Como o candidato republicano consegue altos níveis de popularidade mesmo envolvendo-se em grandes polêmicas durante a corrida presidencial?
por Tamiris Volcean
Com um processo eleitoral totalmente diferente dos moldes brasileiros, os Estados Unidos preparam-se para eleger o novo morador ou a nova moradora da Casa Branca. Em novembro de 2016, conheceremos qual partido, Republicano ou Democrático, irá governar uma das maiores potências econômicas do mundo.
Conhecido pela surpreendente liderança nas primárias do Partido Republicado, Donald Trump é o candidato mais assediado pela mídia norte-americana, que está dividida entre veículos favoráveis a sua vitória e outros, em oposição, que denunciam o conteúdo xenófobo, racista e preconceituoso de seus discursos, classificando-os como desumanos.
Nas eleições de 2016, considera-se que houve crescimento de 90% das sondagens e pesquisas eleitorais. Ao contrário do Brasil, onde o Ibope e Datafolha costumam fazer pesquisas de campo, nos Estados Unidos são poucos os institutos que ainda vão às ruas, a maioria realiza suas sondagens por telefone.
Várias são as causas para que essa seja considerada uma das eleições mais badaladas da história. Podemos citar a chance de ser elegida a primeira mulher, Hillary Clinton, a ocupar o cargo presidencial e a vitória de Trump nas primárias, o que causou espanto e repulsa em uma grande parcela da população dentro e fora do país.
O complexo processo eleitoral dos Estados Unidos
As eleições presidenciais dos Estados Unidos constituem um período de grande tensão política e social no território norte-americano. Tudo começou em 1 de fevereiro de 2016, com as eleições primárias, que perduraram até 14 de junho.
O procedimento eleitoral nos Estados Unidos apresenta uma configuração distinta da sucessão de ações que ocorrem nas eleições brasileiras. Os partidos Democrata e Republicano realizam primárias individualizadas em estados para definir quem serão os candidatos para a disputa da Casa Branca. O processo, que dura quase o ano todo, apresenta muitas etapas de escolha.
As primárias são divididas em primárias republicanas e primárias democratas, ou seja, são as eleições internas de cada partido. O participante só pode votar em uma delas. Em alguns estados, a primária é um evento aberto, enquanto em outros, é exigida filiação partidária para participar.
O processo eleitoral americano se preocupa em equilibrar a influência dos estados no rumo político da nação, de acordo com o número de habitantes. Portanto, ganhar as primárias na Califórnia não tem o mesmo peso de sair vitorioso no Alaska.
Após o candidato de cada partido ser escolhido por meio das primárias, inicia-se, então, o processo de campanha eleitoral e, na sequência, a eleição, marcada para 8 de novembro.
Os ganhadores das primárias: Hillary x Trump
Com a finalização das prévias e a indicação dos partidos, Hillary Clinton e Donald Trump foram apresentados como os candidatos oficiais das eleições que acontecem em novembro deste ano. Hillary representa o partido Democrata, com ideologia classificada como centro-esquerda, enquanto Trump luta pela vitória dos Republicanos, de caráter mais conservador.
Os candidatos apresentam programas de governo distintos e, durante os debates, fazem questão de argumentar a favor de suas causas. A trajetória de ambos justifica muitos de seus posicionamentos, demonstrando a necessidade de que se conheça a ideologia que se entrelaça com a vida pessoal.
A maior rivalidade entre Hillary e Trump reside nas decisões relacionadas à política externa. Ambos afirmam desejo pela restauração da liderança mundial dos Estados Unidos, no entanto, enquanto a candidata prefere seguir por caminhos que fortaleçam alianças, cultivando novas parcerias, Trump não hesita em afirmar que não vê problemas em sacrificar até mesmo seus aliados em função do desenvolvimento norte-americano.
Alexandre Bastos, professor de geopolítica da Universidade do Sagrado Coração, ressalta que os Estados Unidos vivem hoje o desgaste de um governo democrata que não soube pensar estrategicamente nos problemas econômicos. No entanto, reafirma a importância de Hillary no cenário político atual: “O Partido Republicano sempre representou as classes mais ricas e conservadoras, herdeiros dos escravistas que lutaram contra os liberais do norte. Hillary representa uma abertura cultural multigênera que incomoda os setores mais conservadores de um país de colonização puritana”.
