Por Beatriz Vital e Tiago Pavini
Domingo ensolarado. As crianças correm pela casa. Uns batem bola no campinho; outros pulam na piscina. Os pais, tios, primos, toda a família e os amigos reunidos. Pode ser para confraternizar, para comemorar, para celebrar. Pode ser simples, com poucas opções, pode ser gourmet, mas sempre tem um pão ou arroz, a farofa, o vinagrete ou uma salada. Pode ser acompanhado de cerveja, de suco, de refrigerante. Todos se concentram em volta “dela”, esperando por “ele”. Ela pode ser de alvenaria, à bafo, elétrica. Ele pode ser de boi, de porco, de frango. Que brasileiro vive sem o bom e velho churrasco? Tradição cultural e gastronômica, que marca a celebração da vida, de conquistas ou apenas a passagem de mais um final de semana. Você pega uma carne gordurosa e saborosa e, ao mesmo tempo, está morrendo de calor. O que poucos sabem é que, ao comer essa carne, você está contribuindo com a elevada temperatura que assola o Brasil. É o que sugere o estudo “Changing climate, changing diets” (Mudando o clima, mudando a dieta).
Em 2009, um grupo de pesquisadores brasileiros ligados ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais concluiu que a pecuária poderia ser responsável por quase 50% da emissão de gases do efeito estufa. Através de dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, este estudo britânico, divulgado em 24 de novembro de 2015, diz que a criação de animais para abate ou produção de leite e ovos responde por 15% das emissões globais de gases do efeito estufa. Ainda segundo o estudo, seria possível reduzir essa emissão de gases através da adoção de uma dieta considerada sustentável – com níveis moderados de consumo de carne vermelha – podendo contribuir com um quarto da meta global de cortes na emissão de gases causadores do efeito estufa até 2050.
Considerando que, segundo o Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística, o Brasil tem 209 milhões de bovinos, o maior rebanho comercial do mundo e que o valor bruto da produção pecuária atingirá 195 bilhões de reais em 2015, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a questão é: abdicaremos da carne vermelha em prol do meio ambiente? Este é apenas um exemplo das modificações que estão por vir no cardápio brasileiro diante das mudanças climáticas.
Este assunto esteve em pauta na França, entre os dias 31 de novembro e 12 de dezembro, na Maior conferência do Clima da história (COP 21), com 195 países. Foi firmado um acordo entre os participantes, com poder de lei global, para combater os efeitos do aumento da temperatura. Entre as principais resoluções estão a limitação do aquecimento do planeta em, no máximo 2ºC até 2100, com esforços para limitar em 1,5 ºC. Desde a Revolução Industrial, o aumento de temperatura global foi de 0,85ºC. Até a marca de 1,5ºC, portanto, resta apenas 0,65ºC. Porém, para atingir essa meta, será necessário mudanças radicais, como defende o pesquisador italiano Sandro Federici: “Precisamos mudar o nosso estilo de vida, comer menos carne, usar menos o carro, morar em casas eficientes, fazer uma revolução energética renovável, sermos positivos, cuidar e se importar mais com os outros: uma transformação cultural”. Até 2025, O Brasil se comprometeu a cortar 37% da emissão de gases de efeito estufa (GEE) em relação ao ano de 2005. Em 2005, a emissão de GEE foi de 2.032.260 milhares de toneladas de carbono equivalente.
Entre as outras resoluções da COP 21, estão a revisão do acordo a cada 5 anos a partir de 2020 e o repasse de 100 bilhões de dólares por ano dos países ricos para os países em desenvolvimento. Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ e cientista do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, destaca que, demorou quase 20 anos, desde o protocolo de Kyoto (1998) – que entrou em vigor em 2005 – para que fizéssemos um novo acordo que o substituísse. “Kyoto pensava o mundo até 2020 e agora está na hora de pensar o mundo lá pra frente. Pela primeira vez, 195 países, com interesses mais diversos possíveis, concordam em algo que os cientistas falavam que tinha que ser concordado.”
HÁBITOS ALIMENTARES
O hábito alimentar do brasileiro foi se formando através da existência de muitas raças que aqui chegaram juntamente com os indígenas que aqui viviam. “Cada uma delas foi desenvolvendo características e peculiaridades. Cada região desenvolveu uma culinária própria devido à disponibilidade de alimentos e climas” – explica a nutricionista Dra. Eliane Petean Arena. Ela complementa apontando que, hoje, no entanto, devido a mudanças econômicas, sociais, demográficas e ambientais, há uma modificação na dieta dos brasileiros, caracterizada pelos altos teores de gordura – principalmente de origem animal – alto consumo de açucares e alimentos refinados e com baixos teores de carboidratos complexos e fibras. “A alimentação dos nossos dias tem se mostrado altamente calórica, deixando à desejar valores nutricionais importantes a nossa saúde. Tudo isso acarretando um aumento de diabetes, hipertensão e doenças do coração e um aumento enorme da obesidade que tem afetado pessoas de todas as idades.”
