Diante de tantos prós e contras, pílula anticoncepcional ainda é um tabu e deixa as mulheres em dúvida: até que ponto o uso nos faz ter controle do nosso próprio corpo?
Por Giovanna Falchetto e Tatiana Olivetto
23 de Junho de 1960, era aprovado nos Estados Unidos da América a primeira pílula contraceptiva do mundo, pela Food and Drug Administration. Denominada Enovid – 10 a pílula representou um marco tanto no âmbito científico quanto na sociedade da época, que ainda enxergava o sexo apenas como meio reprodutor. E por isso, a pílula pode ser considerada o ponto de partida para a Revolução Sexual, representando uma liberdade em relação aos corpos, principalmente para a mulher. Ainda que a pílula não previna doenças sexualmente transmissíveis, o que é válido ressaltar, a segurança de não engravidar involuntariamente era a principal proposta do remédio.
A ideia da proposta surgiu de duas mulheres ligadas ao feminismo. Margaret Sanger e Katherine McCormick são os nomes por trás dessa história, que começou em 1950. A ideia era inventar um método prático que evitasse a gravidez, fosse acessível e seguro. Para dar início às pesquisas, a dupla convidou o cientista Gregory Pincus, que se juntou ao caso. No entanto, toda a pesquisa foi “escondida” pela intenção de que o remédio era para amenizar os sintomas da menstruação, porque até 1965 os métodos contraceptivos eram proibidos nos Estados Unidos, devido à forças religiosas.
A pílula anticoncepcional surgiu trazendo mais liberdade sexual às mulheres e mais controle de seus corpos. (Fonte: Reprodução)
Em 18 de agosto de 1960, 2 meses depois da aprovação, começa a ser comercializado nos Estados Unidos a pílula anticoncepcional. O conceito baseia-se na contracepção através da inibição da ovulação. A reação mundial, no entanto foi bem conservadora, principalmente por questões religiosas. John Rock, ginecologista, pesquisador da Universidade de Harvard e um dos envolvidos na pesquisa recebeu duras críticas e até ataques de católicos da sua diocese.
Várias ações tomadas pelo Vaticano tinham intuito de atrasar o uso do contraceptivo. O papa João XXIII nomeou uma comissão especial para o estudo da população, da família e do nascimento que só fez barulho na sociedade da época, mas não promoveu nenhum estudo de fato. Em 1963, o papa Paulo VI, expandiu a comissão e por 4 anos a comissão oscilou seu posicionamento em relação ao uso da pílula. Até que em 1967, o papa Paulo VI publicou a encíclica Humanae Vitae que proíbe o uso da pílula como método.
Já entre as mulheres, a pílula se tornou um pouco mais popular e seu uso se disseminou rapidamente. Entretanto, alguns efeitos colaterais foram sendo percebidos pelas mulheres e a pílula passou a ser objeto de estudo mais uma vez. Redução de libido, aumento de peso e trombose são alguns dos efeitos colaterais da pílula, já percebidos até agora. O mais sério deles, a trombose tem relação com a quantidade de hormônios que a pílula contém.
A pílula anticoncepcional logo se tornou o método contraceptivo queridinho das mulheres, devido à facilidade de acesso e uso. (Fonte: Reprodução)
Vários casos de trombose por uso da pílula anticoncepcional, especificamente pela presença do hormônio drospirenona na fórmula do remédio foram notificados desde o começo do uso da pílula. Em 2011, uma pesquisa da agência americana FDA, chegou a conclusão de que o uso do anticoncepcional causa um aumento no risco da formação de coágulo sanguíneos, de trombose venosa e tromboembolia pulmonar. Algumas mulheres também podem ter a probabilidade de desenvolverem uma trombose ou AVC muito maior, que são aquelas que se situam no grupo de risco. Dentre elas, destacam-se mulheres fumantes, obesas, sedentárias ou com algum histórico familiar. O ginecologista Hugo Maia Filho explica que os riscos dependem muito da saúde da mulher que faz uso das pílulas: “Os efeitos são causados pelo componente estrogênico ou progestogênico do anticoncepcional. Se a mulher for sensível a alguma das substâncias, pode desenvolver graves doenças”.
