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Educação à distância no ensino superior: quais são as problemáticas ?

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Desde o início da quarentena boa parte das instituições de ensino tem ministrado às atividades on-line, mas essa modalidade paliativa traz uma série de questões

Por Jessica Ferreira

A quarentena devido a pandemia de Covid-19 foi um evento inesperado para todos os brasileiros. Desde março, quando teve início o isolamento social, vários serviços tiveram que interromper suas atividades ou transferi-las para o home office, um deles foi a educação. Com a interrupção das aulas presenciais, a maioria das universidades optou por ministrar as atividades a distância, o que expôs as diferenças sociais que circulam as instituições de ensino, em especial, as universidades. 

Emannuele dos Santos é estudante de fisioterapia na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais e relata as dificuldades de se manter estudando durante a pandemia, “eu sou manicure, minha renda caiu para menos da metade, estou tendo que pedir ajuda para minha família para poder pagar as mensalidades”. As dificuldades não são só financeiras, “eu passei esse semestre sem aprender muita coisa, pretendo trancar o próximo semestre, eles querem que as matérias práticas sejam feitas na faculdade, eu prefiro não arriscar”.

De acordo com a Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP), em abril a inadimplência no ensino superior subiu 72% em relação ao mesmo período no ano passado. 

A debilidade financeira dos brasileiros  foi agravada com a pandemia de Covid-19 e afetou todos os setores do mercado, isso inclui a educação. Rodrigo Capelato, diretor da SEMESP  em entrevista ao Estadão, afirmou que o trancamento de matrículas nas universidades subiu 32,5% em comparação a 2019. 

O trancamento de cursos junto a ausência e atrasos no pagamento colocam em risco o funcionamento das instituições de ensino superior particulares. Além de corte de gastos e demissões, cerca de 30% das faculdades privadas correm o risco de falir até o final do ano.

O crescimento da inadimplência e evasão são consequências da crise política e econômica brasileira. Arte por Jessica Ferreira

Na tentativa de dar um fôlego financeiro para os estabelecimentos de educação, o senado aprovou a criação de uma linha de crédito para ensino, trata-se do Certificado de Recebíveis da Educação, o CRE. O título de crédito será disponibilizado de acordo com as matrículas e mensalidades a receber. A expectativa é de que os investidores dessa aplicação fiquem isentos do imposto de renda.

Os problemas financeiros também afetam as universidades públicas, durante a pandemia as universidades estaduais paulistas perderam R$1,2 bilhão de reais. A verba tem sido insuficiente para cobrir os gastos durante a quarentena, USP, Unicamp e Unesp tiveram que lançar planos de contenção de gastos, que incluem a redução de contratos e suspensão de concursos. Ainda, fizeram uso do fundo de reserva para manter as atividades acadêmicas e administrativas. 

A questão do acesso 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)  um terço dos brasileiros não possui acesso a internet, esse número é maior entre as classes C e D. Além de uma internet de qualidade, para acompanhar as aulas à distância é necessário possuir outros equipamentos, como computador, celular smartphone, webcam, fones de ouvido e microfone.

Mesmo nas universidades públicas, os estudantes relatam muitas dificuldades de se manter na graduação, especialmente por conta do ambiente de estudos. Jaqueline Apolinário é aluna de Pedagogia na Unesp de Rio claro, segundo ela é difícil acompanhar o conteúdo. “A internet da minha casa é muito ruim, não consigo assistir as aulas em tempo real”, diz Jaqueline. 

A pró-reitora de graduação da Unesp, Gladis Massini-Cagliari afirma que a universidade adquiriu 3.000 chips com acesso a internet para serem enviados aos alunos para uso nos próximos 6 meses. Mesmo com o fornecimento do chip, Jaqueline não consegue participar das aulas como gostaria, “meu ambiente de estudos é muito ruim, minha casa é barulhenta, e não tenho mesa, faço todas as atividades em cima da cama”. 

As universidades também enfrentam problemas de adaptação em relação às atividades remotas. A heterogeneidade das grandes instituições é um obstáculo, às especificidades de cada curso exigem um maior empenho no desenvolvimento de medidas efetivas de ensino. Segundo Gladis, um outro empecilho é a resistência da adoção do ensino remoto, muitos componentes das universidades temem que a medida se torne definitiva, mas de acordo com a resolução da Portaria Unesp 128/2020, as atividades presenciais devem ser retomadas até 2021.

Estudantes tentam se manter na faculdade durante uma das maiores crises mundiais. Foto por Jessica Ferreira

E os professores? 