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Entre 1880 e 2012, a média de temperatura global aumentou 0,85ºC. O nível dos oceanos subiu 19 centímetros entre 1901 e 2010. É o que indica o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC – sigla em inglês) da ONU, publicado em 2014. O relatório também faz projeções alertando que, nos próximos 100 anos, poderá haver um aumento na temperatura média global de até 4ºC. O nível do mar poderá subir em até 0,59 metros, afetando diretamente ecossistemas e cidades litorâneas.
Ondas de calor estão cada vez mais frequentes em partes da Europa, Ásia e Austrália. As alterações climáticas vão favorecer o acontecimento de eventos extremos, potencializando períodos de estiagem e de baixa temperatura, além de aumentar a incidência de tsunamis, furacões, incêndios e tempestades tropicais.
Os impactos causados pelas mudanças climáticas em países em desenvolvimento são maiores. “Eles terão maiores dificuldades de adaptação às mudanças climáticas, devido ao menor desenvolvimento tecnológico e aos poucos recursos disponíveis para a adoção de medidas”, diz estudo da Embrapa na publicação “Impactos das mudanças climáticas sobre doenças de importantes culturas no Brasil”. Para o Brasil, o estudo prevê que “em geral, a temperatura média aumentará, porém esses acréscimos não serão uniformes para todo o país”.
As consequências que afetam a saúde do indivíduo devem sim, ser consideradas e precavidas, como várias campanhas do Ministério da Saúde tentam fazer, mas, não só o excesso de gorduras e açucares é um problema. Segundo o Greenpeace, as mudanças climáticas podem colocar mais de 600 milhões de pessoas em situação de fome até 2080. “Mesmo que o aumento na temperatura global não supere os 2°C, um em cada sete habitantes do planeta vai enfrentar reduções na oferta de água. É provável que os efeitos adversos causem um impacto grande sobre os mais pobres – sobretudo sobre mulheres, meninas, povos indígenas e outros grupos em desvantagem por conta da discriminação.” – divulgou a organização em seu site após as decisões da COP 21. Klaudio Cóffani, professor, geógrafo e advogado ambientalista, complementa: “Nós temos tecnologia e competência para aumentar a produção agrícola de inúmeros produtos ao longo dos tempos. Porém, o maior problema é fazer isso em condições econômicas que possibilitem à população mais pobre ter alimentos, porque quem tem dinheiro sempre pode comer. E o grande problema é que a população do planeta chegará a 9 bilhões de habitantes num período em que haverá chuvas e secas que provocarão quedas drásticas, como já aconteceu há poucos anos, quando a produção caiu 30% e gerou desespero em inúmeros países do mundo. Correria, aumento de preço, fome… Esse é um problema seríssimo que nós vamos enfrentar.”
Além das questões econômicas envolvidas, Klaudio ressalta que as mudanças climáticas causarão impactos na produção agrícola, já que alteram o regime de chuvas e a temperatura. “Não temos certeza sobre qual alimento específico sofrerá as consequências, porém grande parte dos produtos agrícolas serão afetados e, em períodos diferentes, isso afetará drasticamente a alimentação dos brasileiros, seja pela ocorrência de chuvas torrenciais nos períodos de verão, que podem destruir safras inteiras de verduras e legumes, como pode ocorrer secas extensas que pode acabar com a safra de milho e de outros produtos.” – explica o professor. Klaudio cita o caso do Paraná, onde o governador reconheceu que o estado perdeu 17% da sua produção agrícola em decorrência de mudanças climáticas. Por enquanto, sentimos esses impactos no bolso. Quem não se lembra do aumento do preço do tomate em 2012/2013? Klaudio não acredita que alguns produtos deixarão de ser produzidos, devido as boas perspectivas do uso da tecnologia, mas afirma que alguns produtos ficarão muito caros a ponto de não serem mais consumidos pela população.
O documento “Alcançar segurança alimentar face às mudanças climáticas” da Comissão para a Agricultura Sustentável e Mudanças Climáticas complementa a defesa de Klaudio e do Greenpeace. Segundo ele “nas próximas décadas, a mudança climática global terá um efeito adverso total na produção agrícola e levar-nos-á em direção, e talvez para além, dos limiares críticos em muitas regiões”.
Não só a agricultura será afetada. Tim Radford, em matéria publicada no site Climate News Network, alerta para uma ameaça à espécies marinhas devido ao aumento dos níveis de dióxido de carbono, que acidifica águas e aumenta as temperaturas do mundo. O salmão é um item propenso a desaparecer dos cardápios. “Mexilhões, ostras e vieiras poderão todos se tornar mais escassos e mais caros com os mares se tornando mais ácidos. E com as águas do mundo mais quente, peixes vão começar a migrar para longe de seus habitats a um ritmo cada vez maior.” – reportou Tim.
