Escreva para pesquisar

Compartilhe

Estudantes e pesquisadores de humanas lutam para conseguir reconhecimento público e familiar em sua área de trabalho.

Por Ana Raquel Mangili, Jorge Salhani e Tamiris Volcean

O período pré-vestibular é considerado, para muitos brasileiros, uma das fases mais conflituosas da vida acadêmica. O processo de seleção, no Brasil, obriga o estudante a escolher sua carreira logo após o término do Ensino Médio, o que gera dúvidas e insegurança, principalmente naqueles que decidem seguir por caminhos não tão convencionais.

Julia Pacheco Fanton tem 25 anos e, atualmente, é estudante de psicologia. Conta que, inicialmente, não sabia o que cursar. Influenciada pelo ambiente de estudo, no cursinho preparatório para a universidade, deixou o desejo de ser psicóloga de lado para se dedicar à escolha de carreiras tradicionais, como a medicina e a engenharia. Foi aprovada na Universidade Federal do ABC (UFABC), iniciando os estudos em um curso de bacharelado interdisciplinar, na área de exatas.

“Acho que minha escolha foi muito influenciada pelo status e pela facilidade e gosto que sempre tive nessa área. Sempre gostei de estudar matemática e física, porém não me via trabalhando com nada disso”, conta a estudante.

A incerteza em construir uma carreira na área de humanas a fez percorrer um caminho maior até se encontrar profissionalmente. Quando questionada sobre o caminho a ser percorrido para que possamos nivelar todas as profissões no Brasil, independentemente da área de atuação, Julia comenta que “medidas devem ser tomadas em todas as esferas: o ensino de exatas deve ser estruturado de uma forma mais acessível, de modo que as pessoas não sejam segregadas em ‘as que sabem humanas versus as que sabem exatas'”. Ela acrescenta ainda que, ao longo da formação, “as pessoas devem ser instruídas sobre as profissões, já que é muito distante o que se aprende na escola e o que se aprende na faculdade. Por outro lado, acredito que a pesquisa, no campo de humanas, deve ser mais estruturada, mais pensada e elaborada de forma a retornar, de alguma forma, para a comunidade”.

Para os que, desde os primeiros anos escolares, têm a certeza de identificação com uma profissão na área de humanas, não é fácil lidar com a pressão. Diana Reghini Vanderlei é formada em Rádio e TV pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e conta que sempre foi apaixonada por literatura e gramática. Desde o início, apresentou tendência para o curso de letras, mas, por apresentar notas excelentes, foi desencorajada a seguir na carreira.

“Ouvi várias vezes de professores, especialmente de exatas, que prestar vestibular para letras era um ‘desperdício de inteligência’. Um conselho recorrente dos meus professores era ‘presta alguma coisa mais difícil, se você entrar e não gostar pode desistir e prestar letras, porque letras é fácil de passar’. Ouvia dos meus amigos com frequência, também, ‘Letras? Mas você quer ser professora?’ e ‘Letras? Vai morrer de fome'”, desabafa.

É preciso, acima de tudo, disseminar a ideia de que existem vários tipos de inteligência para que nenhum estudante sinta-se inferiorizado pelas suas afinidades e talentos pessoais.

As piadas em torno das carreiras de humanas tornam-se também frequentes, principalmente nas salas dos cursinhos preparatórios, o que inferioriza o talento e a escolha dos que tendem para esta área. Para Diana, o que mais a assustou, durante o período de escolha, foi a ameaça da falta de emprego, presente nos discursos dos familiares e amigos.

“Eu ouvia muito que eu estudaria muito para ganhar quase nada. Mas hoje percebo que o que me fez desistir não foi o medo do futuro na área, mas sim o medo de ser vista como inferior aos amigos que passaram em engenharia e medicina”, finaliza a radialista.

As entrevistadas afirmam que é preciso reconhecer a importância de todas as áreas de ensino e tratá-las de maneira igualitária. É importante que os estudantes sejam incentivados a escolher a área que mais se identificam, sem enfrentarem preconceitos e julgamentos prévios. É preciso, acima de tudo, disseminar a ideia de que existem vários tipos de inteligência para que nenhum estudante sinta-se inferiorizado pelas suas afinidades e talentos pessoais.

O preconceito com as profissões da área são também atrelados à falta de investimento, principalmente nas pesquisas e carreiras acadêmicas, que apresentam menos oportunidades de bolsas, intercâmbios e verbas destinadas à eventos acadêmicos e publicações.

Como é fazer um curso de graduação na área de humanas?

