obrigações previstas.”
O professor Rodrigo acredita que a tendência é aumentar o distanciamento, competição econômica e militar dos países europeus em relação aos Estados Unidos. Sobre o Irã, ele explica que “certamente, sofrerá impactos econômicos com o aumento de restrições econômicas motivadas pela liderança e pressão dos EUA. Ao mesmo tempo, o Irã buscará o desenvolvimento de suas armas nucleares não com objetivos ofensivos, mas de barganha e de dissuasão, já que não teria a menor chance na remota hipótese de um conflito nuclear com os EUA, que têm um arsenal muito maior e mais destrutivo.”
Presidente do Irã, Hassan Rohani / crédito: Reprodução
Além disso, Rodrigo acredita que este rompimento gerará uma situação maior de tensão, fazendo com que os países, principalmente do Oriente Médio e contrários aos EUA, “se sintam mais estimulados e encorajados, inclusive, a desenvolver armas convencionais e não convencionais mais como instrumento de negociação e de dissuasão do que efetivo uso, dado que têm pouquíssimas ou nulas chances de um êxito militar contra os norte-americanos.”
A União Europeia em geral, e particularmente a Alemanha e a França estão buscando alternativas para assegurar o acordo. De acordo com Luiza, “essa postura, aparentemente, encontra respaldo nos governos chinês e russo. Uma grande dificuldade a ser enfrentada é como lidar com as sanções secundárias, aquelas que são prometidas não diretamente para o Irã, mas para outros países que negociem com ele. Algumas empresas europeias já deram sinais de retirada de negócios par evitar essa possibilidade.
O professor Alberio prevê uma aproximação do Irã com a Rússia e a China, visando também preservar seus parceiros europeus. “Penso também que vai acirrar sua presença no Oriente Médio, aliando-se no geral com a política da alta dos preços do petróleo ao nível internacional e militarmente apoiando as políticas de contenção as ações de Israel e dos parceiros norte-americanos naquela região.”
Luiza enxerga que esta atitude de Trump pode ser entendida como uma violação da confiança no cenário internacional em termos amplos. “Uma função de tratados, acordos e regimes é prover as relações internacionais de maior previsibilidade e confiança entre os atores. Os Estados são, em termos jurídicos, soberanos e não existe uma autoridade central no sistema internacional capaz de impor regras e fiscalizar o cumprimento delas, como há no plano interno. Nesse sentido, os compromissos assumidos pelos Estados são, em tese, voluntários e devem ser obedecidos de boa-fé. Ao anunciar a saída dos EUA do JCPOA, essa lógica é rompida, especialmente por haver garantias da AIEA que o Irã estava cumprindo com suas obrigações e por se tratar de uma medida unilateral”.
Relações com a Coreia do Norte
No dia 24 de maio de 2018, o presidente Donald Trump cancelou um encontro que aconteceria no dia 12 de junho, em Singapura, com o líder norte-coreano, Kim Jong-un. O norte-americano tomou esta decisão no mesmo dia que Kim decidiu intensificar os testes nucleares no país.
Porém, no dia 01 de junho, o Norte—americano decidiu finalmente que a reunião acontecerá entre os dois países. A decisão aconteceu após a visita de Kim Yong Chol, considerado o braço direito do líder norte-coreano. A última vez que um funcionário tão importante do governo norte-coreano visitou à Casa Branca foi em 2000, durante da presidência de Bill Clinton.
Com isso, percebe-se a tensão constante entre os dois países. Sobre a influência da saída dos EUA do acordo nuclear em relação ao contato com a Coréia do Norte, o professor Jean acredita que isto não afeta as relações com o líder norte-coreano.
“Kim Jong-un sabe muito bem com quem está lidando –– como sabiam o seu pai e avô –– e sabe também que, abrindo ou não a Coréia do Norte para o mundo –– e ele vai abrir, antes que todos lá morram de fome ––, sua manutenção na condução do país está condicionada ao fato de não renunciar totalmente ao poder nuclear que já tem”, explica.
Impactos no Brasil
O professor Alberto afirma que no Brasil, pode-se esperar alterações nos preços das commodities em especial, no preço interno dos derivados de petróleo. Apesar disso, ele destaca que “chamo também a atenção para a valorização do real, frente à ao dólar, suportando uma justificativa ideológica para os avanços da atual política macroeconômica, principalmente na justificativa da manutenção da taxa de juros por causa dos movimentos dos preços e da dívida interna e dos processos de privatização.
Para o professor Rodrigo é difícil avaliar os impactos no Brasil, neste momento, principalmente por conta das eleições em outubro, mas ele acredita que isto “é um recado para que o Brasil não busque se aproximar do Irã.”