Por conta desses casos, muitas mulheres começaram ferrenhas discussões sobre o uso da pílula e hoje várias mulheres deixaram de tomá-la por conta dos efeitos colaterais. As discussões abordam vários temas sobre o fato de que ao invés de dar liberdade para mulher à respeito de seu corpo, o anticoncepcional impõe amarras sobre o corpo da mulher. Algumas ainda apoiam o uso e alegam que preferem a segurança de não se preocuparem com a gravidez.
A estudante Rebecca Sampaio, 22, conta o que pensa sobre a pílula: “Já pensei várias vezes em parar. Como eu disse antes, o anticoncepcional deixa outra sensação no seu corpo, você se sente menos animada pra tudo, principalmente para sexo, mas eu prefiro me prevenir com o que tiver ao meu alcance para não ter risco mesmo de engravidar”. A opinião de Rebecca é também a de muitas mulheres brasileiras. Um estudo feito pelo site “Boa Saúde”, mostra um aumento de 8% nos últimos cinco anos no mercado nacional de comercialização da pílula anticoncepcional. Esse aumento pode ser resultado do crescimento no poder aquisitivo da população e até da maior participação feminina no mercado de trabalho que faz com que algumas mulheres priorizem o desenvolvimento profissional.
Até quando vale a pena continuar?
O uso da pílula anticoncepcional surgiu na vida das mulheres como algo libertador; pela primeira vez, as mulheres poderiam se sentir donas de seus próprios corpos, evitando alguma gravidez indesejada e trazendo uma maior liberdade sexual. O controle da fertilidade fez com que as mulheres pudessem escolher em que momento gerar uma família, controlar menstruação e resolver até outros problemas que podem ser solucionados com o uso contínuo da pílula, como problemas de pele e doenças relacionadas a ovários policísticos.
O uso do anticoncepcional ainda deixa as mulheres em dúvida devido aos seus diversos efeitos colateirais. (Fonte: Healthambition.com)
Porém, cada dia mais aumenta o número de relatos e casos de jovens mulheres que vêm enfrentando diversos problemas relacionados ao uso do anticoncepcional. Além de problemas como aumento de pêlos, perda da libido, aumento de peso e dores nos seios, a pílula anticoncepcional também vêm sendo responsável por diversos casos de trombose, embolia pulmonar e em alguns casos mais graves, pode levar ao quadro de AVC. Mas isso todo mundo já sabe. Mas e no dia a dia, como isso se dá?
Atualmente, um do casos que mais teve repercussão a nível nacional foi da estudante Juliana Pinatti Bardella, no interior de São Paulo, na cidade de Botucatu. A jovem descobriu uma trombose venosa cerebral após muitos anos do uso contínuo do medicamento. O caso veio à tona após a jovem postar seu relato nas redes sociais, viralizando em um curto período de tempo. Mesmo não tendo nenhuma predisposição e não ser do grupo de risco, Juliana ficou internada por cerca de 15 dias. Esse caso serviu de alerta para muitas mulheres. Porém, e os casos invisíveis, que acontecem todos os dias e não ficamos sabendo, como fica?
Cada dia mais as meninas vêm largando mão do uso de anticoncepcional devido aos riscos e às mudanças perceptíveis que a pílula causa no corpo feminino. A estudante Carolina Ferreira, 20 anos resolveu cortar neste ano: “Eu tomei o Yaz durante 5 anos. Esse ano resolvi parar pelos inúmeros efeitos colaterais que eu estava tendo. Libido zero, falta ou até ausência de lubrificação na hora do ato sexual. Além de ter cortado a minha menstruação, estava há 4 meses sem menstruar”. Os efeitos começaram a surgir depois de algum tempo de uso prolongado do remédio. Carolina afirma que “o anticoncepcional só fazia muito bem pra pele”. A jovem iniciou o uso da pílula para melhorar a pele e para evitar a gravidez; porém, se sente muito melhor desde que encerrou o uso e aconselha: “Acima de tudo, tem que ter paciência! Paciência com a pele, paciência com as cólicas, com o fluxo maior. Mas eu me sinto muito melhor, parece que estou sentindo meu corpo de novo sabe? Está sendo muito bom”, diz Carol.
