Um terço de toda a comida produzida no mundo é jogada fora por ano
Por Bianca Arantes e Flávia Nosralla
A 332 quilômetros da capital paulista, na cidade de Bauru, no noroeste do Estado, das 320 toneladas de lixo despejadas no aterro diariamente, em 2014, 80 toneladas eram de materiais orgânicos. Segundo apuração do Jornal da Cidade na época, mais da metade desse total corresponde a restos de alimentos, que poderiam ser aproveitados tanto na cozinha quanto para compostagem.
No Brasil, segundo dados de 2013 da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), 26,3 milhões de toneladas de alimentos vão para o lixo todos os anos no Brasil. Diariamente, são desperdiçadas 39 mil toneladas, quantidade suficiente para alimentar 19 milhões de brasileiros com as três refeições básicas: café da manhã, almoço e jantar.
Seria necessário um terreno na área do México para gerar a quantidade de alimentos que as pessoas produzem, mas não comem, a cada ano. Isso é o que afirma o relatório Global Food: waste not, want not (“Comida Global: não desperdice, não queira”, em tradução livre), divulgado pelo Instituto de Engenheiros Mecânicos (Imeche), do Reino Unido, em janeiro de 2013. A pesquisa apontou que entre 30 e 50% dos alimentos produzidos anualmente no mundo nunca são ingeridos, aproximadamente, 1,2 a 2 bilhões de toneladas que tinham o lixo como destino.
Mais comida é desperdiçada na fase de consumo – nas residências, restaurantes e cafeterias – do que em outros estágios da cadeia. Quase todas as áreas urbanas têm níveis altos de desperdício de alimentos, que poderiam ser consumidos quando chegam às pessoas, mas são descartados antes ou depois de estragarem.
De acordo com o relatório britânico, na época, cerca de 550 bilhões de metros cúbicos de água eram desperdiçados, todos os anos, na produção de gêneros alimentícios que vão para o lixo, e a situação pode ficar ainda pior, caso não haja mudanças nesse processo. Segundo o estudo, até 2050, o uso de água no mundo chegará a 13 trilhões m³/ano, sobretudo por conta da demanda para produção de comida.
Consequências além da fome
Os efeitos negativos do desperdício de alimentos não se resumem à falta de comida. Essa perda se traduz também em água e materiais desperdiçados para a sua produção, além da produção de gás carbônico e excesso de lixo orgânico.
De acordo com relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, FAO (“Food and Agriculture Organization”), em 2013, as 1,3 bilhão de toneladas de comida que são jogadas foram anualmente simbolizam a perda de 750 bilhões de dólares. Para a produção desse material, foram utilizados 250 quilômetros cúbicos de água e ocupados 1,4 bilhão de hectares de terra. Esse desperdício é preocupante, visto que 70% da água disponível no planeta é utilizada para a agricultura.
Não bastasse o que foi gasto sem motivo, os alimentos produzidos e desperdiçados emitiram 3,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbônio (CO2) por ano, o que tem influência no aquecimento global e na destruição da camada de ozônio.
Diferentes causas para um mesmo erro
O desperdício se dá tanto nos países pobres quanto nos ricos, a diferença é quando ela ocorre. Nestes, o consumidor tem o hábito de comprar mais do que consegue comer, enquanto nos primeiros a falta de tecnologia e as dificuldades quanto ao armazenamento e ao transporte são as responsáveis. Ambas as realidades, entretanto, podem ser modificadas para diminuir a perda.
Os alimentos estão submetidos a um padrão estético que, muitas vezes, faz com que eles sejam descartados antes mesmo de terem a oportunidade de serem adquiridos pelo consumidor ou não. Na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) de Bauru, os alimentos que apresentam manchas, estão amassados ou não têm o formato costumeiro têm uma segunda chance. De acordo com Angélica Oliveira Martins, técnica administrativa, há um Banco de Alimentos instalado na Ceagesp “voltado à coleta de doações de produtos hortifrutigranjeiros que não estão dentro dos padrões comerciais, mas ainda estão próprios para o consumo humano”.