Fernanda Cavenaghi, aluna do terceiro ano de design na UNESP, relembra um episódio marcante ocorrido durante uma reunião de família. “Já ouvi comentários assim várias vezes, mas a pior de todas foi quando um parente meu virou para mim e falou: ‘olha seu primo, que inteligente, faz direito… E você, eu nem consigo entender o que faz!'”.

Fernanda começou a se engajar na pesquisa no ano de 2015, quando se interessou pela área da tipografia inclusiva e recebeu Bolsa de Apoio Acadêmico e Extensão da própria universidade por quatro meses. Após esse período, resolveu tentar auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e ainda está à espera de uma resposta. “Vou continuar a pesquisa de qualquer forma, recebendo ou não a bolsa. Na verdade, eu acho que tive até sorte de conseguir o auxílio anterior, porque a maioria das pessoas que conheço do curso nem isso consegue. E pesquisa é uma coisa que demanda equipamentos, livros que a gente não acha online e tempo, também, então o auxílio é uma grande ajuda”, diz a aluna.

No caso da pós-graduação, a situação de não receber bolsa para pesquisa torna ainda mais complicada a rotina do estudante, já que, nessa etapa da vida, é mais comum que ele procure se sustentar por conta própria. Daiane Santana, mestranda em comunicação da UNESP, relata que a dificuldade maior é conseguir conciliar o tempo diário do trabalho com os estudos. “Gostaria de ter mais tempo para me dedicar apenas à pesquisa, mas já estou com 26 anos e minha família não poderia me bancar. Você tem que ter muita disciplina para poder fazer as leituras, e não só isso, tem que produzir academicamente também. Querendo ou não, o trabalho consome grande parte do dia e das energias de uma pessoa”.

Além da dificuldade para se conseguir auxílios para pesquisas, outro problema comum na área de humanidades é a falta de verbas para projetos de  extensão e empresas juniores das universidades. Victoria Alves, aluna de Rádio e TV da UNESP, e atuante, de 2014 a 2016, na Locomotiva, empresa júnior do curso, conta que, devido a uma mudança no sistema avaliativo da PROEX (Pró-Reitoria de Extensão), o grupo perdeu os auxílios que recebia até então. “Enquanto eu fazia parte da empresa júnior, passamos por uma troca na categoria. Antes recebíamos verba da PROEX por sermos considerados um projeto de extensão, e no ano de 2014 fomos zerados no questionário que classifica os projetos para receber bolsas. É muito complicado porque, quando se trata de analisar os projetos relacionados a humanidades, usam-se critérios gerais e não específicos, o que ocasiona um desentendimento entre avaliador e avaliado, e quase sempre também uma desvalorização das propostas”.

Jade Coelho, também aluna de Rádio e TV e atual integrante da Locomotiva, diz que, com a criação de um projeto recente dentro da empresa júnior, o grupo recebeu uma nova bolsa, auxiliando, de certa forma, na manutenção da Locomotiva. “Começamos um projeto social, em parceira com o PET-RTV (Programa de Educação Tutorial), que chama ComunicaNER, em que ensinamos crianças de escolas mais carentes sobre o mundo audiovisual. Inscrevemos esse projeto e conseguimos uma bolsa com ele, que é o que nos tem mantido até agora”.

Essa questão da falta de verbas na área atinge inclusive professores. Tiago Costa Sanches é professor universitário de história em Foz do Iguaçu, e já se deparou com a ausência de recursos para aulas práticas de sua disciplina, tendo que custear por conta própria as atividades de ensino e pesquisa. “Acredito que a desvalorização dos cursos de humanas não é recente. Mas, neste governo, as verbas para pesquisa devem diminuir ainda mais. Percebe-se um processo de privatização das universidades e, com isso, os cursos que não geram lucros financeiros diretos terão mais dificuldades de financiamento”, explica.

Tem pesquisa na área, sim!

Guilherme Louzada não sabia, ao entrar na universidade, que o curso de letras lhe ofereceria a oportunidade de seguir carreira na área acadêmica. Assim como diversos outros estudantes de cursos de humanidades, imaginou que, logo após receber o seu diploma, colocaria os pés no mercado de trabalho.

O caminho trilhado por ele foi diferente, entretanto, do imaginado pelo Guilherme calouro, no ano de 2011. Sua paixão por literatura e por mitologia o motivou a participar de um grupo de estudos sobre a série de livros “Percy Jackson e os Olimpianos”, o que resultou, posteriormente, em seu projeto de iniciação científica.

“Fichar alguns livros de literatura teen”. Foi assim que um pesquisador da área de biológicas sumarizou o trabalho de Guilherme. “Isso demonstra a descrença de que o que fazemos [pesquisadores de cursos de humanas] é pesquisa”, afirma ele. O pesquisador comenta que esse descaso em relação às ciências humanas precisa ser discutido, a fim de eliminar o estranhamento causado pelas pesquisas nessa área.

