Em 15 de novembro de 1889, após a perda da sustentação política do império, a República foi proclamada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, dando fim ao reinado de 48 anos de Dom Pedro II e a quase 400 anos de governo monárquico. Para alguns, porém, esse não foi o fim da monarquia no Brasil. Mais de 120 anos depois, a discussão sobre essa forma de governo volta a pautar os meios de comunicação e as redes sociais, na esteira da crise política que atinge o país.
Grupos que defendem a volta da monarquia marcaram presença nas manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que também contaram com a participação da família Real, junto de dezenas de outros grupos que defendem temas que vão do estado mínimo à intervenção militar. No Facebook, páginas como “Movimento de Restauração da Monarquia no Brasil” e “Monarquia Brasil” contam com algumas dezenas de milhares de likes com uma abordagem baseada em memes e imagens de potencial viral. Os próprios herdeiros de Dom Pedro usam a página “Pró Monarquia” como canal para divulgação de seus comunicados nas redes.
Uma das páginas expoentes desse movimento é a “Diga Sim À Monarquia”, com 30 mil likes, coordenada pelo estudante de História Gabriel Ferraz, de 21 anos. Segundo Gabriel, o Diga Sim surgiu em 2013 como um portal que buscava explicar de forma clara e resumida as propostas imperiais, expandindo posteriormente para as redes sociais, como Facebook e Instagram.
https://www.facebook.com/plugins/post.php?href=https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2FDigaSimaMonarquia%2Fphotos%2Fa.205514242906175.1073741828.205410729583193%2F475004269290503%2F%3Ftype%3D3%26theater&width=500&show_text=true&appId=1271791476246314&height=496
Exemplo da linguagem utilizada pelas páginas
Desde 2015, o movimento passou a atuar nas ruas, participando de protestos e de manifestações monarquistas, organizadas em conjunto com outros grupos. Gabriel explica que também colabora diretamente com o Pró Monarquia, a associação ligada à família real que busca a restauração do regime.
Sua conversão à essa forma de governo teve início em 2012, quando recebeu da irmã mais velha um livro sobre o tema, despertando um interesse que o levaria a uma identificação com o ideal monárquico. Ainda assim, “inegavelmente, o momento de crise política colaborou para minha afirmação como monarquista”, diz Gabriel.
Gabriel admite o estranhamento causado pela pauta, mas atribui isso a mais de um século de “sistemática doutrinação republicana”. Para ele, essa situação vem mudando, e o movimento “ganhando cada vez mais notoriedade, como nunca antes”.
Restauração
A ideia pretendida pelos movimentos para a eventual retomada do regime segue a proposta aprovada pelo príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança em 1991: a restauração da monarquia, nas linhas gerais da constituição de 1824, com algumas adaptações à realidade contemporânea. O Imperador, no caso do Brasil, atuaria como chefe de estado e poder moderador em um sistema parlamentarista, onde o poder executivo seria exercido pelo Primeiro Ministro.
Propaganda veiculada na época do plebiscito
Plebiscitos similares já ocorreram em países como a Grécia, a Itália e a Albânia, sem sucesso.
No mundo
Ainda que os guilhotinamentos de Robespierre tenham ocorrido no Séc XVIII, até a Primeira Guerra Mundial, boa parte da Europa ainda era governada por regimes monárquicos. Em poucos anos, Impérios como o Alemão, o Russo, o Austro-Hungaro e o Otomano tiveram seu fim. Hoje, poucos países mantém essa forma de governo.
Apesar de movimentos semelhantes ao brasileiro em uma série de países, até hoje só dois países de relevância conseguiram retomar a monarquia: o Camboja, em 1993, após o período do Khmer Vermelho e da República Popular do Kampuchea, e a Espanha, em 1975, com Juan Carlos, apontado pelo ditador Francisco Franco como seu sucessor, sendo responsável pelo processo de redemocratização do país.
O modelo espanhol é apontado como inspiração, junto do britânico. “Dos soberanos europeus, o monarca espanhol é o que exerce mais claramente sua função como árbitro do sistema político, como poder moderador atuante no combate a crises como a que o país enfrentou entre 2015-2016”. Em 2015, Felipe, filho de Juan Carlos, dissolveu o parlamento do país, travado por uma disputa política.
Críticas
Para o mestre em história Bruno Fabris Estefanes, especializado no período do Império, essa época marca o início de vários dos atuais problemas do Brasil. “A concentração de terras e riquezas nas mãos de poucos proprietários ligados à exportação de matérias primas e produtos agrícolas, a exploração brutal da força de trabalho, uma relação absolutamente predatória com o meio ambiente. Estou me referindo ao século XIX brasileiro, principalmente à região cafeicultora do centro-sul, mas poderia estar falando das fronteiras agrícolas que hoje avançam sobre a região amazônica”, diz Bruno.
Outro aspecto da vida no período que, para Estefanes, é tratado como “mero detalhe” pelos defensores da monarquia é a questão da escravidão. Em 1950, quando foi aprovada a lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico negreiro, entre 30 e 40% da população do país eram escravos. Mesmo entre a população livre pobre, uma tradição de revoltas, motins e revoluções aponta as más condições de vida.
Estefanes lembra que boa parte dos políticos do Partido Conservador do período eram ligados à agricultura escravagista, e enriqueceram com essa prática ilegal desde 1931. Segundo Bruno, nesse período mais de 700 mil africanos foram contrabandeados, principalmente para a região do Vale do Paraíba, com a colaboração de todas as instâncias do governo, em um crime em massa, que para o historiador, não passa muito longe da corrupção.
Para Bruno, Dom Pedro II investiu na criação de uma imagem neutra, “ótima para vender biografias idealizadas”, mas fazia política sempre que usava seu poder moderador para dissolver o congresso. “Pedro I ou Pedro II eram tão políticos e contraditórios como qualquer ministro ou parlamentar do período”, diz Bruno. “Não à toa a discussão teórica sobre o papel do Poder Moderador, e consequentemente do imperador, no sistema representativo vai ocupar os debates partidários da segunda metade do XIX e, de certa forma, contribuir para a crise do regime”, conclui.
Não obstante às críticas generalizadas, os monarquistas continuam apostando no passado como forma de superação dos problemas do país.