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Empreendedorismo revoluciona a jornada do campo à mesa

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Pequeno negócio no interior de São Paulo conecta produtores locais a consumidores, promovendo o consumo consciente e expandindo o mercado regional.

Qual é a viagem que um alimento faz até chegar ao prato? Muitas vezes desconhecemos a terra que o germinou, a tecnologia envolvida em seu processamento e até as rodas que o transportaram até nós. Foi essa interrogação a respeito da cadeia produtiva que impulsionou a criação do “Quintal coletivo”, um empreendimento de Botucatu (SP) que tem como objetivo revolucionar o consumo e ao mesmo tempo valorizar produtores locais da cuesta paulista.

Um quintal digital

No contexto da pandemia, uma matéria sobre empreendedorismo na faculdade de nutrição despertou Isabelle Ebener para uma solução digital. À época, ela estava determinada a continuar vendendo pela internet os produtos que já vendia presencialmente e teve a ideia de ampliar essa oportunidade para outros vendedores com quem participava de feiras comunitárias.

Este projeto de comercialização, liderado pelas sócias Isabelle Ebener e Ana Carolina Bassetto, foi submetido à avaliação da Enactus, uma organização internacional que motiva universitários a realizarem empreendedorismo social. Essa iniciativa permitiu que o projeto participasse de diversos editais de fomento ao empreendedorismo, abrangendo desde concursos internacionais, como os promovidos pela Ford e Cargill, até nacionais, como o Delta Capital do SEBRAE.

Esses incentivos contribuíram significativamente para o reconhecimento do projeto, culminando no desenvolvimento do modelo atual do Quintal Coletivo: um site que reúne uma variedade de itens de produtores locais, oferecendo aos consumidores a possibilidade de escolha e entrega direto na porta de casa.

Isabelle Ebener e Ana Carolina Basseto, fundadoras do quintal Coletivo/Reprodução: Isabelle Ebener

Consumo consciente

Hortaliças, frutas, laticínios, massas, mel e até setores de jardinagem e decoração são algumas das categorias encontradas neste ambiente virtual. Tudo é confeccionado na região e selecionado criteriosamente pelas sócias do Quintal Coletivo, que se deslocam à propriedade para a coleta.

Como funciona o Quintal Coletivo/Reprodução: Canva

Dessa maneira, o processo de produção alimentícia é reduzido, que possui uma série de etapas no mercado tradicional. Isso pode contribuir para a redução do impacto ambiental ao otimizar a logística, o que implica em menos veículos (principalmente caminhões) envolvidos no transporte ao longo de toda a cadeia de produção, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa.

Além disso, auxilia a minimizar a perda de alimentos, que geralmente ocorre durante as etapas de armazenamento, embalagem e transporte. Segundo um estudo de 2011 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de 1/3 dos alimentos produzidos do mundo são perdidos ou desperdiçados a cada ano, considerando todos os elos da cadeia de valor. Na época, calculava-se que isso totalizava mais de 1,3 bilhão de toneladas anuais.

Além de proporcionar uma oportunidade para valorizar o meio ambiente, esse modelo permite que o consumidor se conscientize sobre sua maneira de consumir. Isabelle Ebener explica que a revolução no consumo proposta pelo Quintal Coletivo envolve a mudança de um sistema que frequentemente ignora a procedência e a qualidade dos alimentos. “Cada vez mais nos distanciamos dos alimentos que consumimos. Vamos ao mercado, pegamos da prateleira, colocamos no carrinho, pagamos e saímos”, destaca.

Em uma tese de doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ 2021), a cientista Valéria dos Santos Pereira Montera constatou que 79,4% dos alimentos das cinco maiores redes de supermercado do país tinham ao menos um aditivo — 11,6% tinham um aditivo só, enquanto 19,8% tinham dois ou três, 23,2% tinham quatro ou cinco e 24,8% (a maior parcela do total) tinham seis ou mais.

“No Quintal, você sabe como foi produzido e por quem foi produzido. É um alimento fresco, e a maioria dos produtores locais não utiliza aditivos químicos, conservantes, emulsificantes e mil e uma coisas, encontrados em produtos embalados nos supermercados, frequentemente contendo 10 a 15 ingredientes”.

Isabelle Ebener, fundadora e sócia e do Quintal Coletivo
Alimentos frescos no Quintal coletivo prontos para entrega/Reprodução: arquivo pessoal

Ampliando espaço do produtor

Um dos lemas do Quintal Coletivo que Isabelle costuma repetir é “Ganha quem compra e ganha quem vende”, pois quem consome tem acesso facilitado a uma alimentação de melhor qualidade, e quem produz recebe uma remuneração justa, sem preços inflacionados intermediados pelo negócio.

O Quintal Coletivo oferece aos produtores a oportunidade de expandir sua presença no mercado. “O Quintal vem trazer formalidade e abrir portas de vendas, para que o produtor não precise se preocupar com marketing. A partir do momento que o produtor entende que estamos aqui para dar voz a ele, o seu negócio pode escalar”, relata Isabelle.

