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Consciência ambiental impulsiona moda sustentável no Brasil

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Novas empresas modificam produção a fim de promover a ecomoda e encaram dilema ligado à difusão do setor

Ana Carolina Ribeiro dos Santos
Mariana Pellegrini Bertacini
Victor Dantas de Maio Martinez

Os problemas ambientais são pauta recorrente na sociedade atual. Eles surgem de maneira oficial na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano – em Estocolmo (Suécia), e desde então fazem parte das discussões em vários setores sociais. Na moda não foi diferente. No Brasil, último país do ocidente que tem cadeia têxtil completa, a onda da moda sustentável vem crescendo e ganhando mercado. São protagonistas da moda sustentável empresas que se preocupam com as consequências da produção e buscam formas alternativas e sustentáveis para a confecção de seus produtos.

A preocupação com o meio ambiente a nível mundial surgiu, de maneira oficial, na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em 1972, ocorrida em Estocolmo, Suécia. De acordo com a ONU Brasil, “o evento foi um marco”. Foi criado na Declaração final do evento um Manifesto Ambiental com 19 princípios norteadores que estabeleceram as bases para uma nova agenda ambiental do Sistema das Nações Unidas.

Desde então, o debate sobre essa temática só foi ganhando força e visibilidade. Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre  Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92, levou a ideia de desenvolvimento sustentável para a agenda pública, de maneira inédita. A Conferência foi realizada no Rio de Janeiro e adotou a “Agenda 21”, “um diagrama para a proteção do nosso planeta e seu desenvolvimento sustentável”, segundo a ONU Brasil.

A importância da Rio 92 vai além de trazer a ideia de desenvolvimento sustentável para agenda pública. A Agenda 21 adotada pelo evento abordou questões que ultrapassavam os problemas ambientais. Elas incluíam “a pobreza e a dívida externa dos países em desenvolvimento; padrões insustentáveis de produção e consumo; pressões demográficas e a estrutura da economia internacional”, como aponta a ONU Brasil.

Diagrama

Diagrama representando os componentes do desenvolvimentos sustentável

As discussões propostas pela ONU continuaram a ocorrer e a cada novo encontro o balanço das conquistas e a provocação para que as ações fossem postas em prática eram parte fundamental desses encontros. Em 2012, acontece a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, novamente no Rio de Janeiro, a Rio + 20.

E a novidade dessa conferência, principalmente no concerne à indústria brasileira, é a participação em peso do setor industrial, coordenada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Reconhecido como um dos principais eventos empresariais da Rio + 20, o Encontro da Indústria para a Sustentabilidade reuniu mais de 1000 empresários e representantes do governo e sociedade civil, e consistiu em um rico debate que reforçou o compromisso do setor para o diálogo e incorporação da sustentabilidade na ação empresarial”, destaca CNI.

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), foi um dos setores escolhidos pela CNI para apresentar um panorama sobre as práticas de sustentabilidade. A Rio + 20, nesse sentido, marca também o interesse da moda no desenvolvimento sustentável. “Estamos em um esforço conjunto que representa uma teia de questões sociais, ambientais e trabalhistas. Iniciativas que nos colocam dentro desse estágio de desenvolvimento”, afirmou na época Fernando Pimentel, presidente da Associação.

Linha do Tempo

Linha do tempo com os principais marcos do debate global sobre desenvolvimento sustentável

É nesse ambiente de preocupação social, governamental e empresarial que a moda sustentável vai se desenvolvendo no país. O grande desafio para se chegar a uma produção com práticas sustentáveis ainda é maior quando ligado à indústria da moda tradicional. Enquanto ela tenta encaixar sua produção nessa categoria, empresas menores já começam seu negócio pautados nessa ideia e na inovação.

De acordo com dados do setor da indústria têxtil – apresentados pela ABIT, o Brasil se configura, atualmente, como o último país do ocidente que ainda tem a cadeia têxtil completa. Isso significa que produzimos em território nacional toda a cadeia da produção de roupas: plantação de algodão, produção de fibra, tecelagem, fiação, confecção, varejo e organização de desfiles de moda.

Ainda de acordo com esses dados, o Brasil é o quarto maior produtor de malha, quinto maior produtor têxtil e quarto maior parque produtivo de confecção, tudo isso num ranking mundial. Em escala nacional, a indústria têxtil é a segunda maior geradora de empregos do país. Os dados também apontam que a moda brasileira está entre as cinco maiores Semanas de Moda do mundo.

