Expectativa. Essa era palavra principal que definia a abertura da Agrishow 2018 (evento que ocorreu de 30 de abril a 4 de maio deste ano), a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, além de terceira maior do mundo. Esses títulos não são por acaso: a exposição – localizada no município de Ribeirão Preto, distante 316 quilômetros de São Paulo – é palco dos principais lançamentos e tendências do setor agropecuário, funcionando como um termômetro desse ramo da economia.
Justamente por atuar como um medidor, a 25ª edição do evento trazia consigo muita esperança para as marcas expoentes, principalmente após algumas boas notícias para os produtores nacionais.
Tecnologia para o produtor rural é o principal elemento fornecido pela Agrishow (Foto: Leonardo Guerino)
A seca nas plantações argentinas de milho e soja, o câmbio agora controlado do país e a confiança do empresário rural na economia nacional foram os principais fatores apontados que contribuíram para uma visão positiva do evento.
Outro elemento que pesou na expectativa dos envolvidos com a feira foi o valor do Produto Interno Bruto (PIB) de 2017. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse número cresceu 1% no ano anterior, após dois anos seguidos de retração. O Agronegócio foi o destaque positivo desse aumento e, sem ele, o crescimento econômico seria de apenas 0,3%.
‘A melhor Agrishow de todos os tempos’
Foi com essa frase que o presidente do evento, Francisco Maturro, comemorou o balanço final da Agrishow 2018, no dia 4 de maio. Segundo a organização da feira, houve um crescimento nas negociações de 22% a mais que em 2017, valor que representa quase 2,7 bilhões de reais.
Máquinas para as mais diversas necessidades do campo estiveram presente na exposição (Foto: Leonardo Guerino)
Outro elemento apontado por Maturro foi a participação do público em 2018. No comunicado, o presidente da feira afirmou que esse item foi um sucesso, com mais de 159 mil visitas aos estandes. Confira, a seguir, alguns dados oficiais da feira neste ano:
Na grande mídia, foram realizadas diversas reportagens de veículos como o Jornal da Cidade de Ribeirão Preto, o site da globo G1, e até mesmo o portal de notícias do Governo do Estado de São Paulo colocando a Agrishow 2018 como um sucesso absoluto. Contudo, apesar do balanço final animador apresentado pelos organizadores do evento, informações colhidas em alguns estandes da feira mostram que a realidade da exposição não foi exatamente essa apresentada pela imprensa.
A visão dos expositores
Sabe-se que, devido ao grande número de empresas que fazem parte da Agrishow, os interesses de cada uma das firmas nesse evento são diferentes. Alguns expositores visam apenas apresentar e divulgar seus produtos para potenciais interessados. Já outros, desejam criar redes de negócios mais completas. “A principal função da feira, para nós, são as vendas. O custo operacional para vir e não vender não vale a pena. Do contrário, seria melhor aparecermos em regiões com custos mais baixos do que a Agrishow”, afirma Vilmar Afonso Felini, representante comercial do estande da Metalfor Máquinas Agrícolas.
A marca italiana PTM RSL, especializada em equipamentos de pesagem foi uma das presenças internacionais da Agrishow 2018 (Foto: Leonardo Guerino)
Segundo Vilmar, só para o transporte dos equipamentos expostos são necessários, no mínimo, seis viagens de caminhão. E o trajeto é longo: de Ribeirão Preto até Ponta Grossa (sede da empresa) são cerca de 600 quilômetros de distância. Isso sem considerar outras despesas como estadia para os funcionários, refeições, aluguel de estande, etc.
Saldo nem tão positivo assim
Tendo em vista a importância das vendas para os expositores, diversos bancos públicos e privados marcaram presença na exposição esse ano. Essas instituições financeiras são elementos fundamentais para quem deseja adquirir produtos como os apresentados na Agrishow. O preço de um maquinário agrícola, por exemplo, pode ultrapassar o valor de meio milhão de reais. Sendo assim, sua compra somente é possível por meio de financiamentos.
Potenciais consumidores conhecendo alguns dos produtos produzidos pela empresa Metalfor (Foto: Leonardo Guerino)
No dia 3 de maio, o presidente Michel Temer comunicou que em pouco mais de três dias de evento, o Banco do Brasil já havia concedido mais de um bilhão de reais em financiamentos agrícolas, com expectativa de atingir o saldo de 1,5 bilhões. Já o banco espanhol Santander afirmou também ter disponibilizado mais de um bilhão para eventuais negociações da feira.
