Focando em ideias e conteúdo, jogos independentes tem alcance e faturamento que peitam grandes estúdios
Por Lucas Ayres e Raphael Soares
Quando pensamos em jogos que se destacam e possuem um “algo a mais”, com inovações tecnológicas ou lógicas que saem do padrão, logo nos vem em mente grandes produções de estúdios de renome, orçamentos fora de série e uma quantidade grande de profissionais envolvidos que vão desde as concepção inicial do projeto, passando pelos designers e programadores até os profissionais de comunicação que farão a divulgação na mídia e em eventos.
No entanto, os jogos que chamaram mais a atenção pelas suas características únicas ou até de velha guarda como jogos de plataforma em 2D, são de produtores independentes, que, com orçamento apertado, pouco tempo disponível, número de pessoas limitadas (em muitos casos apenas os idealizadores do projeto, que pode ser apenas um) e uma ideia de concepção do jogo que podemos dizer até que simples, conseguem destaque e trazer ao público um jogo que além de qualidade técnica traz também uma qualidade artística, pois não trabalham só na produção dita técnica de um jogo que deve ser vendido, mas sim que carregue uma identidade própria, que consiga transmitir uma sensação única ao ser jogado.
Muitas vezes os jogos são um entretenimento estritamente polido para as massas. Em um jogo “indie”, abreviação de “independent”, (em Português, independente) prevalecem estereótipos com algo mais específico, de acordo com a personalidade dos envolvidos no seu desenvolvimento. Seu grande diferencial é a crescente relação íntima entre as partes, criador e criação. Essa relação alcança patamares elevados de afinidade, suficientes para despertar sensações mais humanas naqueles que jogam sua criação.
Mesmo assim, fazer um jogo indie pode ser uma experiência frustrante. Mas foi a ousadia criativa de desenvolvedores espalhados pelo mundo que revolucionou o termo “indie” dentro da indústria. Visto que muitos dos produtores de títulos desse setor são pessoas que têm uma afinidade de longa data com a indústria “mainstream”, almejam criar algo próprio, que fuja do que eles já conhecem.
Sucesso
Jogos indie possuem uma característica peculiar: quebram barreiras criativas e criam perspectivas novas dentro de um universo já saturado. Por exemplo, jogos de plataforma, de tiro em primeira pessoa, sobrevivência, puzzles, todos eles já são conhecidos dentro do cenário de jogos digitais.
Vamos listar então alguns jogos que se destacaram, não somente pelo seu faturamento ou sucesso de popularidade, mas sim por inovarem ou que buscam algo novo para mostrar, como um conceito artístico.
Machinarium
Desenvolvido pela Amanita Design e projeto por Jakub Dvorský ,sua missão é controlar um pequeno robô que desbrava uma cidade em busca de sua namorada, aprisionada por vilões que aterrorizam as ruas e a população. Com esse plot inicial muita gente acredita que Machinarium não é nem um pouco interessante. Entretanto, o game surpreende já nos primeiros minutos, com uma direção de arte que se destaque e com muitos desafios que exigem a criatividade do jogador.
Castle Crashers
Desenvolvido pela The Behemoth por Dan Paladin e Tom Fulp, com gráficos cartunescos, Castle Crashers coloca de um até quatro jogadores em uma aventura com muita ação mesclando elementos de RPG. Além do modo história, existem outros modos de jogo, como o Arena, que prolongam a jogatina por muito tempo. O game é referência quando se fala em títulos indies de alta qualidade.
FEZ
Criado por Phil Fish, FEZ é provavelmente um dos jogos indies mais conhecidos da geração e um dos poucos que tornaram seu criador em uma celebridade da indústria. Os méritos do jogo foram de misturar a simplicidade dos jogos 2D de antigamente com mecânicas em 3D para a solução de puzzles. No jogo você controla o ser bidimensional Gomez que descobre uma forma de explorar o mundo em 3 dimensões. Alguns problemas ocorrem e Gomez precisará usar sua nova habilidade para reunir pedaços de cubos para restaurar o mundo que vive. Os quebra-cabeças em FEZ são instigantes e a perspectiva de jogo parecia um sopro de criatividade em meio aos jogos de plataforma 2D.
Journey
Desenvolvido pela Thatgamecompany, Journey possui um cenário simples e uma premissa cativante, a ideia aqui é levar o jogador a outro nível de exploração. A ideia básica é colocar os jogadores no comando de um personagem encapuzado que deve chegar até uma alta montanha. Os desenvolvedores queriam que os jogadores tivessem legítimos sentimentos de insignificância e grandiosidade, gerando significados que se diferenciam de acordo com a interpretação do jogador.
