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Estar na linha de frente requer coragem

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Depois de lidar com o medo da doença, profissionais da área de saúde que contraíram a Covid-19 precisam se adaptar à nova rotina no trabalho e a possibilidade de ter sequelas

Por Gilmara Melo

O ano de 2020 marcou a história da humanidade que não vivia uma pandemia desde o século passado, quando em 1918 a Gripe Espanhola matou entre 20 a 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Mas apesar do avanço da ciência e da comunicação que possibilita a prevenção dos cidadãos e o estudo e o desenvolvimento muito mais acelerado de medicamentos e vacinas para combater novos vírus, viver uma pandemia, como a da Covid-19, mesmo no século XXI, não tem sido fácil para ninguém, principalmente para os profissionais da saúde e as pessoas que trabalham nos serviços considerados essenciais, os quais lidam diariamente com o perigo que a doença representa.

A Covid-19, doença infecciosa causada pelo coronavírus proveniente da síndrome respiratória aguda grave (SARS-COV-2), apareceu pela primeira vez na capital da província chinesa de Hubei, a cidade de Wuhan, China, em dezembro de 2019, mas em poucos meses infectou milhares de pessoas em todo o globo que não sabiam da gravidade da doença e nem do seu alto grau de contágio. Visto que, ele pode ocorrer apenas pelo contato com gotículas do espirro ou tosse de indivíduos contaminados. No Brasil, o primeiro caso confirmado do novo coronavírus aconteceu em 26 de fevereiro na cidade de São Paulo, um homem de 61 anos que havia retornado de uma viagem à Itália foi diagnosticado com a doença no Hospital Albert Einstein. 

Nesse momento, o Ministério da Saúde monitorava 3 casos suspeitos em São Paulo, 1 no Rio de Janeiro e já havia descartado outros 54. A partir daí, a lista de casos suspeitos só aumentou e poucos dias depois foram confirmados o segundo e o terceiro pacientes infectados pela Covid-19 no país, ambos eram pessoas residentes na cidade de São Paulo que haviam viajado para a Itália recentemente, país que vivia um aumento alarmante do número de casos e de óbitos naquele momento. 

A incidência de casos registrados na cidade de São Paulo, logo no começo da pandemia, confirmou gradativamente a cidade como o seu epicentro no Brasil. Uma vez que, São Paulo é o estado com mais casos confirmados no país, desde o mês de fevereiro. Não à toa, de acordo com o Ministério da Saúde, em 29 de junho, a cidade contabiliza 271.737 dos 1.344.413 casos confirmados no Brasil e atinge a marca alarmante de 14.338 óbitos dos 57.622 já registrados em todo o país.

Isso porque, por ser um vírus ainda desconhecido, muitas pessoas acabaram infectando outras sem ao menos saber que estavam com a doença, já que inicialmente o coronavírus têm sintomas muito parecidos com os de uma forte gripe ou pneumonia. Para alertar a população, com base nos casos diagnosticados, a Organização Mundial da Saúde elencou os diferentes sintomas, descobertos até o momento, pelos quais a Covid-19 pode se manifestar no corpo humano, sendo eles: tosse, febre, dor de garganta, perda do olfato ou paladar, coriza, dores no corpo e em casos mais graves, dificuldade para respirar.

Da esquerda para a direita: Letícia Ortiz, Jéssica Fonseca dos Santos, Alexandro Pereira da Silva e José Carlos Vida (Crédito: fotos de arquivo pessoal).

José Carlos Vida, 55, trabalha na administração do Hospital do Servidor Público de São Paulo e foi um dos milhares de profissionais do setor da saúde contaminado com o coronavírus, ele conta que “os sintomas começaram a aparecer semelhantes aos de gripe ainda na última semana de março” e acrescenta “não dá pra saber como eu contrai esse vírus, pode ter sido lá no hospital mesmo ou no transporte público, também não descarto ter acontecido em qualquer outro lugar, como mercado, feira, algo parecido. Não dá pra precisar, mas minha desconfiança é que tenha sido no próprio hospital”. Para José Carlos, os sintomas começaram leves, mas gradativamente foram piorando “meus primeiros sintomas foram de tosse seca e calafrios. Depois tive febre algumas vezes à noite e também senti um desconforto na parte pulmonar, não cheguei a sentir falta de ar, mas sentia um desconforto ao respirar, cansaço sem ter feito qualquer esforço.” 

Com o aumento do número de casos e a falta de leitos nos hospitais para abrigar tantos pacientes, o Ministério da Saúde recomenda que caso o indivíduo tenha sintomas similares aos da gripe, ele deve fazer o isolamento domiciliar e apenas em caso de piora dos sintomas, procurar o sistema de saúde. E foi exatamente isso que José Carlos fez, segundo ele, após fazer exames na primeira vez que procurou o hospital, a tomografia deu indicação de pneumonia. Ele foi afastado por dez dias do trabalho para se tratar em casa, porém os sintomas pioraram e ele precisou ser internado por mais 10 dias.

