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DE MOLEQUE VIRADO NO ESTOPÔ A CHEF DE COZINHA

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Quatro irmãos. Coco. Folha de bananeira. Uma fogueira. Tudo começou quando, numa brincadeira de criança no meio dos coqueirais, Moacir decidiu colocar em prática uma receita vista no programa da Ana Maria Braga. O resultado da traquinagem foi uma fumaceira “danada” que marcou o início de sua carreira na cozinha: ficou de castigo e teve de trabalhar na padaria do orfanato em que vivia. Depois disso, nunca mais parou de cozinhar.
A alegria constante e o sotaque acentuado não negam: foi no calor da capital baiana que Moacir se criou. E foi de lá também que herdou a paixão pelo acarajé e pela cozinha nordestina. Como chef, sabe fazer de tudo: comida francesa, italiana, portuguesa, árabe e até vegana… Mas é nos sabores do Brasil que ele se encontra.
Descobriu seu futuro quando um consultor de trigo foi até a padaria do orfanato e o questionou sobre o que queria ser quando crescesse. Sem hesitar e nem entender muito, ele respondeu: “padeiro”. O que sabia era que gostava de estar ali, na cozinha. Ao terminar a escola aos 17 anos, entrou para a terceira turma de Gastronomia do Centro Universitário Jorge Amado. Lá, ele aprendeu não só a aprimorar seus dons, mas também as coisas da vida. A galera era muito descolada e ele todo caretão. “Mamãe criou a gente da escola pra casa”.
Vontade de voar. Foi isso que o levou a abandonar as praias baianas e a enfrentar o agito de São Paulo. “Quando a gente é criado em orfanato, a gente quer voar, passarinho foi criado pra voar”. Nunca se arrependeu dessa decisão e sempre foi feliz desde que saiu de lá – exceto nos dias de “frio da peste”, inexistentes em Salvador e tão comuns no estado paulista.
Apesar de mãe ter criado todos como família, sempre viu sua casa baiana como uma passagem. “Morar em orfanato é um desafio pra vida desde quando você chega. Eu tinha ali, mas não tinha mais nada, não tinha pai e não tinha mãe”. E é por isso que seus objetivos sempre foram bem definidos: estudar e ser alguém.
Mas, de lá e do cheiro de dendê, guarda saudade e gratidão. Mãe sempre deu carinho, o fez ser quem é hoje e valorizar tudo que tem e conquista. Ia na escola, tinha aula de inglês, ioga, capoeira e teatro. Nunca faltou nada – e, se algum dia faltou, foi porque ele, garoto traquina que odiava leite, distribuía a bebida do depósito aos garis que passavam pelas redondezas, na missão de beber chá no café da manhã do dia seguinte.
Há mais ou menos sete anos, um amigo da faculdade, o Guga, o convidou para trabalhar no bistrô do seu tio em Jaú. E a resposta foi sim. Mudou os rumos da sua história levando consigo a roupa do corpo e o livro chef Profissional, sua bíblia da gastronomia, que, segundo ele, ensina desde o modo de calcular um prato até como fazer um molho demi-glasse. “Foi o que deu pra trazer”.
Passou por muitos lugares até começar a trabalhar no Bar da Rosa, restaurante que existe desde antes de Moacir nascer e em que ele, hoje, tem o nome estampado na parede como chef da casa. Seu pior trabalho foi numa loja de alambrados, “tinha que ficar em frente ao computador e eu odiava, chegava olhando no relógio pra ver se faltava muito pra ir embora”. Também já trabalhou organizando eventos, como a Stock Car e o carnaval de Salvador, mas foi na cozinha que ele quis fincar raízes. “Eu costumo dizer que se eu tiver que trabalhar com outra coisa, eu estou fodido, vou passar fome”, fala com espontaneidade sem deixar de reiterar no final: “Verdade”.
Seu paladar doce já enfrentou situações amargas pra chegar onde está – as quais ele sempre encarou com um bom humor de dar inveja. Começou a trabalhar em Bauru como Chef de um bistrô francês em que a cozinha era de vidro. Quando os clientes perguntavam quem era o tal do Moacir Santana, era o último a ser apontado. Quando o conheciam, perguntavam se era estrangeiro. O motivo? A cor. “Ser negro no Brasil é o uó”.

chef moacir sorrindo no bar da rosa

Chef Moacir contando sobre todas as dificuldades pelas quais passou com sorriso no rosto. Foto: Gabriela Silva