Mariana Carrion Teodoro, estudante de radialismo da UNESP, comenta que também já sentiu estranhamento em relação ao tema de sua iniciação científica: a música pop coreana, ou k-pop. Mariana considerou estudar o tema por, além de gostar desse gênero musical, ver sua recente popularização, ainda pouco estudada.

Da mesma maneira que Guilherme, Mariana tomou conhecimento das possibilidades de se fazer pesquisa após ingressar na faculdade: “entrando em contato com as matérias, vi que o campo da comunicação era bem amplo, com questões referentes ao cotidiano do ser humano”.

A falta de conhecimento é um reflexo dos números da produção científica brasileira em alguns campos específicos. Pesquisas como a de Guilherme são financiadas pela FAPESP com menor frequência: das 118.342 bolsas já concedidas para pesquisas em âmbito brasileiro, apenas 4,3% são destinadas à área de Linguística, Letras e Artes, enquanto 22,6% dos recursos vão para as ciências biológicas, 16,5% para as ciências exatas e da terra e 16,4% para pesquisas em ciências da saúde.

Na área de ciências humanas, que representam 10,9% do total dos recursos da FAPESP, as subáreas de pesquisa mais comuns são psicologia, história e educação. Arquitetura e urbanismo, direito e economia são as subáreas com investimentos mais frequentes nas ciências sociais aplicadas, que representam 4,8% do total das bolsas no país.

Os números de artigos brasileiros publicados em periódicos científicos na área de humanidades e em outras áreas também são díspares. Dados levantados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação mostram que, em 2012, medicina e ciências biológicas e agrárias foram as áreas com mais artigos publicados: 12.651 e 10.186, respectivamente. Os artigos de artes e ciências humanas somaram 784, enquanto em ciências sociais foram 2.547.

infografico-especializado

Infográfico: Jorge Salhani

Guilherme Louzada atualmente integra o programa de pós-graduação em letras da UNESP de São José do Rio Preto, onde desenvolve sua pesquisa com auxílio da FAPESP. Apesar dos dados denotarem que a assiduidade das pesquisas em humanidades é menor, o pesquisador comenta que, ainda assim, as agências de fomento à pesquisa demonstram interesse em certas áreas, como projetos que trabalham com línguas indígenas, com literatura de massas ou com o ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras.

Em seu projeto de mestrado, Louzada investiga a saga “Jogos Vorazes”. Ele comenta que a literatura infanto-juvenil é um trabalho social expressivo e não superficial, como acreditam muitas pessoas. Guilherme ainda destaca a presença de uma mulher como a protagonista nos livros, o que era raro na Antiguidade Clássica, evidenciando o papel da mulher na sociedade atual e a luta pela igualdade de gêneros.

Mariana Teodoro afirma que sua pesquisa sobre o pop coreano agrega conhecimento em tópicos como identidade, indústria cultural e globalização. Ela ressalta a importância do fã em uma comunidade global, onde há um intercâmbio de cultura e informações entre pessoas de diversas partes do mundo.

Mesmo concordando que exista um desapreço acadêmico pelas pesquisas em ciências humanas, Mariana atribui parte da causa do desconhecimento aos próprios pesquisadores: “é papel, também, do pesquisador arranjar formas de levar sua pesquisa até a sociedade”.

“Todas essas pesquisas”, conclui Louzada, “apenas reafirmam que letras, e qualquer outro curso da área de humanas, como o jornalismo, fazem pesquisas tão boas, eficientes e preocupadas com a sociedade como pesquisas das biológicas ou exatas”.

Tags::
Redação

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Nam quis venenatis ligula, a venenatis ex. In ut ante vel eros rhoncus sollicitudin. Quisque tristique odio ipsum, id accumsan nisi faucibus at. Suspendisse fermentum, felis sed suscipit aliquet, quam massa aliquam nibh, vitae cursus magna metus a odio. Vestibulum convallis cursus leo, non dictum ipsum condimentum et. Duis rutrum felis nec faucibus feugiat. Nam dapibus quam magna, vel blandit purus dapibus in. Donec consequat eleifend porta. Etiam suscipit dolor non leo ullamcorper elementum. Orci varius natoque penatibus et magnis dis parturient montes, nascetur ridiculus mus. Mauris imperdiet arcu lacus, sit amet congue enim finibus eu. Morbi pharetra sodales maximus. Integer vitae risus vitae arcu mattis varius. Pellentesque massa nisl, blandit non leo eu, molestie auctor sapien.

    1

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *