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Além das barreiras

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Alerta de prevenção e solidariedade marcam a tragédia de Mariana, em Minas Gerais
2001, Belo Horizonte. 2004, Paraíba. 2007, Cataguases. 2008, Rondônia. 2011, Angra dos Reis. 2015, Mariana. Como protagonista fundamental, a Natureza deixa marca amargas nos solos brasileiros. Não uma, mas algumas numeráveis vezes, provando que esta demostração poderosa não é um fato isolado. E talvez, nós homens sejamos capazes de analisar e comprovar suas causas, e mostrar que não se trata de fenômenos tão inesperados quanto os que nos surpreendem.
Recentemente, vivenciamos a catástrofe que atingiu a cidade de Mariana em Minas Gerais. Duas barragens, a do Fundão e a de Santarém, romperam em novembro deste ano. Ambas estruturas pertenciam à Mineradora Samarco, produtora de bolas de minério de ferro usadas na produção de aço. A mineradora, controlada pela Vale e pela empresa anglo-australiana BHP Billiton, é a 10ª maior exportadora do Brasil.
Após a tragédia, a direção da Samarco suspendeu as atividades de mineração na região. O governo de Minas Gerais embargou o licenciamento de funcionamento da empresa, que deve cumprir com algumas exigências de segurança para voltar a extrair minério.
As duas barragens continham uma lama resultante de resíduos sólidos inaproveitáveis da produção de minério de ferro. Segundo a mineradora, a pluma de turbidez liberada pelo rompimento das barragens, que vem sendo popularmente chamada de lama, não é tóxica. Este material não apresenta nenhum elemento químico danoso à saúde. Ele é composto, majoritariamente, por sílica, ou seja, a areia proveniente do beneficiamento do minério de ferro.
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*Foto: Mariana após a avalanche de lama. Crédito: Antônio Francisco.
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) apresenta a presença do óxido de ferro na composição da lama, e diz que o volume extravasado foi estimado em 50 milhões de metros cúbicos, quantidade que encheria 20 mil piscinas olímpicas.
Ações “sociais” da SAMARCO
A avalanche devastadora dessa lama destruiu a casa de mais de 600 pessoas, que relataram a polícia que nenhum sinal emergencial foi emitido. A mineradora assumiu a falha e rebate apresentando dados das suas ações sociais se é que podem ser chamadas assim. 686 empregados da Samarco e de empresas contratadas foram mobilizados; até esta semana, 393 famílias afetadas pelo acidente da barragem já possuem condições adequadas de moradia (ao todo, 754 pessoas foram acomodadas); 811 famílias estão recebendo atendimentos psicossociais; 288 crianças já retornaram às aulas na região de Mariana.
Após o levantamento das opções para as novas moradias ter sido feito pela mineradora, os imóveis foram escolhidos pelas próprias famílias. Todas foram equipadas com móveis, eletrodomésticos, utensílios domésticos, enxoval, alimentos, produtos de limpeza e de higiene pessoal e água potável.
A transferência das demais famílias que ainda permanecem em hotéis ou casas de parentes na região, que totalizam 50% das pessoas desabrigadas, continua sendo feita pela Samarco, com participação ativa da Secretaria Municipal de Assistência Social.
2*Foto: Representantes da SAMARCO acomodando uma família desabrigada. Crédito: Reprodução.
Além disso, a assessoria da mineradora afirma que cartões de auxílio financeiro para 50 famílias que perderam sua fonte de renda após o acidente da barragem foram entregues. Para que, em caráter temporário, uma espécie de salário seja depositado como auxilio. A entrega será mantida até que todos os núcleos familiares elegíveis sejam atendidos. Há uma ressalva de que o auxílio financeiro não representa nenhuma indenização por perdas e danos às famílias.
Nova fonte de água
Além da carência do suporte físico, financeiro e emocional, estas pessoas também necessitam de bens de consumo não-duráveis, tais como alimentos e produtos de higiene pessoal. A água foi um dos produtos mais requisitados para garantir o mínimo de dignidade na “estadia” temporária. A Samarco afirma em nota que 314 milhões de litros de água potável e 32,3 milhões de litros de água mineral foram disponibilizados em municípios do Espírito Santo e Minas Gerais, além de intervenções técnicas.
Governador Valadares é uma dos municípios mais afetados e que recebeu assistência da mineradora para normalizar o abastecimento de água. Para tratar e processar o produto bruto e gerar água com qualidade adequada ao consumo humano, foi realizado um trabalho conjunto entre as equipes técnicas da Samarco, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Governador Valadares, a COPASA e empresas fornecedoras de produtos para tratamento de água.
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Infográfico: Francielle Kuamoto.
Solidariedade Nativa
Comovidos com a realidade dessas centenas de pessoas, a sociedade brasileira entra em cena e apresenta que, aparentemente, desastres naturais movem a solidariedade no país.
No caso, ações solidárias integradas por diversas empresas e instituições foram organizadas para ajudar os municípios. Em Bauru, a Organização Não Governamental (ONG) 1% criou a campanha on-line chamada “Juntos pelo Bem” para ajudar Governador Valadares na arrecadação de água potável. 1% foi fundada em 2009 e tem como visão ser referência no desenvolvimento de pessoas em situação de risco, proporcionando oportunidades de futuro, e buscam promover a igualdade e o resgate da dignidade humana por meio da solidariedade e do amor ao próximo. Há seis anos a organização vem ajudando e cuidando de pessoas e animais no Noroeste Paulista.
Nesta intervenção para Minas Gerais, Instituições como a Atlética IX de Maio da Universidade do Sagrado Coração (USC), EJUSC (empresa júnior da USC), ROTARACT Terra Branca, AIESEC Bauru, Pro Junior (empresa júnior de engenharia da Unesp de Bauru) E POP UP Comunicação, se mobilizaram para angariar donativos de água em Bauru. A ONG passou por outras 12 cidades do interior de São Paulo. “Ainda precisamos de ajuda de doação financeira para bancar a viagem dos voluntários. Sua doação em qualquer valor é muito bem vinda” comenta Roberta Gigliotti, representante da ONG 1%.
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*Foto: Arrecadação de água pela ONG 1%. Crédito: Eli Kazuyuki Hayasaka.
Ações como esta puderam ser vistas em todo o país. A população brasileira participou efetivamente do processo de reestruturação da vida dessas pessoas. Não só os voluntários e as equipes colaborativas, mas a população teve papel fundamental.
Na cidade de Campinas – SP, as campanhas para arrecadações também foram intensas, tiveram até vídeos postados na internet que viralizaram na região. Andréia Albuquerque, bancária, ofereceu a própria casa para receber os donativos. “Foi passando de um para outro e agora tem um monte de gente interessada em ajudar” ressalta esperançosa. Andréia também afirma que se estivesse no lugar dessas famílias desabrigadas também esperaria pela ajuda dos brasileiros.
Os donativos chegaram em uma proporção tão impressionante que a prefeitura de Mariana informou a suspensão temporária dos recebimentos. Um levantamento da quantidade dos itens doados precisou ser feito para cotar se a quantidade atenderia às necessidades da população atingida. Além de que a principal preocupação da prefeitura era evitar o desperdício dos suprimentos já doados.
A prefeitura de Mariana alerta, no entanto, que “o trabalho voluntário ainda é de extrema importância para triagem das doações já recebidas” e destaca que vai continuar recebendo as doações em dinheiro em contas abertas para essa finalidade. Todas as contas são vinculadas à Prefeitura e um conselho gestor com representantes de diversos setores da sociedade gerenciam as doações para garantir  a  total transparência à ação.
A participação da sociedade brasileira pode ser vista nas outras tragedias também. Em 2011, a ONG Verdenovo se uni ao projeto Papai Noel Mirim e o Capítulo DeMolay de Nova Lima para arrecadar donativos para as vítimas das chuvas em Minas Gerais. Deli Bianchetti, representante da ONG diz que o “melhor de tudo é saber que não foram doados apenas objetos, mas saber que em cada coisinha recebida, veio também o carinho, a solidariedade, a empatia e o desejo de uma vida melhor a todos aqueles foram afetados pela tragédia”.