Porém, apesar dessa divulgação de grande oferta de crédito, muitos estandes viram numerosas restrições para que esses empréstimos fossem concretizados. “Levamos algumas propostas aos bancos, mas não recebemos retorno. É complicado para nós, como fabricantes, porque não conseguimos mensurar o que o interessado e nosso produto possui. Já o banco consegue”, explica José Antônio Basso, diretor da Waig Máquinas Ensacadeiras, no último dia da exposição. “Às vezes o banco fala que tem um bilhão para liberar, mas na verdade tem dez milhões. Estou torcendo para que esses financiamentos aconteçam, porém não sei o porquê deles não estarem ocorrendo: se é em razão da instituição não possuir esse dinheiro ou se é o cliente que não tem autorização para pegar o tal empréstimo”.
Grandes máquinas agrícolas foram apresentadas como potenciais elementos financiáveis pelos bancos da feira (Foto: Leonardo Guerino)
De acordo com o diretor da Waig, o movimento está praticamente igual a 2017, o que considera como algo ruim. “Nós, por exemplo, inovamos em mercadoria, mas o mercado em si continua segurando, não está comprador”, pontua Basso. E nem mesmo a colheita recorde de alguns vegetais proporcionou essa elevação nas vendas. “O negócio agropecuário é comódite. Esse está sempre bem e batendo recordes. Mas nós vivemos de máquinas. No comódite você não usa uma ensacadeira, uma costuradora ou uma esteira. Então, toda uma cadeia não vai trabalhar, não vai ter serviço”, afirma.
José Antonio Basso também faz parte da ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos). De acordo com ele, sua reclamação se repetiu em outros estandes. “Na associação vemos todos os meses o que está acontecendo com a indústria e essa retração permanece”.
Vendedores apresentando alguns maquinários disponíveis na feira (Foto: Leonardo Guerino)
Influência da política
Apesar de seguidos números na produção que impressionam, o agronegócio nacional sofreu muito com o momento instável da política e da economia do país – e isso impactou diretamente as empresas do setor. “Todo o mercado sentiu esse período ruim. Não vou nem dizer que seja a crise necessariamente. É que uma pessoa transmite para a outra o clima ruim e acaba atingindo os negócios”, lembra Vilmar Afonso Felini, da Metalfor.
A instabilidade administrativa do país também impactou a Budny, empresa catarinense de tratores e implementos agrícolas. “Temos uma linha fumageira, para agricultura do tabaco. Somos lideres nesse segmento no sul do país. Só que o governo cortou financiamentos. Então, nossa queda de faturamento foi drástica. Tivemos que nos reinventar, buscar alternativas para reequilibrar as contas da empresa. Não é mais igual antes quando se financiava à vontade”, conta André Canalle, supervisor de marketing e responsável pelo estande da companhia na Agrishow.
Há quem justifique uma possível dificuldade nos negócios desse ano em vista do último anúncio feito pelo Ministro da Agricultura Blairo Maggi. Em um evento passado, o representante do governo federal anunciou que haveria uma redução na taxa de juros para investimento de maquinário no próximo ano agrícola (2018-2019). “Isso retraiu um pouco o comprador. O público até olhou os maquinários, mas decidiu esperar uma próxima oportunidade visando a prometida redução da taxa de juros”, explicou Vilmar Felini, funcionário da Metalfort.
Tratores de grandes dimensões foram destaque em alguns estandes da Agrishow 2018 (Foto: Leonardo Guerino)
Problemas a se considerar
Outro ponto que os responsáveis pelos estandes lembraram foi o elevado custo da Agrishow para o público pagante. Ainda que os dados oficiais da feira afirmem que houve grande adesão da população, os expositores notaram que o potencial de público poderia ter sido maior se alguns custos do evento fossem revistos.
“Senti que não houve uma grande adesão do público conforme havia a expectativa. Em minha opinião, é que o custo da feira espanta um pouco as pessoas, como ingresso e estacionamento. Como o ano também começou faz pouco tempo, o público tem medo de gastar demais”, pontua André Canalle. “A feira é internacional, vem bastante gente da América Latina e tudo mais. Contudo, também há muita gente da agricultura familiar que não consegue ficar gastando dinheiro como os grandes fazendeiros. Acompanhados da família, eles vão gastar quase mil reais se somado o deslocamento, ingresso e alimentação. Isso faz com que o pessoal pense duas vezes antes de fazer esse investimento. Já atendi pessoas dizendo que no ano que vem não virão, justamente pelo custo”, complementa.
Equipamentos de grande porte chamaram a atenção do público no evento (Foto: Leonardo Guerino)
As cifras e a grande oferta de feiras tecnológicas em outras partes do país fazem com que o público prefira eventos mais próximos e de acordo com suas finanças. “O pessoal está esperando a feira da sua região para fazer negócios naquela localidade. Isso não faz com que haja a perda da importância da Agrishow. Afinal, ela é uma das maiores da América Latina. Mas os custos do evento pesam sim na balança da população”, comenta Felini.