Descubra mais sobre a pesquisa que pode mudar os tratamentos com queimadura
Bárbara Pungi Villela e Tomio Komatsu
Segundo o Ministério da Saúde, mais de um milhão de pessoas sofrem queimaduras por ano no Brasil. A maioria das vítimas são pessoas de baixa renda e crianças. O que se utiliza no Brasil para o tratamento dessas queimaduras, na maioria das vezes, é a bandagem de gaze, técnica que provoca muita dor em sua manutenção. A UFC (Universidade Federal do Ceará) desenvolveu uma técnica inovadora, o uso de pele de tilápia em queimaduras. Segundo um grupo de pesquisadores da universidade, a pele do peixe, além de ser mais facilmente encontrada, pois 45,4% da produção de peixes no país são de tilápia, se assemelha muito à pele humana em umidade, quantidade de colágeno e resistência a doenças.
Pesquisas e mais pesquisas
O tratamento de queimaduras com pele de tilápia vem sendo desenvolvido desde o final de 2014, em Fortaleza, e é coordenado pelo professor doutor Edmar Maciel. Edmar é cirurgião plástico e professor na Universidade Federal do Ceará, onde realizou as pesquisas. Segundo ele, a tilápia é um peixe muito consumido na região. Além disso, os animais aquáticos têm menos risco de transmitir doenças aos seres humanos. Então, resolveram testar como a pele do peixe poderia ajudar no tratamento de pessoas vítimas de queimaduras. Agora, o Brasil conta com o primeiro banco de pele de animal aquático do mundo, localizado em Fortaleza.
Antes descartadas, agora as peles de tilápia vão para o Núcleo de Pesquisa e desenvolvimento de Medicamentos da UFC, onde são limpas, recortadas e esterilizadas. Em seguida, as peles seguem para São Paulo, onde recebem irradiação para matar os vírus e voltam para o Ceará. Cada peixe limpo rende duas peles, com cerca de 15cmx5cm cada. Segundo Edmar, essa quantidade consegue cobrir duas palmas de mão; já para um braço, seriam necessários dois peixes e meio.
Tratamento da pele de tilápia. Foto: Edmar Maciel
Hora de colocar em prática
Após 18 meses de teste em ratos, eles buscaram avaliar as reações que a pele de tilápia teria ao ficar em contato com a pele humana. Sendo assim, testaram em pessoas sem nenhum ferimento. Em seguida, era a hora de testar em queimaduras, e os resultados não poderiam ser melhores. Segundo Edmar, todos os pacientes que tinham queimaduras de 2º e 3º grau tiveram uma cicatrização mais rápida, por volta de um ou três dias de diferença, quando usaram a pele do peixe. Além disso, o tratamento em si se torna muito menos doloroso, uma vez que a pele de tilápia não precisa ser trocada com tanta frequência.
Quando existe uma queimadura de 2º grau leve, a pele do peixe pode ficar na ferida até sua total cicatrização, sem a necessidade de troca. Nas queimaduras de 2º grau mais profundas, deve-se trocar a pele da tilápia entre quatro e sete dias depois de colocada. No caso das queimaduras de 3º grau, onde seriam necessários enxertos, o tratamento já vem demonstrando ótimos resultados. Segundo Edmar, a pele se adere ao corpo humano, como se fosse um tampão, evitando a perda de líquidos, entre eles o colágeno, além de diminuir o risco de contaminação por agentes externos.
Em um futuro não tão distante
Pele de tilápia aplicada em queimaduras. Foto: Edmar Maciel
A última etapa da pesquisa em humanos começou em abril. Nela, mais de 150 pacientes serão observados e, se tudo der certo, por volta de junho de 2018, a equipe pesquisadora poderá solicitar o registro do produto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Após esses passos, a pele de tilápia poderá estar disponível em todos os centros de tratamentos de pessoas queimadas em 2020, mas isso se o Ministério as Saúde demonstrar interesse, o que ainda não aconteceu.
A pesquisa é apoiada pela Enel Energia, uma empresa privada, multinacional, e, segundo Edmar, já despertou o interesse de vários países, como Estados Unidos, China, Índia, Arábia Saudita e Israel, mas nada do Governo Brasileiro se manifestar.
Edmar afirma que, se implantada, a pele de tilápia pode diminuir os gastos públicos, além de ajudar e muito no tratamento dos pacientes. Segundo o pesquisador, 97% dos pacientes com queimaduras no Brasil não têm plano de saúde, sendo atendidos pelo SUS, todos à base de pomadas, o que gera dor aos pacientes e gastos aos cofres públicos. A solução, simples e genial, está dentro do país, mas diante dos olhos de um governo cego quando o assunto é ciência e tecnologia.