Os alimentos são doados pelos atacadistas e produtores que têm área de comercialização na unidade e, após passarem por triagem, são encaminhados às 29 Entidades que estão cadastradas junto à Ceagesp, responsáveis pela alimentação de 33.800 pessoas. Segundo Angélica, “através deste programa, no ano de 2015, houve a distribuição de um volume de 383 toneladas de alimentos a indivíduos carentes”. A técnica administrativa lembra ainda que o Banco de Alimentos também possui uma parceria com o programa Mesa Brasil do SESC, de maneira a auxiliar “o combate à fome e as ações educativas de aproveitamento integral dos alimentos”.
Além de ser possível realizar doações, como no caso da Ceagesp, é possível empreender em cima do desperdício. A equipe do Fruta Imperfeita, por exemplo, se baseou no Capitalismo Consciente para criar um negócio que fosse benéfico e relevante para todos: meio ambiente, comunidade, clientes, fornecedores, e não apenas gerar dinheiro, conta Roberto Fumio Matsuda, criador da empresa. Ele e a esposa, Nathalia Inada, desenvolveram um esquema de venda delivery de frutas, verduras e legumes a baixo custo. Os alimentos advêm de parcerias com produtores como forma de serem aproveitados quando não são vendidos pelos grandes mercados.
Por meio do site da empresa, é possível comprar uma cesta ou adquirir uma assinatura de cestas que contêm tamanhos e variedades diversas desses gêneros alimentícios. Em comparação a outros estabelecimentos que oferecem esse tipo de delivery, a economia é de 66%, segundo Matsuda. “Em uma cotação online para 5kg de produtos, composta por banana, maçã, goiaba, abacate, tomate, abobrinha, berinjela e pepino, o orçamento fica em R$ 47,10; a nossa cesta mista com a mesma pesagem e com os mesmos produtos sai em torno de R$ 15,00”, explica o criador do Fruta Imperfeita. Enquanto o quilo desses produtos sai, em média, por R$ 9,00 na rede varejista, ele o vende por R$ 3,00. A economia é um dos chamarizes para a iniciativa que busca um consumo consciente e o combate ao desperdício.
Atualmente, o equipe atua na Zona Sul da cidade de São Paulo, pois há fatores que interferem na logística dos grandes centros, como “distância, trânsito e dificuldade para estacionar veículos”, segundo Roberto. Ele comenta que a logística da Fruta Imperfeita funcionaria bem em cidades de pequeno porte e que, para vencer as barreiras da metrópole paulista, eles objetivam abrir lojas físicas que facilitariam o processo.
Tá na mesa
Se o desperdício não for combatido no processo de fornecimento do alimento, ele ainda pode ser evitado minutos antes do prato chegar à mesa. O projeto Satisfeito realiza parceria com restaurantes para que estes ofereçam em seu cardápio os Pratos Satisfeitos, que apresentam a mesma composição, mas em porções reduzidas. O valor economizado é repassado para instituições relacionadas à alimentação de crianças na cidade. “Uma vez que o custo efetivo dos insumos representa aproximadamente 30% de seu valor final do prato, sugerimos como valor de referência o repasse entre 5 e 10% do preço, o que corresponde à quantidade de alimento efetivamente economizada”, explica Marcos Szrajer, responsável pelo projeto Satisfeito.
A ideia foi criada no Brasil e testada no México e nos Estados Unidos. Em terras brasileiras, a iniciativa tem mais de 50 restaurantes participantes e oito entidades atendidas. Eles apostam em parcerias estratégicas que divulguem “o projeto tanto para o setor de gastronomia quanto para o público em geral”, comenta Marcos. “É uma proposta atrativa ao comércio ao mesmo em que desperta o engajamento dos clientes e gera recursos para combater a fome”, finaliza ele.