Artistas comentam o cenário e as dificuldades do hip hop independente feito no interior de São Paulo
Gabriel Leite Ferreira e Leonardo Santana Teixeira
Giovanni Biazotto nasceu em 19 de dezembro de 1996, às cinco horas da tarde, em Conchal, interior de São Paulo. New Gio nasceu em 21 de junho de 2019, em São Paulo capital, ao lado de mais sete MCs. A cypher “Pecados Sociais” é mais uma promovida pelo rapper Nocivo Shomon e já ultrapassou as 40 mil visualizações.
A faixa de 8 minutos e meio é a primeira gravação profissional de New Gio. “Mas eu já tinha me gravado com microfone e caixa, e saía muito bom o resultado”, ele se apressa em destacar. Sua vivência no rap começou em 2015, nas batalhas de rima de Martinho Prado Júnior, distrito de Mogi Guaçu (SP) que faz divisa com Conchal. Ele não era um grande fã do estilo na época.
Tudo mudou quando um amigo lhe apresentou Mauro Mateus dos Santos Filho, o Sabotage, rapper falecido em 2003. “Comecei a ouvir muito ele e peguei gosto por fazer rima. Eu comecei a absorver muito a ideologia do hip hop: o porquê existe, o bem que faz pra sociedade”. Foi um caminho sem volta. “Acabei entrando numa sinuca de bico. Eu tinha que fazer rap, era mais forte do que eu. Foi aí que eu comecei a escrever, no final de 2016, como se fosse inevitável. Não tinha pra onde eu correr. Eu tava ciente que seria feliz só se fizesse isso”.
A ponte das batalhas de rap de Martinho Prado para a música e o clipe gravados na capital do estado foi Nocivo Shomon, rapper de expressão na cena brasileira. Sua proposta é simples: escolher artistas que não estão inseridos no mercado, como New Gio, e cobrar pelo feat. “Eu mandei um vídeo que gravei ao vivo com microfone e caixa de som no WhatsApp da produtora dele. Eles me aceitaram, foram muito receptivos e me trataram super bem”, comemora o rapper conchalense.
New Gio diz que busca ajudar “as pessoas a encontrar um rumo na vida” através da poesia. Ele não tem um método definido de composição: “Eu abro o bloco de notas do celular, escrevo, paro, coloco um beat, escrevo no caderno, faço um freestyle…”. Seu verso em “Pecados Sociais” é focado na crítica social que aprendeu a admirar com Sabotage e Criolo, e contém menções ao presidente Jair Bolsonaro, ao racismo e à homofobia. Apesar de tudo, no final de sua participação ele olha o futuro com bons olhos: “Eu vou pregar amor, mas não nesse momento / Em meio ao sofrimento não vou ficar calado”, dispara.
Os MCs participantes do cypher não interferiram no beat, produzido por Mortão VMG e escolhido para a ocasião por Nocivo.
As multicapacidades dos artistas independentes
Ainda que compartilhe a origem independente do trabalho de New Gio, o bauruense Jheff C. produz suas próprias batidas, sendo estas o ponto de partida de suas produções. “Normalmente uso várias batidas de diferentes estilos de música pra completar o corpo do beat”, comenta o cantor de 28 anos. Nascido Jeferson Lopes Barbosa, Jheff C. usa de sua arte como plataforma de empoderamento LGBT.
Em agosto de 2018, ele se apresentou no Encontro da Diversidade em Bauru, cantando para um público de mais de 30 mil pessoas. “Vem cá / Fique ciente / Pra pecar não faço esforço / Pra poder bater de frente / O preconceituoso”, ele canta na dançante “Pecar”.
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Além de intérprete e produtor, Jheff é também diretor de alguns de seus clipes. Perguntamos a ele da relação dessas multifacetas com os artistas independentes, ao que ele responde que a habilidade de trabalhar nas várias áreas do corpo musical vem muito bem a calhar, já que é uma forma de trabalhar com recursos reduzidos e, de quebra, há ainda a satisfação de chegar em algum lugar o seu próprio esforço, o que seria uma realização ainda melhor.
Para Yastana, rapper de Jaú (SP), o processo criativo é um pouco diferente. “Quando eu escrevo algo geralmente o nome da faixa já me vem. E aí eu vou pensando naquela questão e escrevo, mas eu nunca tenho uma visão de como vai ficar pronta, porque eu vou deixando as coisas fluírem como elas tem que ser”, ela coloca.
E é esse fator orgânico e fluido que dá o tom das composições da artista, que são extremamente pessoais antes de tudo. “Porque as minhas composições, antes de atingir alguém, elas me atingem, entendeu?”.