Limbo
Desenvolvido pela Playdead, em Limbo você controla um garoto em busca de sua irmã desaparecida, passando por armadilhas e escapando de criaturas como vermes e uma aranhas gigantescas. O que torna Limbo único é a junção da música minimalista com a arte gráfica pendendo para o preto e branco. A estética do game mostra logo no início que Limbo não é um jogo qualquer, mas um produto lapidado. O final vago abre espaço para variadas interpretações e este é mais um ponto positivo para o jogo.
Braid
Criado por Jonathan Blow, seu estilo artístico é dos mais bonitos a se destacar entre os jogos de platformer/puzzle. Sua qualidade deve-se bastante aos cenários artísticos e à sensação de magia que o game transmite: você controla Tim, um jovem que precisa resgatar uma princesa de um monstro. Os puzzles são bem desenvolvidos e envolvem muito da sua inovadora mecânica de voltar no tempo e refazer ações.
Minecraft
A ideia básica é permitir que o jogador possa construir qualquer coisa imaginada através de blocos, usando picaretas e outros materiais, o que gera uma criatividade sem precedentes dentro de um jogo, além do mapa se expandir à medida que o jogador explora ele . De acordo com produtora Mojang, Minecraft já foi acessado por mais de 11 milhões de jogadores (um número muito acima da maioria dos games AAA do mercado). Por fim, Minecraft é provavelmente o game indie de maior sucesso da história dos videogames.
O Game Extraterrestre
Há mais de 30 anos, um jogo saído de um filme famoso era lançado, e daria o pontapé decisivo para uma das piores crises da indústria, e possibilitaria o surgimento dos jogos independentes. No ano de 1983, era lançado, sob muita expectativa, E.T: The Extraterrestrial. Feito em menos de 2 meses, o game para Atari é considerado até hoje um dos piores da história. Mesmo assim, foi um sucesso nas lojas, um dos mais vendidos do console, com mais de 1,5 milhão de cópias comercializadas.
O problema foi a produção de cerca de outras 3 milhões de cópias, devido a alta expectativa de vendas. O golpe foi tão duro que levou a Atari a enterrar milhares de fitas do jogo. Outro problema foi a insatisfação geral com o game, que influenciou na credibilidade geral dos videogames, que já estava em queda, devido ao nível de certos jogos no próprio Atari, dono de uma política bem acessível quanto a publicação em seu console. Além da produção amadora, não era estranho encontrar jogos como o Kool-Aid Man, que usavam o canal para marketing, sem se preocupar com a qualidade do que era lançado.
Esse cenário fez com que o total das vendas caíssem, e muito. Em 83, o lucro da indústria de games foi de 3,2 bilhões de dólares, e em 85, de 800 mil, segundo dados do Internet Archive.
A recessão fez com que grandes estúdios fossem muito mais seletivos com os games publicados e com que pouquíssimos desenvolvedores novos obtivessem sucesso em suas carreiras.
A falta de espaço levou esses jovens a tentarem a sorte com a distribuição própria, mas esbarravam em limitações tecnológicas, como a falta de softwares confiáveis para desenvolver os jogos, ou até a capacidade de armazenamento disponível – muitos dos desenvolvedores tinham seus jogos salvos em apenas uma fita, o que fazia o trabalho de correção de bugs muito difícil, já que todo o código tinha de ser reescrito.
O primeiro ponto de virada desta história é a acessibilidade de softwares como o Adobe Flash, Game Maker e Microsoft XNA Game Studio. Enfim chegavam às mãos interessadas programas confiáveis, eficientes e, principalmente, baratos.
Não tardou a games como Wolfenstein e Doom, revolucionários em seu estilo F.P.S (First Person Shooter) surgissem e se tornassem estrondosos sucessos.O game independente começou então a alçar vôos maiores, e mesmo assim eram poucos os que atingiam o sucesso, ou até que chegassem ao mercado consumidor.
https://www.youtube.com/watch?v=oeX4b_VKvmo
A distribuição, afinal, ainda era um dos maiores obstáculos, e o produto independente, só depois de muito boca-a-boca e mão-a-mão, conseguia enfim chegar às lojas, mas com um retorno bem abaixo do investimento.
Foi só após um tempo nessa realidade, e de eventos como o Indie Games Festival, no fim dos anos 90, além da popularidade dos Art Games, já em meados dos anos 2000, que a indústria começou a enxergar nos indies um caminho rentável.
O GameSpy surge como a primeira plataforma virtual de jogos virtuais, conectando devs e players via internet. O programa acabou fazendo mais sucesso como host de games online, mas inspirou o Steam, de proposta similar, lançado pela Valve para se tornar o que é até hoje: o maior distribuidor de games do mundo.
A somatória da tecnologia acessível, mais uma comunidade expressiva e ainda uma plataforma popular catapultou os jogos indies à realidade de hoje, com tecnologias inovadoras, reconhecimento e cifras algumas vezes milionárias. Produções como Limbo, Braid e Minecraft são hoje tão populares no mundo gamer como as franquias de Call of Duty ou Assasin’s Creed.
