Como a nobreza que se construiu ao longo dos anos é destaque da mídia internacional mesmo sem influência política
Você provavelmente não conhece todos aspectos da política brasileira mas certamente já ouviu falar muito sobre a família real britânica. Pelo menos uma vez por ano, eles entram em evidência e milhares de veículos de mídia divulgam diversos pormenores da vida deles. Conhecida originalmente como a família Windsor, possui uma tradição muito antiga e um reconhecimento que perdura até os dias de hoje.
A família real britânica na sacada do palácio no casamento do príncipe Harry em Maio de 2018. Créditos: Revista Exame
A história da monarquia inglesa começa no século XI quando as ilhas britânicas foram invadidas e conquistadas pelo duque Guilherme da Normandia. A partir disso, o poder do rei foi se fortalecendo com as diversas conquistas e se expandindo por toda a região, sendo restringido somente em 1350 quando foi instituído o parlamento. Pouco tempo depois, a monarquia teve seu poder reduzido através da Magna Carta, fazendo com que o poder fosse compartilhado entre os dois sistemas. Assim, formava-se a monarquia parlamentarista, modelo de governo existente até hoje que caracteriza o Reino Unido, formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. A monarquia britânica é uma das mais antigas do mundo que ainda se mantém viva e a sua história durante todo esse tempo a fez se consolidar também como uma das mais bem sucedidas. O historiador Tiago Trevisan explica que “toda a influência que essa monarquia teve desde a unificação dos reinos, a passagem pelas grandes guerras e a expansão de domínios políticos e econômicos fez com que ela se fortalecesse e conquistasse poder, principalmente através dos grandes líderes que fizeram da Inglaterra a potência que se tornou”. Esses fatores foram contribuindo para que a família real estivesse sempre em evidência na sociedade mundial como um exemplo e modelo bem sucedido de organização. Confira o áudio do historiador Tiago Trevisan que conta um pouco mais sobre a história das conquistas da monarquia inglesa e como os líderes certos fizeram a diferença.
A representação da família
A família do rei sempre foi motivo de muita curiosidade por parte demais cidadãos. A nobreza exaltando seu poder, riqueza e influência encantava as pessoas pelas suas tradições e seus costumes diferentes. Com as mudanças de governo de vários países, a monarquia foi perdendo sua força ao longo do tempo e apenas em alguns lugares do mundo manteve suas raízes. A relevância da figura da família real britânica se deu muito mais nessa última regência. A rainha Elizabeth II assumiu o trono em 1952 sucedendo seu pai, o rei Jorge VI. O governo da monarca enfrentou diversos conflitos políticos e foi conquistando o apoio e o reconhecimento popular. Com o crescimento do poder, todo um interesse também começou a surgir pela sua família tanto pelos próprios moradores da região quanto por todo o mundo, que, com o advento das novas tecnologias, pode acompanhar mesmo de longe.
Rainha Elizabeth II com o ex-primeiro ministro David Cameron. Créditos: dailymail.co.uk
Uma família também vive de símbolos
Apesar desse sucesso, a mudança na influência política do Reino Unido fez com que a nobreza fosse aos poucos sendo reconhecida apenas como um simbolismo social. Atualmente, o sistema de governo permite que a rainha apenas faça recomendações ao parlamento que acaba por tomar as decisões muitas vezes de forma independente, como é o caso do envolvimento inglês na campanha contra o terror, implementada pelo governo americano de George W. Bush. O ex primeiro-ministro Tony Blair decidiu colocar o exército britânico junto com os Estados Unidos mesmo após indicação da rainha Elizabeth II para não participar. As gerações mais novas têm começado a questionar a validade da função monárquica na realidade atual. Tem crescido o número de cidadãos do Reino Unido que acreditam que a família real se tornou apenas uma tradição antiga. Nathaniel Kelly, de 25 anos, nasceu e vive na Inglaterra e acredita que a nobreza acabou virando uma atração para o turismo local. “A monarquia é atualmente um modelo que está ficando fora de moda e parece não fazer muito pela população. A rainha e sua família acabam sendo apenas pessoas que nasceram privilegiadas e terão esse significado pelo resto de suas vidas” pontuou Nathaniel.