Em 2007, em Cataguases, José Fernando Milane, secretário de assistência social, ressalta o espírito solidário dos cataguasenses: “Temos recebido doações de muita gente, o que comprova o que nós já sabíamos, que o cataguasense tem bom coração e é solidário”. Em 2008, no Piauí, foram arrecadados mais de 7 mil colchões, 8 mil cobertores, 9 mil toalhas, 10 mil lençóis  e 3 mil filtros de barro, que deveriam ser usados na purificação de água. 3.500 famílias foram beneficiadas pela solidariedade da sociedade brasileira.
Alerta silencioso
Diante de todo o desastre natural e os danos ambientais irreparáveis, uma pergunta paira no ar: era possível evitar? A resposta está no esquema de monitoramento dessas barragens que as empresas responsáveis fazem, porém o sistema não é tão eficaz quanto parece e uma série de irregularidades se tornaram um efeito dominó irreversível para tanta lama.
A Agência Nacional das Águas (ANA) divulga relatórios anuais de fiscalização em todo o território brasileiro. O documento referente ao ano de 2014 aponta que das 15 mil barragens existentes no país, apenas 5,7% passaram por algum tipo de vistoria entre os anos de 2012 a 2014. Ainda foi detectado que aproximadamente 14% das barragens tem o nível de risco de acidentes identificado. Caso aconteça algum tipo de incidente nessas construções, a pesquisa indica que a as autoridades desconhecem os danos que tal ocorrência poderia causar.
A defasagem não está apenas no sistema de fiscalização das barragens, o alerta vermelho ecoa justamente para ações preventivas ou de emergências, delatando que o plano de ação em casos de tragédias ambientais são ineficazes ou inexistentes. Sancionada apenas em 2010, a lei 12.334 cria a Política Nacional de Segurança de Barragens e assegura que elas tenham planos de emergência eficaz devidamente cadastrados, porém, apenas 5,6% delas apresentam o respaldo necessário. Entretanto as empresas alegam que a lei é relativamente nova e que se adequar as suas exigências levam um tempo.
Uma vez que os planos preventivos e de emergências representam uma falha enorme para a segurança das barragens, a saída é reforçar o monitoramento, que deve ser constante. Através do diretor de Operações e Infraestrutura, a Samarco garante que suas barragens são vigiadas de forma online e caso alguma movimentação estranha ou rompimento aconteça, a empresa tem um plano de ação traçado.
Vistoriar e fiscalizar as situações das barragens não é o suficiente, pois a irregularidade pode estar também na empresa responsável por elas. Na tragédia de Mariana, a barragem Fundão foi a primeira a se romper, porém sua licença era válida até 2019. O mesmo não se pode assegurar da barragem de Santarém, cuja licença venceu em julho de 2013 e da mina Germano que poderia operar até maio de 2013. Em ambos os casos, as empresas teriam solicitado a renovação da licença, antes de seus vencimentos, isso garantia que elas continuassem funcionando, até a liberação do pedido. Apesar da demora na renovação, a Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais garante que não há irregularidade nessa situação.
Depois do caos
O rastro de lama continua a se espalhar. O estado do Espírito Santo foi o primeiro a receber os prejuízos do lamaçal, que pode atingir em breve o sul da Bahia. O sistema hidrográfico da região ficou comprometido, a lama invadiu o leito de 3 rios, entre eles o rio Doce, o mais prejudicado e que quase dois meses depois do incidente, ainda segue severamente turvo. Para o bioma Mata Atlantica presente no estado de Minas Gerais, a lama já destruiu cerca de 324 hectares de vegetação. Como um todo, a biodiversidade regional ficou comprometida.
A mobilização social que ocorre em casos como de Mariana, Angra dos Reis, entre outros, reflete o caráter humano do povo brasileiro que se solidariza, muitas vezes, com o receio de serem eles as próximas vítimas. Desastres naturais são passíveis de acontecer e acontecem, como em anos anteriores. Cabe as autoridades governamentais fazer um monitoramento preventivo e ter plano de ação em casos de emergência. Prevenir ainda é a melhor saída. Se houver medidas preventivas que detectem os riscos, desloquem a população das áreas de risco, muitos dos prejuízos podem ser amenizados.

Redação

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