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Arrocho salarial: a contramão do ensino superior público de qualidade

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Universidades estaduais de São Paulo têm mais um ano de repasses de verbas insuficientes para sua manutenção
“Quase 4 salários! É o que você perdeu em três anos de arrocho salarial” são os dizeres que estampam uma das capas do site do Sindicato dos Trabalhadores da Unesp, o Sintunesp. Os servidores técnicos que fazem parte do sindicato exigem um aumento salarial que acompanhe a inflação, o que não ocorre desde maio de 2015.
Nos últimos três anos, o reajuste proposto pela reitoria fez com que os trabalhadores perdessem seu poder aquisitivo. Segundo o Boletim do Fórum das Seis – órgão que compreende os sindicatos de servidores e professores das três universidades estaduais do estado de São Paulo: USP, Unesp e Unicamp – para que ocorra um reajuste que equipare o poder aquisitivo dos colaboradores das universidades ao seu poder de consumo em maio de 2015, em conformidade com o Índice de Custo de Vida (ICV) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), seria necessário um índice de 12,66% na USP e Unicamp e de 16,04% na Unesp.
Nas três universidades, o salário de professores e funcionários é pago a partir de uma quota parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) arrecadado no estado de São Paulo. Desde 1994, a quota parte destinada a esse fim corresponde a 9,57% da arrecadação do ICMS. É com esse repasse que as universidades cobrem todos os seus gastos, desde a folha de pagamento de professores e funcionários às políticas de permanência estudantil.
Entretanto, essa distribuição não é feita integralmente às Universidades como afirma Thiago Tozi, servidor técnico da Unesp em Bauru. “A reitoria usa o termo pessoal e reflexos a tudo que se refere aos pagamentos e salários. E toda verba dessa alínea vem do ICMS do estado. No entanto, o estado da uma descontada antes de passar, no sindicato e no Fórum das Seis nós usamos a expressão ‘calote’, porque antes de passar a quota parte, ele desconta valores referentes a habitação, a juros referentes a dívidas, então ele tira do total do ICMS esses valores e aí sim calcula o repasse para as universidades”, declara.
Conforme o Boletim do Fórum das Seis, esse calote pode representar uma quantia bem expressiva. “De 2014 a 2017, o governo retirou indevidamente da base de cálculo do ICMS quota-parte do estado um montante de R$ 12,95 bilhões, relativo a 24 alíneas que são desconsideradas (juros, multas de mora, Habitação etc.). Isso significa que, em quatro anos, as universidades deixaram de receber cerca de R$ 1,23 bilhão (9,57% da quota – parte do estado)”, expõe. Ainda segundo o boletim, o governo nunca deu explicações sobre as razões pelas quais essa verba tenha sido retirada dos cálculos, o que tampouco foi cobrado pelos reitores que, segundo o boletim, “mostra o descaso dos nossos reitores para com as universidades que dirigem e sua subserviência ao governo do estado […] dando sua valiosa contribuição aos governos estadual e federal para a degradação do serviço público”

Não é o bastante

Segundo Thiago, o entendimento do Fórum das seis e, após muitos debates, do Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo, é que essa verba já não é mais suficiente. Durante os 24 anos em que o repasse é mantido em 9,57% do ICMS, as universidades cresceram de maneira desenfreada e mal planejada, de forma que essa verba já não consegue cobrir todos os seus gastos. “Esse percentual foi estabelecido em 1994, então desde que o PSDB assumiu o governo do estado, e a partir de então o percentual se manteve o mesmo, mas as universidades não se mantiveram as mesmas, elas aumentaram”. O trabalhador explica que elas expandiram, seja em número de campi, seja no de cursos, alunos e pós-graduandos, então hoje o repasse é insuficiente. “Nós (o fórum) brigamos há anos, décadas para que o repasse aumente para um valor, o fórum usou toda uma fórmula para calcular, o valor de 11,6% da cota parte do ICMS, sem os descontos que o governo do estado faz antes de nos repassar. Isso é parte da pauta unificada das três universidades”.
A expansão das universidades acabou por criar um problema de difícil solução: como manter uma universidade pública de qualidade – apoiada no tripé ensino-pesquisa-extensão – com uma verba que havia sido calculada para instituições bem menores. Um dos problemas para o aumento do repasse é que ele precisa ser aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo, que não se mostra muito favorável a esse aumento. Segundo Thiago, “é uma questão difícil porque o governo de São Paulo tem maioria na Alesp, então é algo difícil de mudar, a gente não enxerga vontade política do governo do estado para aumentar o repasse que a gente entende que é insuficiente e também não tem uma pressão assim dos reitores sobre o governador pra tentar aumentar também esse repasse”. A Cruesp e a reitoria, afirma Thiago, embora concordem com o problema de financiamento das faculdades, calculam que a saída seja um repasse menor do que os 11,67% exigidos pelo Fórum das Seis.

Plano de Sustentabilidade Orçamentaria

As consequências do não aumento do repasse são diversas. A precarização do ensino público é uma delas. As universidades deixam de contratar professores e o quadro de funcionários não é renovado, a permanência estudantil fica em risco e o desmonte da universidade cada vez mais evidente. “Nós estamos há dois anos sem reajustes salariais, com salários congelados sem reposição de quadros de funcionários (pessoas que aposentam, falecem ou saem da universidade em busca de algo melhor e não é reposto), sem plano de carreira, então a gente entende que a pec vai significar sim mais arrocho salarial nós não fomos convencidos do contrário”, comenta. Em meio a isso, a resposta da reitoria foi propor novas diretrizes orçamentarias, que estão sendo chamadas de PEC do fim do mundo. O Plano de Sustentabilidade Orçamentária tenta regular os gastos a nova dimensão que a Unesp tomou. Entretanto, os trabalhadores não se mostram muito favoráveis a essa nova medida.
Thiago afirma que o Fórum das Seis não compactua com as propostas realizadas pela reitoria. “Nós entendemos que a PEC tenta ajustar o financiamento da universidade a uma realidade que foi criada sobretudo pelas expansões desordenadas. E esse é caminho oposto do que nós acreditamos que tem que ser feito, que é se buscar mais verbas para as universidades, então a reitoria abre mão disso e tenta se ajustar a realidade dessas expansões desordenadas e mal planejadas feitas principalmente depois dos anos 2000, tenta ajustar essa realidade ao repasse que é dado a ela”, declara.
No entanto, o servidor deixa clara a posição dos sindicatos frente ao movimento de crescimento espacial da universidade pública no país “uma coisa que a gente faz questão de ressaltar é que nós não somos contra a expansão, nós queremos um ensino público realmente capilarizado pelo estado de São Paulo e pelo Brasil, mas nós queremos uma expansão planejada, com aporte financeiro e não é o que aconteceu”.
 
Texto e entrevistas: Angelo Cherubini
Matheus Souza
Nathalia Cunha

Redação

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