Motherlode
A indústria de jogos é uma das que mais cresce mundialmente ano a ano, e deverá atingir um valor total de US$ 91.5 bilhões em 2015, segundo a analista de mercado NewZoo. Um estudo dessa mesma empresa revelou que o faturamento do setor de jogos no Brasil é o 11° maior do mundo, somando US$ 1.2 bilhão em 2014.
Segundo a Associação Brasileira de Desenvolvedores de Games (Abragames), 61 milhões de brasileiros se divertem com os jogos online e eletrônicos. Uma das explicações para o elevado número de pessoas é a popularização dos smartphones e tablets, que agora permitem o acesso aos games de qualquer lugar em que o jogador estiver. Além de condições como a Steam, na qual há um custo menor com a compra dos produtos, o que favorece produtores independentes.
Ainda assim, é notável que outros tipos de produtos, como consoles, também têm apresentado alta nas vendas nos últimos anos, devido em grande parte à redução da carga tributária em função da fabricação local. Como um todo, essas categorias de produtos se beneficiam do aumento do poder de compra dos brasileiros, agora capazes de consumir mais entretenimento sem a necessidade de recorrer a práticas como a pirataria e o contrabando.
Quatro amigos
Boa parte do sucesso recente dos jogos independentes, especialmente os seus lucros, se deve ao espírito empreendedor de seus desenvolvedores. Lendo o ambiente favorável e vislumbrando uma fatia do grande bolo, os idealizadores se afastaram do estereótipo de “amador”, e organizaram suas startups como verdadeiras empresas.
A id Software, por exemplo, surge no começo dos anos 90 como um braço gamer dissidente da SoftDisk – um projeto que combinava uma revista com amostras de games – para programar seus jogos nos recém acessíveis computadores pessoais, ainda não explorados para este fim.
Antes mesmo dos seus f.p.s estourarem, os quatro amigos fundadores, que usavam clandestinamente os computadores de sua antiga empresa, se intitularam, organizaram funções e se especializaram. A id hoje tenta retornar ao epicentro do mercado gamer com um projeto ainda não anunciado, mas é, e sempre será, uma referência à qualquer aspirante a game developer, com sua tecnologia 3D e a distribuição no estilo shareware, que disponibiliza uma parte do jogo gratuitamente para depois cobrar a sua continuação.
No Brasil, apesar de alguns bons anos atrás, as startups se antenaram às tendências externas e também se organizaram. A Behold Studios, fundada em Brasília no ano de 2009, é um dos cases de sucesso. Ela começa como uma sociedade de também quatro amigos, antes de lançar seu hit, o Knights of Pen & Paper. Com o sucesso, o escritório foi se ampliando e o número de pessoas também, assim como sua especialização. Hoje, a empresa conta com equipe de programação, de artistas visuais, de game design e de sound design, uma setorização, que, salvo as proporções, não foge dos esquemas de grandes estúdios como Naughty Dog (outra que também começa como indie) e Ubisoft. Tanto que com o “Knights”, o faturamento superou a casa dos 1 milhão de reais.
A tendência para a especialização é natural e aumenta a qualidade dos games, expandindo seus detalhes e trabalhando todos os canais de comunicação presentes, seja imagem, interação ou som. O sound design, por exemplo, trabalha exclusivamente o áudio dos games, com trilha e sonorização. E faz toda a diferença.
“Estamos numa geração em que muita gente passou boa parte da infância ouvindo a trilha do Mario, mais do que qualquer música”, comenta Gabriel Naro, 26 anos, fundador da RedNoise Studios. A chipmusic, a “música de 8bits”, é uma das produções de Gabriel, está em seus trabalhos e em toda a história dos jogos. Sua presença é tão marcante que sua identidade é completamente voltada aos games. “Chipmusic é games. Se você coloca uma trilha de jogos para tocar, todo mundo vai se identificar”, instiga Gabriel, que já compôs trilhas para jogos diversos no Brasil, como o recente jogo Punhos da Verdade, aventura com o personagem do desenho nacional “Irmão do Jorel”, da Cartoon Network, e do jogo Porcupine, da Big Green Pillow, para ficar nos mais recentes. Para ele, além de sua identidade e estética, a chipmusic têm também sua qualidade sonora, afinal também é uma composição. “A música só precisa ser bem composta. Há claro, detalhes técnicos a serem ponderados, mas, no fim, a chipmusic é uma questão de estética”, analisa. “É repetição, expectativa, quebra de expectativa e resolução, como todas as outras narrativas”, completa.