Esses dados revelam a importância dessa indústria no país e como sua produção impacta de maneira profunda na economia e na sociedade civil. O que aumenta ainda mais a responsabilidade desse setor industrial e do segmento da moda na inovação e na prática de produções sustentáveis.

Diante desse cenário, no qual há o desenvolvimento de um pensamento social que se preocupa com a sustentabilidade e, na mesma medida, um país que tem como importante ator econômico e social a indústria têxtil, o aceno da moda para iniciativas de produções sustentáveis ganha grande relevância e as empresas que trabalham com essa perspectiva destaque.  

A última edição da São Paulo Fashion Week, que ocorreu entre os dias 13 a 17 de março de 2017, lançou um novo espaço, o Projeto Estufa. Nele foram propostas discussões, desfiles e encontros com o intuito de apresentar e debater iniciativas relacionadas a movimentos que estão acontecendo no mercado e que têm como pilares a sustentabilidade, tecnologia, inovação, diversidade e responsabilidade social.

Esse nova vertente da moda que se estrutura sob a ideia de sustentabilidade tem crescido no país. Empresas que se preocupam com os impactos dos processo produtivos  e buscam alternativas ecológicas e de positivo impacto social estão cada vez mais em alta no mercado. Elas têm um discurso produtivo que se opõe às grandes empresas tradicionais, já que priorizam a sustentabilidade como marca referencial de seus produtos.

A indústria massiva, segundo Eber Ferreira, descaracterizou a relação entre produtor, objeto e consumidor na medida em que a facilitou a obtenção de produtos, acelerou o processo e consequentemente o uso de materiais sintéticos. “Houve uma desagregação dos valores culturais que fundamentavam a função utilitária e ritual dos artefatos. Isto implicou também numa transformação radical da relação entre o produtor, o objeto de sua produção e os laços estabelecidos entre o produto e o consumidor”, aponta.

A onda sustentável caminha em uma lógica contrária a essa apontada pelo pesquisador.  Trabalha de maneira mais lenta, se preocupa com suas matérias-primas e com os impactos sociais de sua produção.

Paulo Borges, criador do SPFW, afirma que “vivemos uma era disruptiva de mudanças constantes e desafios globais. O futuro já é agora. Tudo está em aberto, provocando novos olhares e experimentações”. Essa afirmação  leva a uma nova concepção de moda que para continuar existindo e se tornar competitiva a nível mercadológico terá, cada vez mais, que se debruçar sob essa nova perspectiva que vem ganhando força social, a sustentabilidade. E as empresas que já se utilizam desse pensamento estão um passo à frente e por isso mesmo precisam ser discutidas.

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Reaproveitamento de tecido para produção de sapatos. Insecta Shoes | Divulgação

Anteriormente voltadas para o modelo fast fashion, as indústrias estavam focadas em maior número de clientes, com baixos custos de produção e preços acessíveis, o que, por sua vez, estimula o consumo. Tal modelo de negócio acarreta problemas econômicos e sociais devido ao seu maior fluxo de materiais, desperdício de água e energia, além de uso de produtos químicos para produção de fibras manufaturadas e  consequente produção excessiva de resíduos.

De acordo com a página do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a moda sustentável é aquela que tem seus princípios baseados no respeito ao meio ambiente e à sociedade em suas as etapas de produção. Cabe a esse nicho a valorização dos trabalhadores e incentivo ao consumo consciente. O crescimento do setor eco-friendly na moda é estimulado pela escassez de recursos, pelas novas regulamentações que obrigam as empresas a se adequarem a práticas mais sustentáveis e pelo aumento dos adeptos ao consumo “verde”.

Buscando reduzir os impactos na natureza, a moda se depara com o conceito de slow fashion. Segundo a professora da Uniritter Laureate International Universities Anne Anicet, em texto produzido para o livro “Moda, sustentabilidade e emergências”, slow fashion se define como a produção de mercadorias melhores, com maior valor agregado e com maior durabilidade, tanto na qualidade dos produtos e materiais, quanto na permanência de sua estética em várias estações. Para a autora o termo não remete necessariamente a uma produção lenta e em menor quantidade, mas é “um movimento oposto ao consumismo galopante, que se destaca na economia mundial”.  

A base da moda sustentável está nas fibras e tintas naturais, além da reciclagem de roupas e objetos. Esse tipo de moda utiliza matérias-primas menos poluentes e renováveis, produzidas de forma sustentável, buscando diminuir o desperdício e reduzindo o uso de água e energia elétrica. As práticas sustentáveis se fazem presentes em todas as etapas da produção. Os saberes tradicionais, como técnicas de costura manuais e práticas artesanais, passam a ter destaque, agregando valor às peças. Os materiais, o design e a funcionalidade permitem que as peças tenham maior durabilidade de uso.

