Campanha do AfD dá voz a ideologias adormecidas e coloca o ultranacionalismo no Parlamento
A segunda guerra mundial durou seis anos, resultando em milhões de mortos em combate e judeus executados em nome de uma Alemanha ariana. Com o fim da guerra e a queda do regime fascista, toda e qualquer manifestação ou apologia ao nazismo foi proibida no país que tanto queria apagar as marcas de seu passado racista.
Desde então, em mais de 65 anos, nenhum partido de política totalitária, com tendências nazistas ou tão próximo de ideais da mais extrema direita havia chegado novamente ao Bundestag – como é chamado o Parlamento alemão. Mas isso mudou.
As eleições realizadas na Alemanha no final de setembro de 2017 para eleger o chanceler e os representantes do Bundestag terminaram com o temido resultado que vinha sendo traçado. Apesar da reeleição para o quarto mandato da primeira-ministra Angela Merkel, o partido de extrema-direita Alternative für Deutschland (AfD) conquistou um número considerável de eleitores e agora ocupa uma parcela significativa do Parlamento.
Com 12,9% dos votos, o AfD foi o terceiro partido mais votado, o que lhe garantiu cerca de 90 das 630 cadeiras no Bundestag, ficando atrás apenas da União Cristã-Democrata (CDU), partido da chanceler, que recebeu 32,9% do votos; e do Partido Social Democrata (SPD), segundo mais votado, que recebeu 20,8%.
O AfD “é um partido que tem parte das lideranças e de eleitores neonazistas, mas não exclusivamente. É ultranacionalista e de extrema-direita, com alas moderadas e radicais”, afirma a Doutora em Relações Internacionais e em Ciências Políticas, Solange Reis Ferreira, especialista em Política Externa da Alemanha.
Ainda que não possa ser taxado como neonazista, as ideologias do partido assustam por, no mínimo, exaltarem o passado fascista do país. “Nós temos o direito de ter orgulho das conquistas dos soldados alemães em duas guerras mundiais”, defendeu Alexander Gauland (76), cofundador do AfD, em discurso aos apoiadores do partido no início de setembro.
Logo após o anúncio do resultado das eleições, Gauland, que era candidato a chanceler pelo Alternative für Deutschland, comemorou a chegada no Bundestag, afirmando que o partido “caçaria” Merkel. O cofundador do AfD disse ainda que eles iriam “recuperar nosso país e nosso povo”, o que, conforme explica Solange Ferreira, significa resgatar uma Alemanha “branca, cristã e voltada pra dentro”.
Alinhado a esse pensamento, o cofundador do AfD, desde o resultado das eleições, fala em lutar contra a “invasão de estrangeiros”, dando continuidade à campanha do partido que adotou uma política anti-imigrantes e anti-islã, chegando a dedicar uma seção de seu manifesto eleitoral para defender porque “o islamismo não pertence à Alemanha”.
Para Christian Lohbauer, doutor em ciência política pela USP com formação na Universidade de Bonn na Alemanha, foi justamente a onda de migração que atraiu eleitores ao AfD. “Foi a decisão [de Merkel] de abrir a imigração de 1 milhão de imigrantes refugiados da Síria e Iraque que deu ignição ao discurso xenófobo e anti integração”.
Ascensão
A rapidez e relevância com que o AfD cresceu e conquistou eleitores suficientes para chegar ao Parlamento, impressionam. Criado apenas 5 meses antes da eleição de 2013, o partido conseguiu conquistar eleitores do próprio CDU, que perdeu 8,5% de seus apoiadores em relação à eleição anterior. Esse resultado levou Merkel a afirmar, em seu discurso após a vitória, que a União não deve evitar o fato de que esperavam um resultado melhor, mas que irá reconquistar os eleitores que perdeu para o partido de extrema-direita.
Para frear o AfD, afirma Solange, a chanceler precisará enfrentar um dilema para a democracia e endurecer as regras de imigração. “Quanto mais inclusiva for a política de imigração, melhor será para o AfD”, afirma a cientista política.