O sound design é um braço da produção do game e um dos motivos de seu sucesso, mas é também um indicador do fortalecimento do segmento. A imprensa, por exemplo, é mais um deles. Quanto mais cresce a ideia e as vendas dos indies, maior fica seu universo, incluindo consumidores e pessoas interessadas. É por isso que sites como o Tigsource e o Gama Sutra, que tentam cobrir esse universo, e têm um alcance revelante. O TigSource por exemplo, têm mais de 4 mil curtidas em sua página no Facebook.
Jogos Estranhos
Os indie games cresceram a tal ponto em faturamento, pessoal especializado e rede de contatos, que passa a ter um funcionamento análogo a um indústria, paralela à dos AAA. Este cenário criou uma espécie de cisão na comunidade indie. “Em 2008, época do boom de jogos independentes como Braid e World of Goo, tínhamos dois pontos de tensão: entre os jogos mainstream e os independentes. Hoje em dia há esse terceiro movimento, que fica a parte dos dois”, aponta Henrique Antero, 23, criador da newsletter A Mosca, que, entre miscelâneas culturais, fala muito sobre os jogos desse terceiro movimento. Se hoje há quase uma indústria paralela, Henrique cobre aqueles que estão fora dela, os outgames.
Estes jogos dos quais Henrique fala, e joga, são produzidos sob outro espectro, longe dos holofotes e das cifras, e se atentam a aspectos mais lúdicos, como seu conteúdo, sua ideia, sua mensagem. “São jogos que conseguem explorar mais o que o videogame pode fazer”, define. E em tempos mercadológicos, abdicar dos lucros é quase uma ação política. “Há uma pegada política mesmo, muito por conta das pessoas que estão fazendo esses jogos”, enfatiza Henrique, incrementando a discussão da representatividade dos games. “São pessoas negras, pessoas trans, que não necessariamente tiveram contato com a tradição dos games, ou são enquadrados por eles”, completa.
Afastada do “sucesso”, a produção destes games têm uma tendência à uma maior limitação tecnológica, que, somada a sua liberdade artística, cria por muitas vezes uma estética diferenciada, estranha à olhos desacostumados. Henrique, por sua vez, não crê nas limitações de software e hardware, e vê na escolha dessa estética o momento decisivo da criação. Ele cita o game designer Michael Brew, cujo reconhecimento vai além dos outgames, chegando nos indies e nos mainstream, mas que não chega a ser bem sucedido em relação à popularidade dos jogos, muito por conta de sua estética.
Pensando no apelo que estes jogos não têm, Henrique criou também o Jogos Fritos, que diariamente fazia uma curadoria dos mais interessantes e não-usuais games. “Eu queria mostrar a quantidade de jogos fritos, estranhos e gratuitos que têm por aí”, relembra.
O seu site não é o único que adotou a “missão” de levar estes jogos diferentes às pessoas interessadas. O Warp Door, referência do Jogos Fritos, tem um trabalho similar, e até de maior alcance, segundo o próprio Henrique. Têm também o itch.io, uma espécie de combinação de Steam independente com um reviews e críticas, que conecta criadores e jogadores em um dos mais significativos sites do segmento.
Há então, um grupo ativo, uma verdadeira comunidade, pela qual outgamers se conectam, do mesmo modo que os indies, que não deixam de ter certa semelhança. Afinal, ambos surgem como oposição dos mainstream games, e não conseguem chegar aos pés da sua popularidade e estrutura.
AAA
O termo “Triple A (AAA)” se refere à games com os maiores recursos financeiros, na casa de milhões de dólares, feitos por grandes empresas e estúdios de desenvolvimento com grande equipe, marketing pesado que gera muito expectativa e por isso são games em que se espera uma alta qualidade e um alto retorno financeiro, sendo os best-sellers do setor. Como exemplo podemos citar games como: GTA V, God of War, Bioshock, Call of Duty entre muitos outros. Só para se ter uma ideia de como os orçamentos podem ser elevados, o game GTA V, foi o game mais caro produzido até hoje e custou cerca de US$ 266 milhões (custos de produção e marketing ), ultrapassando valores de muitos filmes hollywoodianos. Além disso, o game obteve um retorno absurdo de US$1 bilhão em apenas 3 dias, sendo o produto de entretenimento que atingiu a marca de US$ 1 bilhão mais rapidamente.
Podemos perceber que a concorrência entre os tipos de games é desigual, dado que os AAA são games milionários com grande equipe e tempo de desenvolvimento e os indies são games de baixo recurso e equipe reduzida. Logo, os AAA tendem a atingir uma grande parcela dos gamers pelo mundo e ditar tendências e referências. No entanto, isso não significa que não há espaço para os games indies. Muito pelo contrário. Devido às preferências dos consumidores gamers, há espaço para todo tipo de game no mercado, e por ser um bem não rival, os games podem ser utilizados simultaneamente por milhões de usuários