Pontos turísticos em Londres. Crédito: Ana Luísa Agostinho
Já Doyin Mansell, também de nacionalidade inglesa, vê que esse sistema hierárquico só acaba cultivando um sentimento de diferenciação na sociedade. Para ela, “essa noção de que algumas pessoas nasceram ‘melhores’ que outras já não funciona mais na nossa realidade, acho que a família real deveria então produzir mais influências positivas na população com projetos voluntários que tragam esse retorno social”. Para boa parte da população, todo o sistema governamental do reino unido baseia-se em significados muito antigos. James Roscow, de 28 anos, acredita que a monarquia, mesmo atualmente, ainda é um costume muito antigo. “Um dos problemas com o nosso governo é como ele ainda é muito baseado no passado em práticas que já não condizem com a realidade que vivemos agora, como a família real. Para mim eles são celebridades, pessoas ricas que não tem muito em comum com nós e, apesar de não ter nada contra eles particularmente, acho que a monarquia já é uma ideia ultrapassada” explica Roscow. A família então é vista então como uma forte atração de turismo para a Inglaterra. Muitas pessoas visitam o país e toda a região para conhecer a história e os costumes locais que remetem a um contexto medieval e antigo de sociedade que acaba por movimentar a economia. Atualmente, com as regras estabelecidas no sistema de governo, a rainha recebe o equivalente a 82,2 milhões de libras do Tesouro Britânico para custear manutenções básicas de seu exercício. O restante vem de seu patrimônio pessoal adquirido ao longo dos anos com propriedades, investimentos e a coleção de objetos reais, além do turismo realizado em seus palácios e territórios.
A mídia e a influência popular
Todo esse contexto de exibição também foi atraindo os olhares da mídia para o comportamento da família real, principalmente durante o reinado de Elizabeth II. A imprensa percebeu o interesse da população mundial em acompanhar os eventos e as atitudes da nobreza, principalmente em grandes eventos como os casamentos reais. Compostos de grande cerimônia e costumes, passaram a ser acompanhados com mais afinco a partir do casamento do príncipe Charles, primogênito da rainha, com a princesa Diana. O relacionamento conturbado era constantemente exposto pela massiva perseguição da mídia, que foi duramente criticada após o acidente e a morte de Diana em 1997. A jornalista Natalia Gatto Pracuccio acredita que a família real virou um agendamento da mídia, como um assunto escolhido por ela para ser divulgado. “A família real britânica aparenta ser blindada’ e muito tradicional – seus gestos e símbolos são os mesmos há séculos. Esse aparente ‘conto de fadas’ atrai a atenção das pessoas, principalmente quando o conto de fadas dá errado ou sai do roteiro. E a mídia também se aproveita dessa curiosidade para produzir notícia’’ explica Natalia.
A mídia ainda possui um massivo agendamento sobre a família real britânica
Países como o Brasil aproveitaram o gancho de um interesse popular pela cultura britânica e passaram a investir também no detalhamento dos acontecimentos da nobreza. Em maio de 2018, o casamento do príncipe Harry com a atriz americana Meghan Markle foi transmitido em tempo real pela televisão brasileira e pela internet, além de uma excessiva cobertura pré e pós-evento que envolvia desde os vestidos até o comportamento dos participantes. Natalia acredita que “assuntos como esse têm interesse público reduzido e sua superexposição por aqui revela uma total desconexão da imprensa convencional com as demandas sociais do país’’. A família real, dentro de todo o contexto de desenvolvimento da Inglaterra e do Reino Unido, foi se reinventando para manter alguma influência na política local e internacional através de seu poder histórico. Apesar de não participar de forma mais ativa das decisões estruturais, seu símbolo ainda é forte e possui uma relevância que de certa forma, vale a pena ser mantida, mesmo que seja com toda sua tradicional e clássica pompa e circunstância.
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