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Abandono familiar de pacientes com transtornos psiquiátricos ainda é alto

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Apesar do aumento da visibilidade da luta antimanicomial, ainda são muitas as famílias que abandonam parentes

Por Ana Carolina Alves, Beatriz Akane Kuroki e Isabella Marão

Foi apenas na década de 1970 que ocorreu uma reforma no tratamento de pessoas que portavam doenças mentais. Até aquele momento, as principais – e até únicas – formas de tratamento eram somente hospitais e clínicas especializadas, onde pessoas que demonstravam e eram diagnosticadas com algum tipo de transtorno psiquiátrico eram levadas por seus familiares, amigos e colegas.

É notável o principal objetivo da luta antimanicomial, considerando que há mais de quatro séculos os humanos portadores de tais doenças são marginalizados e vistos como sujeitos que devem ser isolados e apartados da sociedade como um todo, incluindo sua própria família. Além disso, os métodos para o tratamento não eram nada humanitárias, os profissionais utilizavam água fria e quente, sessões de eletrochoque, cadeiras giratórias e, principalmente, medicamentos – que são utilizados até os dias de hoje. A maioria acreditava que aqueles eram os melhores e únicos sistemas que poderiam dar algum resultado.

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(Os pacientes eram isolados e tratados de formas desumanas. Foto: cadenaser)

Com o intuito de mostrar a sociedade que existem outras possibilidades de ajuda, em 1989, o deputado Paulo Delgado deu entrada no Congresso Nacional com um novo projeto, propondo a extinção progressiva dos manicômios no país, assim dando início a regulamentação dos direitos da pessoa com transtorno mentais.

Anos antes, uma parte da população já não se sentia confortável com a maneira que os pacientes eram tratados, foram colocadas em evidência questões sobre a área, trazendo a tona a violência, a falta de cuidado e estrutura dentro dos manicômios.

Congressos foram feitos, em destaque o Congresso Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental ocorrido em 1987 em Bauru, interior de São Paulo. O movimento foi apoiado e se ampliou para familiares, usuários dos serviços e pelo movimento dos Direito Humanos, ficando então conhecido como movimento da Luta Antimanicomial.

Apesar da entrada do projeto do deputado Delgado ter sido dois anos após o início da luta, é somente no ano de 2001, doze anos depois, que a Lei Paulo Delgado (Lei Federal 10216) foi sancionada no Brasil, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Na perspectiva da Luta Antimanicomial, sua principal proposta é a humanização do tratamento dos pacientes, ressaltando a importância do papel da família nas intervenções terapêuticas e na remodelação do sistema.

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(A mente de uma pessoa com transtornos psiquiátricos pode ser muito instável. Foto: CBN Campinas.)

O papel da família

A entrada de familiares e amigos na luta por um tratamento decente para as pessoas com doenças mentais, faz com que suas vidas também acabam sofrendo mudanças significativas. A atenção, preocupação e carinho alteram o dia a dia constantemente, refletindo no estilo de vida que a família levava. Devido a isso é necessário verificar o nível de conhecimento – em relação ao transtorno mental e as possíveis formas de cuidado à saúde – das pessoas mais próximas ao sujeito em tratamento. É de extrema importância verificar se a família tem alguma experiência e também oferecer possíveis formas de interação para lidar com a doença, desde o tratamento em si até as dificuldades na aceitação e no enfrentamento.

Famílias que encontram casos em relações próximas precisam procurar auxílio. Um paciente, além do tratamento certo, irá necessitar de um dedicação dobrada, os custos aumentam, assim como encargos emocionais. A instabilidade e a insegurança podem aparecer devido ao cansaço, frustrações, culpas e até em certos pontos, a vergonha, dificultando interações sociais da maneira como eram antes.