A produção com fibras naturais, como algodão orgânico, linho, lã e cânhamo, ou tecidos alternativos como os produzidos a partir de fibras de bambu e garrafa pet, o reaproveitamento de rejeitos de tecidos, couro ou materiais sintéticos descartados pela indústria, as biojoias  produzidas com matérias-primas recicladas ou naturais e as ecobags, confeccionadas com materiais sustentáveis são os principais nichos da moda sustentável para o Sebrae.

O reaproveitamento de tecidos e objetos descartados remete a uma técnica conhecida como “upcycling” e nada mais é que a ressignificação de materiais, ou seja, os produtos descartados passam por um processo de recuperação, transformação e reinserção no mercado com um novo valor agregado.

Ainda  segundo a página do Sebrae, a moda eco-friendly propõe uma mão de obra mais humanizada, sem explorar a mão de obra e com remuneração mais justa. Os consumidores desse nicho se preocupam em adquirir produtos que respeitem os princípios ecológicos, apresentando novas demandas, buscando produtos que respeitem o meio ambiente e sejam produzidos de forma racional.

A preocupação com o meio ambiente dentro do mundo da moda está recebendo cada vez mais destaque e, para facilitar a identificação de empresas e produtores eco-friendly, existem projetos como o e-fabrics, do Instituto-E. O projeto identifica tecidos e matérias-primas sustentáveis que podem ser usadas pela indústria têxtil e promove, de acordo com a página do próprio Instituto, o estudo dos impactos socioambientais no processo produtivo, a preservação da diversidade e das relações sociais com comunidades, criando produtos com design.

A moda sustentável no Brasil

De acordo com os Institutos Akatu e Ethos, apenas 5% da população brasileira tem comportamentos mais sustentáveis de consumo, o que corresponde a aproximadamente 10 milhões de pessoas. Para atender este mercado, ateliês, cooperativas, pequenas e grandes empresas estão apostando em produtos que causem menos danos ao meio ambiente.

O mercado brasileiro de produções sustentáveis abrange desde as roupas íntimas até os calçados, passando pelas joias e acessórios. Sementes, corda, palha, fibras, algodão ou outros tecidos orgânicos são alguns dos materiais eco-friendly utilizados para a fabricação das peças.

O cenário nacional apresenta marcas que além de sustentáveis, são veganas, artesanais e exclusivas. O reaproveitamento de materiais é uma característica presente em grande parte das labels brasileiras, que buscam produtos únicos e muitas vezes têm a intenção de valorizar a identidade cultural. Os produtos oferecidos pelas marcas brasileiras são diversificados: acessórios, underware, roupas e calçados. Insecta Shoes e Nicole Bustamente são duas marcas que aplicam os princípios veganos em suas produções.

A Insceta Shoes produz calçados ecológicos, veganos e artesanais a partir de roupas antigas e possui linhas com sapatos feitos a partir de fibras de garrafa pet e algodão reciclado. Segundo a empresa, roupas antigas são transformadas e é feito a reciclagem de materiais que serão transformados em oxfords e botas veganas. A marca Nicole Bustamente traz etapas de confecção humanizadas e estabelece parcerias que estejam comprometidas com os ideais, além de ter materiais e técnicas de estamparia mais sustentáveis.

Dentre as marcas consolidadas, a Osklen é uma das mais conhecidas e se destaca pelo uso de mais de 20 materiais eco-friendly em seus produtos. São materiais de origem orgânica, reciclada e naturais como fibras de garrafas pet, cânhamo e bambu. A Hering também faz uso de tecido orgânico e de garrafa pet. Já a Colcci utiliza um tecido ecológico, Tencel, feito com a polpa de árvores de reflorestamento, em suas peças.

O impasse da sustentabilidade na moda

Um dilema complexo está ligado ao desenvolvimento da moda sustentável. A fim de que o impacto da sustentabilidade nesse setor seja significativo para o planeta (em termos quantitativos), a moda sustentável precisa se difundir. Porém, as características que fundamentam a sustentabilidade na moda trazem, ao mesmo tempo, barreiras para sua disseminação. A começar por sua lógica artesanal, que a caracteriza como slow fashion, impedindo uma produção em larga escala.

Uma cartilha produzida pelo Sebrae em 2015, intitulada “Nichos de moda”, traz um estudo sobre moda ecológica / moda sustentável, no intuito de orientar pequenos empreendedores. Sobre as dificuldades nesse comércio, o texto busca entender os desafios do setor com o auxílio de Ana Cândida Zanesco, fundadora do Instituto Ecotece, comentando que “o problema para quem fabrica é se adequar a uma nova lógica de produção, diferente da que já está operando há décadas”.

