Por: Fernanda Saito e Guilherme Hansen
A Argentina atualmente passa por uma grave crise econômica. Não é a primeira de sua história – o país já passou por uma recessão em 2002 – mas, o que parece é que seus governantes não aprendem. Pelo contrário, estão fadados a repetirem os mesmos erros cometidos pelos seus antecessores.
Os índices da pobreza dos “hermanos” atingiram recentemente a taxa de 32%, a mais alta desde 2001, com 6,7% da população em estado de indigência. A inflação, só no primeiro trimestre deste ano, já atingiu um índice de 11,8%, sem contar o acumulado em um ano, que totaliza 54,7%
Para tentar contornar a situação, o presidente Maurício Macri, do Proposta Republicana, diminuiu pela metade o número de ministérios, além de impostos para os exportadores argentinos. No caso, as exportações de matérias primas e de serviços serão taxadas em quatro dólares por produto exportado. Já para os produtos manufaturados, serão três dólares por produto.
Ademais, Macri instituiu mais um congelamento de preços, o décimo-primeiro em 46 anos. Iniciado no último dia 22 de abril, produtos como leite, ovos e carne bovina terão seus preços segurados para evitar mais aumentos.
Vale ressaltar que o presidente Macri defende um modelo liberal de economia, com uma visão ortodoxa, que prega que o Estado não deve intervir na economia. Apesar disso, medidas como a do congelamento só mostram o despreparo do governo argentino diante das necessidades de seu povo. Embora já tenha criticado, por exemplo, a sua antecessora, Cristina Kirchner, que também congelou preços durante seu governo (2007-2015), ele não mostra maior destreza ao fazer as mesmas coisas em seu governo.
Isso porque a medida de congelar preços, embora benéfica a curto prazo, pode trazer malefícios no futuro. De acordo com a lei de oferta e procura, o barateamento de um produto é um sinal de sua extensa produção, o que não ocorre no congelamento de preços. Ao tomar este tipo de decisão, Macri não só compromete a produção econômica do próprio país, como também a de seus parceiros comerciais, como o Brasil.
Potenciais do país
A situação crítica não corresponde ao histórico da Argentina, que já foi considerada como um dos países mais ricos do mundo durante o início do século XX, com uma população relativa a da Alemanha e da França. A força do país se apresenta nos três setores: O setor agrícola tem sua relevância, representando 5,6% do PIB do país e se destacando nos ramos da pecuária, cereais (trigo, milho e soja), frutas cítricas, tabaco, chá e uvas. Incluindo ainda recursos energéticos como soja e cana (biocombustíveis), gás natural, xisto, lítio e petróleo. O setor industrial representa 21,8% do PIB e emprega um quarto da população. As principais indústrias do país são de embalagens alimentícias e moagem, bem como a produção de veículos automotores, autopeças, bens de consumo duráveis, têxteis, produtos químicos e petroquímicos, farmacêuticos, impressão, metalurgia e aço, maquinários e eletrônicos. O terceiro setor, ou o setor de serviços, representa 57% do PIB e emprega três quartos da população. Serviços de tecnologia (softwares, centrais de atendimento telefônico e energia nuclear) juntamente com o turismo, são os destaques.
Recursos naturais e qualificação da população não é o que falta no país, sendo assim, a sequência de mudanças radicais no modelo econômico que os governos adotaram, em junção com o contexto externo, foi o combo perfeito para gerar a crise que está bem instalada.
Desafios e dificuldades
Macri não fez uma boa leitura do contexto internacional. Com o posicionamento livre-cambista, o político priorizou uma agenda que “voltava o país ao mundo” enquanto o protecionismo extremo predomina nos países que são interessantes para negociar.
A questão se mostra mais ainda como má gestão pensando que Macri insiste na dependência do financiamento de mercados internacionais sabendo que a vulnerabilidade da Argentina só poderia aumentar. Assim, quando os Estados Unidos elevaram suas taxas de juros, o peso – moeda oficial da Argentina – caiu, quando Donald Trump decretou novas tarifas ao alumínio, o mesmo aconteceu e a crise da Turquia também levou a mesma coisa. O que estiver por vir tenderá a mesma consequência.
Macri defende seu governo afirmando que o mundo não acompanhou o país, apesar disso, os dados são claros e nenhuma outra moeda de mercado emergente sofre tanto quanto a argentina, gerando tensão financeira e política em nível global.
Brasil x Argentina
As negociações com o país vizinho também sofre devido à crise. A Argentina é um dos principais parceiros comerciais do Brasil e representa um comprador de peso no setor de veículos. De forma geral, o consumo dos produtos brasileiros é grande, ocupando o terceiro lugar entre os principais importadores do país, perdendo apenas para China e Estados Unidos.
Outra contribuição relevante é o turismo, com a diminuição do poder aquisitivo dos argentinos, a população diminui viagens para o país vizinho. Para melhorar, o Brasil não vive seu melhor momento econômico e não será uma estratégia apostar no país com um déficit comercial de U$S 1,1 bilhão (aproximadamente R$ 4,4 bilhões de reais, cerca de 65% do valor final do PIB brasileiro em 2018).
A tendência é que o Brasil se distancie cada vez mais dos acordos com a Argentina e também relacionados ao bloco. O governo Bolsonaro, Partido Social Liberal, já afirmou após a posse que o Mercosul não é prioridade nas relações exteriores, se aproximando de países com planos mais liberais, da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru).
O futuro é incerto e a dúvida sobre a volta de Cristina Kirchner, Unidade Cidadã, ou a manutenção do governo Macri paira sobre a população. Algumas soluções são possíveis diante de tal crise: a impressão de papel-moeda (com o risco de pressionar a inflação), o aumento da dívida (com o risco de chegar a uma situação limite em que o país não dê mais conta de pagar) ou elevar os impostos, o que é um problema por conter uma das cargas tributárias mais altas da região. O que tudo indica é que a situação da Argentina permanecerá nesse entrave por tempo indeterminado.
Com a fragilidade econômica que vem passando, suas negociações estão travadas, tanto com o Brasil, pois um acordo de livre-comércio que seria fechado entre os dois países no próximo ano não vai mais sair do papel (ambos os países têm um comércio relativo ao setor automotivo), quanto com o Mercosul, cuja negociação com a União Europeia já está travada há mais de vinte anos e continuará empacada devido ao péssimo momento financeiro do país.
Embora não seja o único país do bloco com crise econômica, vide o que ocorre com a Venezuela, por exemplo, a Argentina novamente parece ir ao mesmo caminho de Carlos Menem, que governou o país entre 1989 e 1999. Embora tenha reduzido os índices de inflação a quase zero, o modelo de privatizações que implantou durante o governo provocou desemprego, queda na competitividade da indústria argentina frente ao mercado internacional, além de aumentar os índices de pobreza. É aguardar pra ver e esperar tanto que a Argentina passe pelas mesmas situações que viveu no passado, quanto que o Brasil pule do barco, tanto por questões econômicas, mas contudo, ideológicas.