Entretanto, as evidências da eficácia das intervenções familiares em promover melhoras no quadro clínico dos pacientes, estão se acumulando cada vez mais. Diminuindo recaídas e intervenções diretas de clínicas psiquiátricas. É importante ressaltar que o clima familiar não deve ser estressante, pois este é desfavorável para o tratamento, não se demonstrar superprotetor, não deixando com que a pessoa faça mais nada, pode intensificar o quadro de saúde mental. Em outras situações, muitas famílias acabam desmotivando elas mesmas, acreditando que elas por si sós não conseguirão ajudar e acabam se mantendo pessimistas para com o caso. Resgatar essa esperança é extremamente fundamental em qualquer projeto de cuidado.

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(A luta antimanicomial começa a ganhar força na década de 1980. Foto: Cuidados Pela Vida.)

O psiquiatra Fabricio Gimenes explica que ter uma pessoa com distúrbios mentais dentro da família pode afetar a convivência familiar. “Dependendo do caso, podemos perceber uma espécie de extensão da patologia em questão. Por exemplo, quando temos um paciente com a doença de Alzheimer, ou mesmo uma dependência química, frequentemente a família também adoece, acontecendo a co-dependência.’’

Para Gimenes, ‘’a melhor maneira de lidar com isso é se cuidar, ou seja ‘cuidado com quem cuida’, por isso a importância de agir rápido, pois se a família adoece, quem irá prestar ajuda ao paciente?’’.

Mesmo com o diagnóstico precoce e o cuidado de algumas famílias com o paciente doente, o médico conta que ainda há muitos casos de abandono familiar quando o paciente fica em um hospital psiquiátrico. “Falta de tempo, falta de recurso financeiro, quebra de vínculo familiar são alguns dos motivos que muitas famílias adotam para abandonar alguns pacientes, ou acabam por simplesmente não atender o telefone, muitas vezes, passam a responsabilidade para o hospital.’’

No entanto, o abandono familiar à pessoas com doenças psiquiátricas não prejudica apenas o indivíduo, mas também todo o sistema de saúde. Isso acontece porque o leito em que o doente abandonada está, impossibilita que outro paciente, muitas vezes mais urgente, seja internado, dificultando o bom andamento do serviço de saúde.

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(O apoio familiar é importante para a recuperação do paciente. Foto: Getty)

Mas com o abandono o responsável pode sofrer consequências legais na justiça, especialmente se o paciente psiquiátrico em questão for menor de idade ou incapaz.

Pesquisas realizadas no Hospital Psiquiátrico de Maringá/PR indicam que de 240 pacientes, apenas 50% dos familiares ainda visitam e ajudam no cuidado dos doentes mentais internados. Alguns estão no local há mais de 3 anos e até onde se sabe, nenhum parente voltou a procurá-los e com a ausência da família, o hospital fica impossibilitado de dar alta para tais pacientes. E seria desumano simplesmente colocá-los nas ruas após o fim da internação.

A dona de casa Ana Isabel Lemos sabe muito bem como é a situação. “Meu marido tem esquizofrenia há 45 anos. Ao longo desses anos, foram inúmeras internações, sempre em hospitais públicos, quando ele tem crises, e não é nada fácil fazer com que ele se interne, porque ele não aceita, não entende’’, explica as dificuldades da doença.

‘’Apesar de ser algo difícil, eu e minhas filhas nunca abandonamos ele durante as internações, até porque os hospitais têm visitas obrigatórias. Na necessidade, você faz qualquer coisa e enfrenta os horários péssimos de visitas, só para ver ele sendo bem cuidado’’, conta a dona de casa. ‘’Mas é claro que isso abala a estrutura familiar. Ele já chegou a ter surtos na noite do Natal, fazendo com que a noite de todos fosse parar no hospital.’’

Ter alguém com transtornos psiquiátricos na família é algo muito complicado e que deve ser tratado com muita atenção e com um cuidado especial. É importante lembrar que a vida em um hospital psiquiátrico é difícil e que receber visitas frequentes da família pode ajudar em uma recuperação mais rápida e eficaz do paciente.

Para interessados há o hospital Thereza Perlatti, localizado na cidade de Jaú. Para saber mais sobre os locais de atendimento em Bauru e região acesse o site da prefeitura.

Redação

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