Como Donald Trump venceu as prévias?
Donald Trump foi o candidato escolhido para representar o partido Republicano na corrida presidencial. Para que chegasse ao resultado final, no entanto, Trump teve que vencer as primárias e estar bem posicionado nos “caucus”, como são conhecidas as convenções partidárias.
Trump era pré-candidato juntamente com Marco Rubio, o mais jovem concorrente, e Ted Cruz. Todos os candidatos republicanos apresentaram como principal proposta a restrição da entrada de imigrantes nos Estados Unidos.
Durante as assembleias de delegados, membros do partido que constituem a Convenção Nacional, Trump mostrou maior influência, o que, para Alexandre Bastos, especialista em conflitos externos e professor de geopolítica da Universidade Paulista, deve-se ao fato de seu poderio econômico.
Quem é Hillary Clinton, a concorrente de Trump?
Hillary tornou-se conhecida na época em que seu marido, Bill Clinton, foi presidente dos Estados Unidos. Foi primeira-dama durante oito anos (1993 a 2001) e, desde então, tem participado de ações políticas.
Esta não é sua primeira candidatura. Há oito anos, foi derrotada por Barack Obama nas primárias. Foi senadora pelo estado de Nova York (2001 a 2009) e secretária de Estado do governo Barack Obama (2009 a 2013). Neste ano, pretende, finalmente, vencer as eleições e se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente nos Estados Unidos.
Na política, já foi senadora e conseguiu aprovar três leis em oito anos. Também atuou como secretária do Estado, que é o cargo mais importante dentre os não elegíveis nos Estados Unidos, pois secretários de Estado são responsáveis pela formulação e execução da política externa americana.
Hillary construiu bases sólidas para sua carreira e, no momento, segue confiante para a reta final. Entretanto, uma pesquisa realizada pela rede de TV norte-americana CNN, indica que Trump está, no momento, liderando a corrida eleitoral. Ao longo de sua campanha para chegar à Casa Branca, tem colecionado polêmicas e desafetos entre os norte-americanos.
Apesar da receptividade negativa em muitos estados, bem como sua questionável reputação no cenário internacional, uma parcela da população ainda demonstra intensa admiração pelo candidato. Em meio ao conflito de amor e ódio causado no mundo todo, Trump continua com seu discurso original, ácido, agressivo e, muitas vezes, preconceituoso.
A personalidade Trump
Gustavo Montes, professor da Faculdade de Psicologia da UFF, especialista em psicologia comportamental, traçou um panorama de como a fortuna de Trump, acumulada a partir do sucesso no setor imobiliário na região de Nova Iorque, influenciou em sua personalidade e, consequentemente, em seus altos índices de popularidade. Para Montes, Trump surge como um garoto mimado, que deseja poder.
A revista The New Yorker divulgou, no final dos anos 1990, um perfil de Donald Trump, no qual constavam informações sobre traços de sua personalidade, além de características comportamentais. De acordo com o artigo publicado, a teoria de Gustavo Montes tem embasamento.
“Com sua elegância e seus cabelos dourados impecáveis, Trump convence seus interlocutores. É fato de que a fortuna lhe confere um perfil ganancioso e narcísico. Mais ainda do que Ronald Reagan, Trump parece totalmente consciente do fato de que está representando um personagem o tempo todo. Ele sabe que é observado. Se todos os seres humanos são, pela sua própria natureza, atores sociais, então Donald Trump parece sê-lo ainda mais — um super-homem.”, discorre o psicólogo sobre o fato.
Freud, em uma de suas obras, analisa o perfil e a arte de Leonardo da Vinci. Mais tarde, em 2001, várias obras sobre a personalidade de George W. Bush apareceram no mercado. É comum que se faça investigação à época das eleições, uma vez que as tendências comportamentais indicarão muito dos rumos que serão tomados no futuro.
O psicólogo da UFF ainda afirma que Trump é um candidato de extremos. Em muitas situações, como nos palanques, quando discursa política, ou nos palcos, quando apresenta seu reality show, o empresário exalta-se em suas colocações. Ora dramático e pedinte, ora simpático e contagiante.
As possíveis causas da popularidade do empresário Donald Trump
Sabe-se que grande parte de sua popularidade é fruto de seu trabalho como apresentador do reality show O Aprendiz, transmitido pela NBC, mídia televisiva norte-americana. No programa, executivos convivem em um hotel e competem por posições privilegiadas em uma das empresas de Trump. A primeira edição do programa foi ao ar em 2004 e já coleciona 14 temporadas.