Outro caso mais grave ocorreu com a estudante Clarissa Segala, 21 anos. Depois de um pouco mais de 1 ano de uso da pílula Elani 28, a jovem começou a apresentar um quadro de TEP, ou seja, tromboembolia pulmonar. O principal motivo para iniciar o uso da AC foi a vontade de não menstruar durante os períodos em que ela estava viajando naquele ano. Os sintomas começaram a aparecer em novembro de 2013: “Tudo começou com um cansaço que eu sentia ao fazer o caminho da minha casa até a faculdade, que são apenas uns 4 ou 5 quarteirões e achei mesmo que era por não fazer nenhum exercício físico. Mas, numa terça, dia 26 de novembro eu acordei me sentindo mal mesmo. Era um mal estar muito grande e uma falta de ar que chegava a atrapalhar.” Inicialmente, os médicos pensaram que era um ataque de ansiedade; porém, logo depois deram como causa o uso do anticoncepcional, uma vez que o ultrassom nas pernas e braços não indicaram nada e não havia mais nenhum fator de risco.
A jovem relata o que passou depois que descobriu a gravidade da sua situação: “Fiz muitos exames e a angiotomografia indicou que era TEP. Deram entrada logo em seguida num quarto de UTI, onde fiquei internada por 10 dias. Fiz uso de uma injeção de anticoagulante por todo esse período. Eram duas por dia, aplicadas na barriga. Depois disso, continuei por 6 meses com uso continuo de anti coagulante, até que hoje não tomo mais”. Hoje em dia, Clarissa não faz mais uso da pílula pois não pode mais tomar hormônios, diz ela: “Todos disseram que foi um milagre sobreviver pois os dois pulmões estavam comprometidos e eram coágulos “gigantes””.
A estudante Isabela Zerbinato, 22, também passou por algumas complicações durante seu uso do anticoncepcional. A jovem sofre com problemas de anemia; iniciou o uso da AC para evitar tanta perda de sangue, que fazia com que ela tivesse uma carência de ferro em seu corpo e também para evitar uma gravidez indesejada. Porém, os resultados não foram bons. “ Sempre fui acima do peso e já fazia 1 ano que eu estava tomando a mesma pílula de uso contínuo para o tratamento da minha anemia e para não engravidar. Quando descobri que estava em um início de trombose, foi em agosto de 2016. Minha ginecologista disse que eu estava com o colesterol e o triglicérides muito altos e teria que fazer uma dieta drástica, com uso de medicamentos para diminuir esses índices ou parar de tomar o anticoncepcional. Porém, eu não podia parar com o remédio porque normalmente o fluxo é intenso e minha anemia iria piorar”. Isabela sentiu dores nas pernas e nos braços, dificuldades em fazer atividades de pouco esforço e seu sangue estava bem grosso. Hoje em dia, a jovem ainda continua o uso, mas “tenho que controlar a minha alimentação diariamente e principalmente dar preferência aos alimentos integrais e fazer atividade física todos os dias.”
Esses são alguns dos inúmeros casos que devem existir e que assombram a vida da mulher moderna diariamente. Afinal, a pílula surgiu para trazer maior liberdade, porém vivemos numa constante prisão. Nos tornamos prisioneiras de um medicamento, muitas vezes por um longo período da vida, que trazem malefícios comprovados cientificamente, mas acabamos aceitando. Muitas vezes por medo de uma não eficácia de outros métodos anticoncepcionais, talvez também pela facilidade de acesso, por ser a opção mais barata.