A pouca idade também já foi um problema, não pra ele que trabalha profissionalmente com cozinha há dez anos, mas sim para um cliente que duvidou de seu trabalho e não deixou uma festa em suas mãos. E ele? “Pego esses preconceitos, amarro tudo e jogo fora”.
Já passou por restaurantes de diferentes tipos e já fez comidas de diferentes sabores. O melhor? O Bar da Rosa, claro. “Gastronomicamente falando é um dos lugares que mais me identifiquei porque aqui eu faço coisas que cresci comendo e pra qualquer chef não existe coisa melhor do que fazer o que gosta e que cresceu comendo”.
Quem pensa que a rotina é moleza, se engana. A vida é uma loucura e a sobrecarga é muito grande. Tem que criar, tem que pensar cardápio, evento e tem que colocar tudo em prática também. Levar trabalho pra casa já deixou de ser novidade há um tempo. Segunda é folga, mas não é folga. Nem suas viagens são voltadas para o lazer. Museu? Não. Moacir viaja pra comer – e os restaurantes chiques nunca fazem parte de seu roteiro. Ele gosta mesmo é de experimentar a culinária “raiz”, pois são as menores portinhas que mostram como a comida é feita de verdade.
Mesmo com seus poucos 24 anos, já se aventurou muito na cozinha e tem o sabor das coisas na cabeça. Rapadura. Coco. Amendoim. “Imagina o sabor dos três juntos, coloca no papel e depois é só botar na prática”. Moacir faz parecer fácil e é assim que ele cria seus pratos tão aclamados pelos clientes. Sempre na madrugada “porque de dia não vem que não tem”. Às vezes, sonha com alguma combinação, acorda e já anota rapidinho pra não esquecer.
O segredo do sucesso? Uma boa equipe. Moacir reconhece a importância de cada um e faz questão de ensinar tudo que sabe, uma, duas, três vezes se for preciso. Seu objetivo é fazer com que sejam melhores do que ele. “Ninguém é nada sozinho”. No começo não foi tão fácil assim. Por ser exigente, ele quer que tudo saia perfeito. Quando algo não sai como deveria, vira o ó do borogodó, mas reconhece o carinho de quem trabalha ao seu lado. Com os clientes, a relação não poderia ser melhor. Não há quem não o reconheça. O sorriso vibrante no rosto passando de mesa em mesa não lhe permite esconder todo o amor pelo que faz.
Sobre relacionamentos, o chef é direto: “hoje eu estou focado na minha carreira”. Quando aparece alguém, ele não mente e diz logo: “não dá, eu sou uó”. Relacionamentos exigem muito e passarinho gosta de liberdade. O futuro ninguém sabe, mas hoje o importante é sua profissão – e suas plantas, claro. Seu apartamento é cheio delas: na sala, na cozinha e na varanda. De cacto à samambaia, Moacir não tem uma preferida. As que foram presentes, têm nomes. Se pudesse, fazia de sua casa uma floresta.
Quando acorda, liga o som, as molha. A música? Qualquer uma. Às vezes, ópera, às vezes, funk, mas também pode ser jazz. Seu apartamento só fica em silêncio quando ele não está. O importante é ter algo tocando, o estilo musical depende do dia e do humor. Da mesma forma também decide qual dentre seus 20 pares de óculos vai usar. Os modelos inusitados e um tanto estilosos não poderiam ser escolhidos de outra forma: chega na loja, procura os que ninguém compraria e então compra. Há quem pense que o resultado não é bom, mas quem conhece Moacir tem a certeza que é.
chef moacir com camiseta do bar da rosa

Moacir não tem receio de dizer que se encontrou na culinária do Bar da Rosa. Foto: Gabriela Silva


Em sua casa, não podem faltar boas bebidas. Ele faz questão, pode ser gim ou vinho – porque é bom pra saúde e também porque ele gosta. Já nas gavetas da cozinha, uma contradição: faltam panelas. Quando reúne os amigos pra um jantar, eles tem que levar. O Chef não tem e o motivo é um tanto assustador: não cozinha pra ele mesmo. Nunca. Sua comida é para os outros.
Cozinhando, coloca toda sua energia e todo seu sentimento no que faz. “Cozinhar um ato de amor”, ressalta. Em dias mais cinzas em que não está tão de bem com o mundo quanto gostaria, não gosta de chegar perto do fogão. Por trabalhar em restaurante, tem que cozinhar mesmo assim e, apesar de nunca ter ouvido uma reclamação, nunca fica satisfeito com o que faz.
Como chef, sua principal missão é colocar em suas criações ingredientes que normalmente as pessoas desconhecem ou até tem um certo preconceito por não conhecer – sempre buscando os sabores do Brasil, afinal, “a gente tem um repertório lindo e ninguém explora direito”.
Com seu espírito camaleão, que nunca deixou de sorrir para a vida como um arco-íris no ar, seu tempero favorito não poderia ser outro: canela, especiaria que, assim como ele, alegra tanto pratos doces, como salgados. Solto na imensidão do mundo como um mar que não tem tamanho, se arrepia todinho todas as vezes em que ouve a música que mãe lhe apresentou, Tarde em Itapuã. Seu sonho? Ser um dos melhores chefs do Brasil. Ele diz que ainda não é, mas existem motivos que nos levam a acreditar que sim.

Por Bianca Furlani e Gabriela Silva

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Redação

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