Os professores também são afetados pela crise, na último dia 22 de junho a Universidade Nove de Julho (UNINOVE) realizou uma demissão massiva, estima-se que mais de 300 professores foram dispensados  sem aviso prévio. Ao entrarem no sistema da universidade, os professores se deparam com a seguinte mensagem:

Aviso repentino de demissão enviado a cerca de 300 professores da Uninove. Fonte: Jornal da Economia

O aviso foi dado pouco antes do início das aulas, assim que visualizaram a mensagem os professores perderam o acesso ao sistema da Uninove, não podendo nem entrar na aula para se despedir dos alunos. Nesse dia, as aulas dos professores desligados foram substituídas por uma palestra motivacional do Padre Fábio de Melo.

Os professores tiveram que para devolver imediatamente os crachás, as chaves e a carteirinha do plano de saúde, o que é ilegal, pois os funcionários têm direito a  30 dias para decidirem se querem cancelar o plano de saúde ou mantê-lo com as mesmas condições dos funcionários da empresa por até dois anos. 

A aluna de Publicidade e Propaganda Laura Macedo* conta que a universidade já estava mudando a dinâmica antes mesmo da pandemia, “sofremos um corte repentino de 2 horas por aula, mas não houve redução da mensalidade”. A demissão ocorreu no fim do semestre quando já não havia mais atividades avaliativas, “estávamos só aguardando o feedback de algumas apresentações e assistindo as últimas aulas”. 

Em nota a Uninove afirmou que “Os salários dos professores foram garantidos pontualmente e vultosos investimentos em tecnologia realizados. As mensalidades estão sendo renegociadas, tendo em vista a perda do poder aquisitivo de nossos alunos e seus familiares. Todas as medidas de readequação foram necessárias para preservar o sonho dos futuros profissionais que aqui se formarão”.

Os universitários afirmam que a renegociação está bem difícil, só estão reduzindo o valor de quem procura a universidade e o processo é cercado por uma série de burocracia. Os alunos que estavam sem professor foram direcionados para outras turmas, chegando a dobrar o número de alunos por turma. 

Os professores e funcionários de muitas instituições também enfrentam o problema de acesso para ministrar as aulas. Maria Clara* professora de uma universidade particular em Guarulhos, grande São Paulo, afirma que não foi orientada sobre as aulas e nem recebeu equipamento, “a diretoria decidiu que deveria haver aulas remotas, mas não deu nenhuma orientação, nem sobre plataforma ou formato das aulas”. Maria também afirma que as aulas só ocorrem devido ao empenho e organização dos professores, “nós nos reunimos e decidimos que iríamos usar o Google Meets e o Google Classroom, ainda temos que usar nossos equipamentos e internet, nada disso foi fornecido”. 

Perspectivas futuras de ensino

O ensino a distância no Brasil teve início em 1904, com um curso de datilografia por correspondência, desde então, vários cursos profissionalizantes adotaram o método. Nos anos 60 e 70 essa modalidade de ensino começou a ser utilizada para ampliar o acesso à educação, promover o letramento e inclusão de adultos, especialmente em áreas remotas. Em 1979 a Universidade de Brasília (UNB) deu início aos cursos superiores a distância, sendo a pioneira no Brasil. 

O último Censo do Ensino Superior, realizado em 2017, apontou que um terço dos estudantes cursava a faculdade na modalidade a distância, isso significa que em 10 anos o número de alunos dobrou, principalmente no setor privado, que corresponde a 75% dos estabelecimentos de ensino. 

Em dezembro de 2019, o Ministério da Educação sob a gestão de Abraham Weintraub, autorizou que os cursos superiores tivessem até 40% de aulas remotas em sua grade

As faculdades estão providenciando equipamentos e treinamentos para os seus colaboradores, desenvolvendo estrutura para manutenção das aulas remotas no próximo semestre, o temor dos estudantes de universidades públicas e particulares é que o EAD (educação à distância), se torne uma medida permanente. 

A aluna de engenharia Civil da Unesp e militante Bárbara Silva explica às problemáticas, “da maneira que está sendo feito, o EAD está derrubando a qualidade de ensino e sobrecarregando os alunos, professores e funcionários.”

O ensino a distância é uma modalidade mais barata e vantajosa para os proprietários desses estabelecimentos, um professor pode dar aula para centenas de alunos, e os vídeos podem ser reprisados a cada semestre, o que sucateia a profissão e a educação. A exclusão da manutenção de um espaço físico também reduz os gastos e aumenta os lucros. 

No Brasil, apenas 21% da população concluiu o ensino superior, sendo a maior parte dos formados residentes da região Sudeste e a minoria da Norte. O barateamento dos custos de uma faculdade e  a flexibilidade das aulas on-line pode ser um fator que aumente esse percentual, porém também pode tornar o motivo da queda na qualidade do ensino e um mercado de trabalho mais escasso e abusivo. 

Por esses fatores, o ensino a distância tem sido tão temido por todos, educação encarada como produto pode trazer danos permanentes a sociedade.

*Nome Fictício

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Redação

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