Essa “nova” lógica é baseada na produção artesanal, em ritmo mais lento e em menor escala. Assim, a primeira barreira encontrada pela moda sustentável é a competitividade contra o setor tradicional da moda industrial, que por sua vez lança ao mercado um número maior de produtos em menor tempo – e a um menor custo.

A segunda barreira a que a moda sustentável enfrenta é econômica. “Outro desafio deste mercado é o fato de que as roupas politicamente corretas custam por volta de 30% a mais que as tradicionais”, acrescenta a cartilha. Esse custo mais alto se deve, em parte, à necessidade de adequação em todas as etapas da produção – uso de energia, matérias-primas, meio de produção, emissão de resíduos.

Não é certo dizer que os preços altos nos produtos sustentáveis se justificam apenas por tais fatores. A autora Sílvia Helena Zanirato ressalta, no capítulo “Moda e sustentabilidade, um diálogo paradoxal?” do livro “Indumentária e moda: caminhos investigativos”, que a moda sustentável pode ser um bom negócio e que há interesse capitalista em promover esses produtos e explorar esse novo nicho mercadológico.

Além disso, ainda existe a questão de que esse setor é recente e sem muito espaço consolidado no mercado. “A demanda ainda é pequena e as produções são feitas em menor escala, o que aumenta o custo das peças”, informa a cartilha do Sebrae.

Devido a todos esses fatores econômicos, a moda sustentável é restrita em termos financeiros – inacessível às camadas mais pobres da população, de modo que sua plena instauração fica ainda mais prejudicada, em adição à primeira barreira.

Diante dessas duas questões, a moda sustentável, por ser lenta e restrita, tem dificuldade em se espalhar e, por consequência, sua sustentabilidade não representa muito para a Terra em termos quantitativos – em especial quando se faz a comparação com a poluição causada pela indústria tradicional.

Moda Sustentável

Ilustração sobre o dilema enfrentado pelo setor de moda sustentável

Enquanto a lentidão e o preço alto impedem que a moda sustentável se propague, a “possível” resposta para tais problemas poderia ser a aceleração do ritmo produtivo (para ampliar a escala e baratear os produtos); esta solução, no entanto, é incoerente, pois traria à moda sustentável certas características da indústria tradicional, que vão contra os princípios de sustentabilidade. Aí se estabelece o referido dilema que acomete o crescimento da moda sustentável.

Quanto a isso, já existem algumas reflexões de estudiosos do tema – que inclusive concordam em certos aspectos. A própria Sílvia Helena Zanirato, doutora em História e professora do curso de Gestão Ambiental na Universidade de São Paulo, vê que a sustentabilidade na moda depende de adaptações nos hábitos de consumo dos produtos.

“A redução do consumo é uma condição para o desenvolvimento sustentável”, afirma a professora no capítulo de livro supracitado. E ela continua: “Isso só pode ser alcançado se houver entendimento entre os produtores e os consumidores”.

Em artigo publicado na revista digital Modapalavra, as professoras Neide Schulte e Luciana Lopes, ambas pesquisadoras de moda na Udesc (Universidade Estadual de Santa Catarina), ponderam sobre a indústria da moda tradicional: “Os ciclos curtos de vida destes produtos e o apelo ao consumismo representam um entrave ao desenvolvimento sustentável”.

Enquanto as características atuais do consumo da moda (que é volátil e descartável) se mostram como empecilho, Schulte e Lopes concordam com Zanirato e veem que as mudanças na cultura e nos ideais sociais podem acarretar em mudanças na moda. “Então, se em uma sociedade democrática, onde existem diversas iniciativas e movimentos para estabelecer o desenvolvimento sustentável, a moda irá rapidamente incorporá-lo”, afirmam no texto.

Sobre essa mudança de hábitos, Sílvia Zanirato comenta: “Isso não é nada fácil, pois implica em associar práticas de produção e de consumo que sejam efetivamente sustentáveis e em conter os desperdícios que permeiam a produção e o consumo”.

Embora a tarefa não seja simples, existem tanto perspectivas mais pessimistas quanto otimistas sobre a possibilidade de mudança nos hábitos de consumo na moda. O consenso parece indicar que, nos padrões e modelos consumistas da sociedade contemporânea, “a construção de uma sociedade mais sustentável e mais justa segue como um objetivo em longo prazo”, encerra Sílvia.

Redação

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