A produção de uma música em estúdio profissional pode custar de 50 a 1.500 reais em média — segundo dados do portal Discmídia —, dependendo com os recursos técnicos que o artista tem (ou não) previamente. Para álbuns completos, o investimento pode ser de 20 mil e contando. Esses custos acabam sendo empecilhos que são colocados no caminho de quem trabalha com música independente.
Para New Gio, Nocivo acabou sendo elemento chave neste cenário. “Ele faz uma inclusão dos artistas sem reconhecimento ou fama e coloca na cena de fato, entendeu? Fazendo um projeto muito importante que outros caras não fazem”, Gio elogia, comentando também a questão econômica. “Com um preço acessível você se coloca num canal grande e com um trabalho bem feito, com uma atenção da hora, diretamente com ele”.
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Yastana também tem um ponto de vista sobre esse cenário: “É muito difícil trabalhar de forma independente, porque você tem mil corres pra pensar, mil coisas pra fazer”, comenta. Então “você não tem muitas escolhas, você faz conforme o que tá a seu alcance”.
New Gio concorda que este é um processo dolorido. Mas se mostra esperançoso: “Eu espero, sim, viver da música, mesmo que não seja como cantor ou rapper eu vou estar envolvido na cena como produtor, porque eu também penso nisso”.
Solta o beat
[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/tracks/604096953″ params=”color=#ff5500&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&show_teaser=true” width=”100%” height=”166″ iframe=”true” /]Vinícius Silveira, o Vinibeats, começou a trilhar o caminho da produção em 2016, munido apenas de um notebook. Com 18 beats disponíveis no SoundCloud, o produtor de Carapicuíba (SP) conta que o equipamento básico do ofício (notebook, teclado midi e monitores de áudio) custa em torno de 2000 reais.
Seu processo criativo começa pela melodia, inspirada em algo que ele tenha pensado durante o dia. Ele, então, coloca a melodia em um piano e em seguida coloca os outros instrumentos. Com os aparatos técnicos e teóricos adequados, além da criatividade, começam aí os dois estágios essenciais da gravação de uma música: a mixagem e a masterização. Nas palavras de Vinibeats, a mixagem “consiste em trabalhar os volumes de cada instrumento de modo que fique agradável, além de adicionar efeitos como reverbs ou delays”. A masterização é o tratamento do áudio já mixado, incluindo ajuste de graves e agudos para atender aos padrões comerciais de volume das plataformas digitais e possibilitar que a música soe da mesma forma em qualquer aparelho de som.
E o que ele leva em conta na hora de cobrar pelo seu trabalho? “O tempo que levei pra fazer, os drum kits que usei, já que alguns são pagos, além de uma coisa mais sentimental: os que eu me apego mais, cobro mais caro (risos)”. Ele vende seus beats pela internet, por transferência bancária ou PayPal.
Como artista independente, Vinibeats afirma que sua maior dificuldade é a falta de visibilidade, problema aprofundado por ele estar longe de São Paulo, “que é onde tudo acontece nesse meio”.
Espalhando a mensagem
Yastana também não mora em São Paulo, e a forma que ela encontrou de buscar visibilidade é o uso das redes sociais, que ela considera essenciais hoje em dia, principalmente o Instagram. Outra forma de divulgação, que pode até soar antiquada atualmente, é o famoso boca-a-boca. “Eu tento sempre compartilhar com os meus amigos, que também é uma ótima forma de divulgação porque um vai falando pro outro”, ela coloca.
O Youtube é também uma plataforma conhecida de divulgação musical, mas Yastana a considera pouco democrática, uma vez que o que costuma chamar a atenção ali são os videoclipes, nem sempre financeiramente viáveis para artistas independentes. “Pro artista é um pouco triste porque a gente espera que as pessoas ouçam a nossa música independente de ter clipe ou não”.
A visibilidade é um recurso que também pode ser encontrado através do acompanhamento das tendências da música. Já que uma das vertentes do rap que mais tem dado frutos é o trap, perguntamos à rapper Jaú onde ela se encontra neste cenário, que no Brasil é dominado por nomes como Raffa Moreira e Matuê. “E não tenho nada contra o trap e acho que faz parte do movimento. Só que o hip hop em si salva vidas, entendeu? E a gente não pode esquecer dessa essência de tirar os menor do crime, de passar uma mensagem pro pessoal da quebrada…”, pondera.
Ao que New Gio concorda: “Eu sou um cara muito amplo, eu me considero muito eclético, então eu escrevo várias coisas, mas a minha essência é o rap raiz mesmo, crítica social e desenvolvimento social, entendeu?”. E ele pretende seguir nesse caminho, “caminhar a passos de formiga, mas caminhando”.
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