“Os quatro primeiros dias foram os dias mais difíceis, a parte respiratória ficou muito complicada e eu fiquei realmente com medo de ter que, porventura, ser transferido para a UTI com um respirador, dada a dificuldade de respirar, mas ainda bem que não foi preciso.”  José Carlos Vida

Diferente da família de José Carlos que não apresentou sintomas de Covid-19, mesmo após seu diagnóstico positivo, o técnico de enfermagem do Hospital Next e do SAMU, Alexandro Pereira da Silva, 40, conta que sua esposa acabou sendo infectada, “minha esposa e filha estavam em casa e não tinha como mandar elas para outro local, então a minha esposa acabou se contagiando também. Mas, a minha filha, graças a Deus, não apresentou nenhum sintoma, ela ficou assintomática. Segundo a médica do trabalho, as crianças geralmente não apresentam os mesmos sintomas, então a gente fica na dúvida se ela se contagiou ou não”. 

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, cerca de 80% dos casos de Covid-19 são classificados como leves e os pacientes se recuperam depois do período de isolamento em casa, como foi o caso de Alexandro: “evolui com febre durante 5 dias e a doença se manifestou de uma forma bem tranquila, eu não tive os outros sintomas que geralmente as pessoas têm e com 7 dias eu já me sentia melhor”. Assim como ele, Letícia Ortiz, 25, que trabalha na manutenção de engenharia do Hospital Vila Nova Star da Rede D’Or São Luiz, também não precisou ser internada, apenas ficou afastada do trabalho por 14 dias em isolamento domiciliar. Mas no seu caso, a perda do olfato e do paladar associada ao cansaço foram os sintomas mais preponderantes e mesmo depois da volta à rotina, ela ainda não está totalmente recuperada: “hoje, após pouco mais de um mês que fiz o teste para o coronavírus, ainda não voltou 100% o olfato e paladar. Mas no geral não senti, por enquanto, nenhuma sequela”.

Em meio a uma curva ascendente do número de infectados no Brasil, as notícias estão voltadas para informar as pessoas sobre a atualização do número de casos, mostrar as medidas das cidades e estados para conter a contaminação e ressaltar a importância dos cuidados com a higiene: lavar as mãos constantemente, utilizar a máscara de maneira correta e sair de casa apenas quando for fundamental. Dado que, até o momento, essas são as únicas formas de prevenção contra o novo coronavírus. Por essas razões, pouco se fala sobre as possíveis sequelas dessa doença.

Jéssica Fonseca dos Santos, 30, auxiliar de limpeza na Unidade de Saúde Básica Demarchi, também percebeu que podia estar com coronavírus após ter os sintomas de tosse seca, febre e perda do olfato e paladar. Depois de ficar internada por 2 dias e ser afastada do trabalho por 14 dias, ela se recuperou e voltou ao trabalho, mas diz que “foi um pouco difícil, porque ainda fica o cansaço, mas a gente começa a se adaptar”. Ao contrário dos outros entrevistados, ela afirma que após ficar curada apresentou uma sequela: “eu nunca tive e estou começando a ter pressão alta depois da Covid-19 e o remédio que estou usando é o Losartana que é para tratar a pressão alta”.

Ainda não se pode precisar quais as consequências que o novo coronavírus pode apresentar a longo prazo para os pacientes. Com os estudos em andamento, nem mesmo os médicos arriscam fazer previsões precipitadas, “os médicos foram sinceros comigo e mencionaram que nem eles possuem todas as respostas. Inclusive, questionei referente ao meu olfato e paladar se voltariam em breve e eles não souberam responder, pois depende de pessoa pra pessoa, de corpo pra corpo”, explica Letícia.

Imagem: Gilmara Melo

Diante desse cenário, o Hospital das Clínicas decidiu iniciar um estudo para acompanhar cerca de dois mil pacientes, os quais já receberam alta, mas foram diagnosticados com sintomas graves da Covid-19. O objetivo dos médicos é entender se essa doença pode causar sequelas irreversíveis no corpo humano, já que alguns infectados, mesmo após a recuperação, ainda continuam com determinados sintomas. O monitoramento dos participantes do estudo vai ser feito por meio de telemedicina durante o período de três meses.

Até que os estudos sobre a Covid-19 evoluam, todas as pessoas, sejam elas profissionais da área da saúde ou não, podem se infectar com o novo coronavírus e por isso, é tão importante seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde. A consciência da população é uma aliada fundamental para que a curva de contágio diminua,“o Brasil ainda está em uma situação difícil, então todo cuidado é pouco e é essa mensagem que eu gostaria de deixar para as pessoas, para que elas realmente tomassem consciência de que essa doença pode ser letal e ninguém está isento de pegar”, aconselha José Carlos.

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Redação

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