A Gaia Congelados Veganos, parceira do Quintal Coletivo, oferece hambúrgueres e almôndegas artesanais veganos, visando facilitar o dia a dia dos clientes que buscam alternativas vegetarianas. Arthur Paulino, proprietário da empresa, destaca que o Quintal Coletivo representa uma chance de engajar-se em um movimento empreendedor e de conscientização sobre o consumo local.

“O Quintal nos acolheu de portas abertas para ajudar na expansão dos nossos produtos para Botucatu e região e nos motivou a profissionalizar e regularizar cada vez mais o nosso negócio. Além disso, abriu muitas portas para participarmos de feiras na região de Botucatu e nos deu a oportunidade de termos nossos produtos expostos em um E-Commerce com pessoas ativas e dedicadas por trás”, ele ressalta.

Gaia Congelados Veganos oferece soluções práticas para pessoas veganas/ Reprodução: Arthur Paulino

Atualmente o Quintal Coletivo tem uma rede de cerca de 70 fornecedores associados, que incluem microempreendedores de bebidas e alimentos, apicultores, profissionais atuantes nos mercados de produtos para animais de estimação e reciclagem, entre outros.

Além disso, o Quintal visa apoiar principalmente produtores rurais de agricultura familiar, reconhecendo o seu papel para o desenvolvimento sustentável. Este é o caso da Granja Polo, um empreendimento que surgiu em um sítio familiar e, desde 2020, dedica-se à produção e comercialização de ovos de galinhas criadas de forma livre, sem gaiolas.

“Desde o início trabalhamos com o sistema free range que proporciona as galinhas expressarem seu comportamento natural, visando o bem-estar animal. Através das redes sociais, a Granja Polo se conectou ao Quintal Coletivo, que possui uma filosofia de trabalho que valoriza os produtores locais e uma comercialização mais sustentável”, comenta Juliana Polo, proprietária da Granja Polo.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula que cerca de 70% dos alimentos que chegam às casas brasileiras vêm de produções familiares. De acordo com o levantamento, os cerca de 10,1 milhões de agricultores familiares são responsáveis por produzir 23% do Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) nacional.

Impacto na economia local

Os ganhos não se limitam aos indivíduos envolvidos na transação de compra e venda, no Quintal Coletivo. Em vez disso, em consonância com o próprio nome, os benefícios são coletivos, impactando positivamente a sociedade como um todo. Isso porque os pequenos negócios impactam a economia local. Segundo um levantamento do Sebrae, 30% do Produto interno bruto (PIB) brasileiro é gerado pelas micro e pequenas empresas. Além disso, 72% dos empregos criados no país, no primeiro semestre de 2022, estavam concentrados nesse segmento.

A professora Silvia Angélica Carvalho, professora do Departamento de Engenharia Rural e Socioeconomia da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp de Botucatu, salienta que os pequenos negócios contribuem com o desenvolvimento da economia local.

“A partir do momento que este produtor consegue se estabelecer e fazer a ponte entre a oferta de alimentos e o cliente final, ele consegue gerar emprego, arrecadar impostos para a cidade e melhorar sua própria condição de vida e da família”.

Silvia Angélica Carvalho, professora do Departamento de Engenharia Rural e Socioeconomia da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp de Botucatu

O Quintal Coletivo opera na construção dessa ponte entre os microempreendedores e os clientes. “Por que não consumir de quem está do meu lado? O Quintal quer fazer justamente este negócio local chegar em pessoas da região. O apoio à economia local vem nesse sentido de fazer o dinheiro ficar na cidade, elevar o nível de desenvolvimento e dar voz aos produtores”, ressalta a proprietária do Quintal Coletivo, Isabelle Ebener.

Ecossistema de inovação

A professora Silvia Angélica destaca o papel crucial dos empreendedores ao injetar dinamismo em diversos mercados, especialmente o de alimentos frescos e perecíveis, como a maioria dos itens oferecidos pelo Quintal Coletivo. O empreendedorismo de Isabelle Ebener e Ana Carolina Basseto não apenas conecta outros empreendedores, mas também enriquece o cenário empreendedor de Botucatu e região.

Daniel Lopes, diretor do Parque Tecnológico de Botucatu, instituição que integra o poder público, as universidades e a iniciativa privada para promover a inovação na cidade, considera iniciativas empreendedoras como a do Quintal Coletivo fundamentais para o ambiente de inovação local.

Ele destaca: “O Quintal Coletivo não apenas impulsiona a economia local, mas também promove práticas sustentáveis e inovadoras que servem de exemplo para outras empresas e startups da região”.

As fundadoras do Quintal Coletivo compartilham desta visão, pois aspiram a expandir seu modelo de negócio para outras regiões do estado de São Paulo e até mesmo para todo o Brasil. Dessa maneira, será possível aumentar a rede de impacto desse padrão de consumo e estabelecer a valorização da produção de outras localidades.

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