E as mudanças climáticas não representam apenas a diminuição dos alimentos. Elas podem proporcionar o contrário. “Já se sabe que em locais como a Patagônia (região semi-árida), terá aumento da quantidade de chuvas, então, haverá aumento da produção agrícola. E no momento de investimento é que os agricultores vão definir quais tipos de produtos que vão dar mais lucratividade para eles.” – explica Klaudio. Por outro lado, no semi-árido brasileiro, na região Nordeste, a perspectiva de aumento da temperatura é de 3 a 8 graus celsius, o que significa que ficará ainda mais difícil o cultivo agrícola.
CARDÁPIO FUTURO
Arroz, feijão, milho, soja e trigo, elementos fundamentais da agricultura e do cardápio brasileiro podem ter sua produção diminuída, devido ao aumento da temperatura entre 2020 e 2030. Esse é o resultado de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas e da Embrapa Informática Agropecuária, financiado pelo Banco Mundial, que avaliou 23 modelos computacionais de simulação climática global e regional. Em um cenário otimista, a conhecida fonte de ferro dos brasileiros, o feijão, pode ter sua produção reduzida em 64%; o trigo, 41%. Considerando um cenário pessimista, onde o Brasil não consiga cumprir as metas da COP 21, o feijão pode ter uma queda de 70% e a soja, 24%. Hilton Silveira Pinto, pesquisador da Unicamp e um dos coordenadores do estudo, destaca a queda de outro item com valor histórico e cultural para os brasileiros: o café. “ Vimos claramente que a área plantada de café caiu bastante ou até mesmo desapareceu no noroeste paulista e no sul de Minas Gerais, que sofreram um aumento de temperatura nas últimas décadas”.
Por outro lado, a cana-de-açucar pode ter a sua produção elevada. Mas, será que a tecnologia providenciará alimentos com base na cana? Ou uma alimentação artificial poderia suprir nossas necessidades? Segundo o estudo “Alcançar segurança alimentar face às mudanças climáticas” da Comissão para a Agricultura Sustentável e Mudanças Climáticas, sim. “Os sistemas alimentares devem mudar para melhor satisfazer as necessidades humanas e, a longo prazo, estarem em equilíbrio com os recursos planetários. Isto obrigará a grandes intervenções, a nível local e global, para transformar os padrões atuais de produção, distribuição e consumo de alimentos. Será necessário o investimento, a inovação e o esforço deliberado para capacitar as populações mais vulneráveis do mundo no sentido de construírem um sistema alimentar global que se adapte às mudanças climáticas e garanta a segurança alimentar, ao mesmo tempo que minimize as emissões de gases com efeito de estufa e sustente a nossa base de recursos naturais”. Quanto a uma suplementação artificial, como a carne em pó, por exemplo, a Dra. Eliane Petean explica: “Vejamos que, na natureza, não existem alimentos que contenham apenas um componente. Podemos citar uma laranja. Ela não contém somente a vitamina C, mas outras substâncias. Então, uma alimentação com base em suplementos artificiais não seria adequada ao bom funcionamento do organismo, pois eles causariam um desequilíbrio, já que eles são indicados quando existe uma necessidade do corpo. Os perigos de uma dieta à base de suplementos artificiais é que o uso deles podem apresentar efeitos colaterais.”
A COP 21 e suas resoluções apontam que há, ao menos, o reconhecimento de que as mudanças climáticas gerarão sérios problemas na produção de alimentos. Para o professor Klaudio Coffani, “embora nós tenhamos condições de produzir exportações de mercados globais de alimentos, é necessário ajudar a estabilizar o preço e o suprimento dos alimentos dentro de regiões afetadas. No Nordeste brasileiro vai faltar comida e produção, mais do que já ocorre. Então, nós temos que, identificando tal problema, já trabalhar a produção em outras áreas do Brasil pra mandar para lá, ou já alinhar contratos prévios para comprar do exterior e mandar para lá essa comida. Esse problema de compensar deficiências regionais com alimentos produzidos em outras regiões ocorrerá em todos os lugares do mundo.” Ele aponta essa solução, mas garante que não é uma adaptação estratégica. Se faz necessário o fomento de alterações de consumo na população para que elas comprem mais produtos locais para não ficarem dependentes da produção externa, muito menos da variação de preços. “Assim, é necessário alinhar a política comercial com problemas climáticos e permitir a abertura comercial para enfrentar isso de maneira a não gerar a carência ou elevação drástica dos preços que gera inflação e aumenta da miséria e da fome pelo mundo.” – conclui Cóffani.