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Crise na Venezuela: impactos e desdobramentos

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Por Camila Gabrielle 
 A Venezuela, país localizado na América do Sul e com cerca de 31 milhões de habitantes, vive uma crise, que se intensificou em 2013 e segue até os dias atuais. O país apresenta, em um levantamento mais recente feito pela Folha de São Paulo, uma inflação de 14. 000%, que representa uma catástrofe à economia venezuelana, já que a moeda perde totalmente seu valor econômico, afetando ainda mais os diversos setores na economia.
Para se ter ideia, os venezuelanos conseguem sacar no banco por dia, 20 mil bolívares, o que representa cerca de 1 Real no Brasil. Atualmente, o salário mínimo do país é de 2.555.500,00 bolívares venezuelanos, o que equivale cerca de 134 reais. O jornal venezuelano EI Nacional divulgou um levantamento informal, mostrando que 1kg de carne bovina custa cerca de 117 reais ou 2.245.000 bolívares. Devido tamanha instabilidade econômica, o país sofre com a falta de produtos básicos e medicamentos.
De acordo com o professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília (UNB), Alexandre Flávio, “a crise econômica venezuelana parece ser facilmente explicável através de dois conjuntos de variáveis. Uma externa, que é a cotação internacional do barril do petróleo. No início de 1999, quando começou a era Chávez, o preço do barril estava por volta de 11 dólares. Em 2008, o preço atingiu o máximo, mais de 120 dólares o barril. Em 2013, antes da morte de Chávez, o barril ainda valia algo como 100 dólares. Porém, de lá para cá,  o preço desabou. Em 2016, o preço estava em 32 dólares. Como o petróleo responde por mais de 90% das exportações da Venezuela, e como quase toda sua economia depende desse setor, a implosão do preço do produto fez com que as receitas do governo caíssem vertiginosamente.”
 
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Redução da produção de petróleo: um dos motivos da crise. (Fonte: Reprodução/O Globo)
 
Contraste Histórico
A Venezuela possui a maior reserva de petróleo do mundo. São 298,3 bilhões de barris, ou 17,5% de todo o petróleo do mundo. Este petróleo começou a ser explorado em 1908, no governo de Juan Vincente Gómez.
Porém, a maioria das exportações venezuelanas eram para os norte-americanos, fazendo com que o país focasse sua produção apenas em uma commodity, gerando uma situação de dependência econômica.  Na década de 50, o país já era o segundo maior produtor e o primeiro exportador de petróleo.
Apesar da economia estar indo bem, a população já enfrentava disparidades econômicas e condições de vida ruins, com elevada desigualdade social. Os venezuelanos passaram, então, anos vivendo um regime no qual se tem a maior reserva de petróleo do mundo e onde cerca de 70% das pessoas estavam abaixo da linha da pobreza. Um paradoxo acrescido de problemas nos setores de saúde, infraestrutura e educação.
Em 1998, Hugo Chávez assume o poder com uma população repleta de problemas sociais e, a partir daí, rompe com uma política externa de alimento aos EUA, investindo em ações que aumentaram sua popularidade.
hugoHugo Chávez realiza mudanças sociais mas centraliza o poder (Foto: Reprodução)
 
A desigualdade, de acordo com o índice de Gini, foi reduzida em 54%. A pobreza despencou de 70,8%, em 1996, para 21%, em 2010, e a extrema pobreza caiu de 40%, em 1996, para 7,3%, em 2010.
Apesar das ações do governo chavista, ele cometeu alguns erros. De acordo com Etti Sato,  professor de Relações Públicas da Universidade de Brasília, “a Venezuela já dependia pesadamente do petróleo, que distorcia a vida econômica da nação. A economia demasiadamente dependente de uma commodity de exportação não apenas prejudicava o desempenho do restante da economia, como também facilitava a construção de um processo de dominação política, que Chávez percebeu rapidamente. Nesse quadro, usando os recursos do petróleo, o governo chavista implantou um amplo programa “distributivo” de renda que fez aumentar bastante sua popularidade, criando as condições para reformar a constituição e permanecer no poder por longo tempo. Na literatura econômica existe o conceito de “doença holandesa” que se refere a casos como o da Venezuela, em que uma commodity de exportação prejudica o desempenho do restante da economia.”
O professor ainda ressalta que o governo de Chávez errou em utilizar os recursos do petróleo em programas populistas para reforçar sua posição no poder. Com as crises internacionais do petróleo e a queda do preço da commodity, a crise econômica se intensificou.
 
Governo Atual
Para o professor Alexandre,o que nasceu como a promessa de um “socialismo do século XXI” degenerou-se no populismo voluntarista típico da América Latina. A Venezuela é hoje, sob qualquer aspecto, um país muito pior do que aquele de 1999. Era um país que tinha tudo para ser desenvolvido, mas tem sofrido da maldição dos péssimos governos, de direita e de esquerda, ao longo de sua história”.
 
Além disso, ele argumenta que “pior do que a corrupção, que existe em todos os países, inclusive desenvolvidos, o problema do nosso subcontinente é institucional. Temos governos de direita e de esquerda que capturam o poder político e econômico em benefício próprio, distribuindo algumas migalhas para as massas (vez ou outra), mas incapazes de gerar uma efetiva melhora do ambiente jurídico, político, de qualificação da mão de obra, etc. Incapazes (ou sem vontade de) gerar as condições objetivas para o verdadeiro progresso do país’’.
 