A Ciência explica
A formação da pílula anticoncepcional baseia-se na combinação de hormônios, geralmente progesterona e estrogênio sintéticos que inibem a ovulação, fazendo com que a mulher não ovule, portanto não tenha período fértil. Algumas mudanças também são observadas no muco cervical, fazendo com que não se torne um ambiente confortável para o espermatozóide. O uso do anticoncepcional assegura de 95% a 98% a chance de não engravidar após uma relação sexual. Ao ser questionada sobre o melhor anticoncepcional, a ginecologista Bárbara Murayama afirma: “Muitos fatores devem ser avaliados antes de escolher o melhor método anticoncepcional, desde antecedentes pessoais, como hipertensão arterial, tabagismo, até fatores como cólicas e inchaço” e é por isso que o uso da pílula deve ser feito apenas sob recomendação médica.
Sobre os efeitos colaterais da pílula, o médico ginecologista Domingos Mantelli responde: “O anticoncepcional quando tomado sem a pausa, fará com que a mulher não menstrue, e ao mesmo tempo poderá deixar o ciclo também irregular, podendo ocorrer Spoting sangüíneo ( perda de sangue discreta e irregular) entre os ciclos. Os riscos de ter dores de cabeça e trombose também aumentam. Se a mulher não desejar menstruar mais, deverá procurar um método contraceptivo específico para esse fim, e não ficar tomando o anticoncepcional que deve fazer pausa, continuamente, pois poderá ser prejudicial”. Mesmo depois de uma recomendação médica que aprove o uso da pílula é de extrema importância que haja um acompanhamento regular, exames periódicos para notificar a quantidade de cada hormônio presente no sangue da pessoa e outras informações médicas.
Outras alternativas
Diante das incertezas que o anticoncepcional vêm trazendo cada vez mais à vida das mulheres, existem sempre as alternativas. Principalmente na vida das mais jovens. Enquanto 60% das mulheres com mais de 30 anos usam algum método contraceptivo, entre as jovens de 15 a 24 anos esse índice cai para 22%, de acordo com dados do Fundo de População das Nações Unidas. Mesmo quando há acesso, as questões típicas da idade interferem no uso. Tomar pílula todo dia requer disciplina, requer regras. Exigir camisinha a cada relação sexual demanda autoconfiança — tanto dela quanto dele. Até porque, é nítido casos de homens que preferem fazer sexo sem camisinha e acabam coagindo suas parceiras. Qual a melhor forma de se prevenir?
Existem inúmeros que podem ser utilizados e não possuem nenhuma taxa hormonal. como o diafragma e até o preservativo feminino. Além daqueles considerados de alto risco e, na maioria das vezes, possuem uma taxa de erro muito grande, como a tabelinha e o coito interrompido; métodos que ainda são muito usados, principalmente entre as adolescentes.
Hoje em dia, há muitos estudos e testes que apontam para um novo avanço: o anticoncepcional masculino. Porém, são apenas estudos, e os primeiros testes alegaram efeitos colaterais. Porém, para as mulheres os efeitos colaterais são inúmeros e a venda é liberada. Porque só para as mulheres esse fardo de ter que escolher entre prevenção ou saúde?
Hoje em dia, a alternativa mais eficaz para as mulheres é o DIU ou dispositivo intra – uterino. Define-se por ser um método contraceptivo de longo prazo, sua eficácia pode durar até 10 anos. Sua reversibilidade também é exaltada; após a retirada do dispositivo, a fertilidade volta ao normal. Porém, não é um método que agrada tanto às mulheres, principalmente pelo preço e muitas vezes, o método de se colocar o dispositivo.
Os métodos contraceptivos mais comuns são a pílula e a camisinha, que juntos, previnem DST’s e gravidez indesejada. (Fonte:Reprodução)
É sempre bom ressaltar que esses métodos contraceptivos só são eficazes na hora de se evitar uma gravidez; porém, as doenças sexualmente transmissíveis ainda podem acontecer. É por isso que, aliar o uso da camisinha nas relações sexuais com algum outro método citado são imprescindíveis para um sexo seguro e para evitar uma eventual gravidez indesejada.
Porém, a visita a um médico é essencial. Conhecer nossos corpos é fundamental e, principalmente, cuidar do nosso corpo e mente. Usar ou não pílula anticoncepcional deve ser uma escolha, e não uma imposição da sociedade, que muitas vezes nos deixa vulneráveis a eventuais riscos. Porém, ter responsabilidade e evitar doenças é sempre a melhor opção.