Apoiado pela herança de sua família e pela audiência de seu programa de TV, Trump não tem medo de dizer abertamente o que pensa. Ainda que seus discursos sejam classificados como polêmicos, o candidato continua dando declarações questionáveis.
“Devemos analisar Trump não como um fator isolado, mas um fenômeno mundial: uma onda conservadora. Onda essa que vem crescendo no mundo todo, pautada em temas como xenofobia, um falso moralismo e em alguns casos a diminuição do Estado na economia, alegando sua ineficiência. Vimos recentemente Le Pen chegando no segundo turno da França. Temos Bolsonaro no Brasil. Tivemos recentemente Berlusconi na Itália.”, lembra o historiador Thiago Parra, formado pela Universidade Estadual Paulista.
Para Parra, Trump é uma grande contradição, pois, embora seja extremamente conservador em questões sociais, mostra-se neoliberal nas questões econômicas. Fato que comprova o comportamento extremista proposto por Gustavo Montes.
Quando questionado sobre a influência da mídia nos altos níveis de popularidade eleitoral de Trump, o historiador relembra que o eleitorado estadunidense está acostumado a eleger celebridades.
O Show de Trump
O professor Alexandre Bastos não enxerga resultados satisfatórios para Donald Trump nessa eleição. Para ele, a exposição excessiva que, a priori, mostrou-se aliada em sua campanha eleitoral, hoje em dia atua como denunciante de suas falcatruas econômicas.
“Acho que esse show promovido na TV parece estar se virando contra ele. A exposição excessiva tem revelado sonegação de impostos e a sua verdadeira face aristocrata. Ele já esta perdendo a eleição”, afirma Bastos.
Neste ponto, faltando pouco mais de quatro semanas para a eleição, podemos dizer que Trump investe em ataques contra Hillary, como medida desesperada para reconquistar sua popularidade.
Utilizando temáticas questionáveis, como a infidelidade do marido de Hillary na época em que era presidente dos Estados Unidos, o empresário afirma falta de pulso firme na oponente. Outro assunto abordado foi a pneumonia que atacou a candidata no último mês, o que sugere, para Trump que ela não esteja em suas melhores condições de saúde para governar o país.
Os discursos fazem parte da estratégia de Trump para desviar a atenção dos eleitores de suas irregularidades fiscais. De acordo com a declaração do imposto de renda de 2016, o empresário teria usado artifícios legais para não pagar impostos durante cerca de 20 anos. Neste ano, anunciou a perda de 916 milhões de dólares.
“Na minha opinião o tradicionalismo democrático é mais forte que uma mudança conservadora. O Show de Trump vai acabar em breve”, finaliza Bastos.
Atual situação das pesquisas
Hillary foi favorecida após o primeiro debate entre os candidatos, marcado por acusações, e dos escândalos que mantiveram o comitê de campanha de Trump ocupado para tentar controlar os problemas.
No debate, ela propôs melhor preparo para a polícia norte-americana, além de persistir na iniciativa de aumentar os impostos para a alta renda e reduzi-los para o restante da população. As medidas sociais posicionam a democrata no topo da preferência de jovens, negros e mulheres.
Entre os negros, 83% julgam a democrata vencedora e mais capaz de unir o país e 74% dizem que o debate aumentou a disposição a votar nela. Mulheres são mais favoráveis a Hillary, mas por diferenças bem menos significativas.
Uma pesquisa da Politico and Morning Consult revelada nesta segunda-feira mostra que Hillary agora supera Trump por 42% a 36% nas intenções de voto, incluindo outros candidato minoritários, como o libertário Gary Johnson (9%) e a ambientalista Jill Stein (2%).
De acordo com esta pesquisa, quando considerados apenas os candidatos principais, a vantagem de Hillary sobre Trump, atualmente, é de 46% a 39%.
Considera-se a Flórida, Ohio e Arizona como estados-chave para a decisão das eleições, uma vez que ainda se declaram indecisos em relação aos candidatos. No geral, o projeto revelou que Hillary continua a ter uma vantagem sobre Trump no Colégio Eleitoral, o organismo que escolhe de fato o presidente.