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Nicolás Maduro não oferece um novo horizonte para o povo venezuelano (Foto: Reprodução)
 

Em 2013, Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, assume em um cenário já crítico. O professor Etti comenta que infelizmente a forte dependência da Venezuela do petróleo constitui um entrave ao desenvolvimento da economia do país. “O fato de o próprio governo ser dependente das rendas do petróleo torna ainda pior a situação e as possibilidades de recuperação do país”, argumenta. E ele explica o motivo: “um aumento dos preços internacionais do petróleo poderia significar algum alento para a manutenção do Governo Maduro, mas seria de pouca valia para a economia do país. Se você fizer uma lista dos países mais desenvolvidos, EUA, Grã-Bretanha, Noruega, Austrália e Canadá são as exceções que confirmam a regra: países ricos em commodities não são países desenvolvidos”. 

 

Seguindo sua análise, o professor ainda completa que “para esses países, as commodities constituem fontes apenas marginais de riqueza. Na última avaliação a Venezuela é registrada como possuidora da maior reserva petrolífera do mundo (maior até do que a da Arábia Saudita) mas, apesar disso, a produção anual de petróleo é menor do que a brasileira. No Brasil, o petróleo é apenas uma fonte de riqueza, entre muitas outras (soja, cana-de-açúcar, café, algodão, serviços, aviões, automóveis, etc. etc). Já na Venezuela o petróleo representa aproximadamente 95% das exportações”.

 
Há solução?
 Na visão do professor Etti, para a economia na Venezuela mudar, é preciso ocorrer mudanças substantivas no quadro político do país. “Não estou falando de uma possível “democratização”, mas apenas apontando para o fato de que, da forma como a política tem sido comandada, é impossível pensar no encaminhamento de soluções. Populismo, autoritarismo e centralismo do Estado dificultam o florescimento da economia. ”
Além disso, ele ressalta que  “se qualquer um de nós fosse proprietário de uma fazenda na Venezuela, ninguém iria comprar sementes, fertilizantes e máquinas agrícolas e muito menos contratar trabalhadores para plantar o que quer que fosse, pois estaríamos sempre “assombrados” com a possibilidade de que o governo declarasse como de interesse nacional que os preços dos produtos que plantamos fossem baixados para “atender a população carente” ou até mesmo que o governo decidisse simplesmente confiscar a produção em nome do “interesse nacional”.
Esta instabilidade política afeta diretamente a economia do país. O professor de Relações Públicas da Universidade de São Paulo (USP), Amâncio Jorge, acredita que bases democráticas representam a condição necessária para a recuperação econômica do país. “O não funcionamento das instituições resultam em ineficiência generalizada. Agentes externos que possam servir de mediação entre oposição e o governo pode ser um elemento indutor importante para a solução da crise”.
 
Impactos no Brasil
O Brasil faz divisa com a Venezuela e tem recebido um grande número de imigrantes (cerca de 800 por dia), principalmente em estados do Norte, como Roraima. De acordo com a prefeitura de Boa Vista, cerca de 40 mil venezuelanos já entraram na cidade e este número só tende a crescer.
 
De acordo com Etti, “para um Estado cuja população há dois anos era de pouco mais de 300 mil habitantes, é possível imaginar o impacto de receber mais de 40 mil imigrantes sem recursos e com muito baixa qualificação profissional. Assim, possivelmente, um dos impactos mais significativos da crise venezuelana sobre o Brasil possa vir a ser expor as fraquezas e vulnerabilidades do Brasil e de seu sistema federativo completamente desequilibrado tanto do ponto de vista político quanto em termos de recursos econômicos.” De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, de 2014 a 2017, mais de 1 milhão de pessoas já deixaram o país.
 
info g1                         Milhares de venezuelanos deixam seus país todos os dias (Fonte: G1)
 
Amâncio destaca um outro impacto desta crise, no que se refere ao Mercosul (Mercado Comum do Sul). O grupo, atualmente é formado por cinco membros plenos – Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela (suspensa do bloco desde dezembro de 2016), cinco países associados – Chile, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru –  e dois países observadores – Nova Zelândia e México. “A suspensão da Venezuela pelo Mercosul representou um custo político grave para o bloco. O calote da dívida do empréstimo do BNDES e a crise migratória são dois eventos que impactam de forma muito negativamente o Brasil”.
O calote no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) aconteceu em janeiro de 2018, quando a Venezuela deixou de pagar cerca de R$ 970 milhões em empréstimos, inclusive a bancos privados. O governo brasileiro arcará com esta dívida.
 

venezuelaRefugiados venezuelanos em Boa Vista (Foto: Reprodução)

Segundo o professor Alexandre Flávio, o efeito humanitário dos refugiados econômicos ainda é o principal problema, em relação ao Brasil, especialmente pelo fato de eles se concentrarem em Roraima, um estado com recursos muito limitados.
Ele ressalta também que “do ponto de vista econômico, apesar do calote e dos problemas no comércio bilateral, o impacto é secundário para o Brasil. A maior contribuição que o Brasil pode dar à Venezuela é fazer o possível para acolher da maneira mais humana e cordial esses refugiados econômicos. Não é fácil, dada a crise econômica que nós mesmo vivemos, mas é preciso fazer o possível.”
 
 
 
 

Redação

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