Mas o partido de extrema-direita alemão não é o único na Europa a se posicionar com uma política anti-imigração.
O Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), que ficou em terceiro lugar nas eleições eletivas do país, deve ser a opção para formar a coligação com o Partido Popular Austríaco (ÖVP) de o Sebastian Kurz, legenda mais votada, com mais de 31% dos votos, segundo informações da Reuters. Sem maioria no Parlamento, Kurz precisará formar alianças e ambos os partidos realizaram plataformas de campanha anti-imigração muito semelhantes.
Na Holanda, Geert Wilders, do Partido para Liberdade (PVV), apesar de derrotado nas urnas pelo candidato do Partido Popular para Liberdade e Democracia (VVD) Mark Rutte, chegou a ser apontado como favorito nas pesquisas e afirmou que iria “devolver a Holanda aos holandeses”, fechar mesquitas, escolas islâmicas e barrar a entrada de muçulmanos no país.
O caminho da conversão
Para conseguir popularizar e difundir a ideia do partido entre a população alemã, o AfD investiu num pesado marketing pelas mídias sociais. Em reportagem de Thomas Davidson e Julius Lagodny, em setembro de 2017, constam gráficos que comprovam a eficiência do partido no Facebook, sendo o que mais posta conteúdos e o que mais engaja usuários através da mídia social. O conteúdo das postagens é geralmente sensacionalista, se aproveitando de temas quentes e com bastante repercussão.
Uma delas diz respeito ao atentado ocorrido em Barcelona em 17 de agosto, em que um motorista de uma van atropelou centenas de pessoas na região de Las Ramblas, assassinando 13 e ferindo mais 100. O atentado foi assumido pelo Estado Islâmico, baseado no Iraque e na Síria. Cinco dias depois, o AfD postou em sua página no Facebook uma imagem com marcas de pneus e rastros de sangue, com os dizeres “as vítimas de seus tumultos políticos não serão esquecidas! Mais quantos terão que morrer para que você entenda?” A postagem está inserida no contexto da Guerra da Síria, devido a Angela Merkel ter admitido na Alemanha em torno de um milhão de refugiados desde 2015.
Outro anúncio do Facebook, de 3 de julho, que apoia a questão anti-imigração defendida pelo AfD, exibe a imagem da barriga de uma mulher grávida, com os dizeres “novos alemães? Nós mesmos que faremos!”. As imagens, além de outros insultos aos imigrantes islâmicos, foram exibidas em outdoors e anúncios pelo país.
No dia das últimas eleições, em 24 de setembro, o partido publicou uma imagem com a frase “eu escolhi o AfD”, para que os eleitores do partido se identificassem publicamente como votantes do mesmo. De acordo com o Washington Post, a publicação foi compartilhada por 20 mil pessoas, entretanto, no acesso desta reportagem em 23 de outubro, o número de compartilhamentos é de 15 mil. Alguns dos usuários excluíram a postagem, talvez por vergonha.
A vergonha de apoiar o AfD não é mera suposição. O partido, semanas antes da eleição, iniciou uma campanha incentivando os apoiadores reclusos a se pronunciarem publicamente como votantes. Em reportagem da Deutsche Welle, o eleitor Sebastian Thielen se manifesta a favor do partido. “Mostro minha cara pelo AfD pois como policial eu defendo as leis e os direitos. Sou casado e pai de três filhos, e valorizo e respeito a família.” O vídeo de Thielen também foi compartilhado pela página oficial do partido.
O voto da vergonha em campanhas políticas não é novidade. Durante o processo eleitoral que elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos, a previsão final era de que a vitória de sua concorrente, Hillary Clinton, era altamente provável, como apontava a grande maioria das pesquisas. Entretanto, Trump venceu, contrariando as estatísticas. Uma das hipóteses levantadas foi de que o eleitor de Trump teria vergonha de se assumir para as pesquisas, explicando o resultado surpreendente da eleição.
Julius O. (como a fonte se identificou), estudante alemão de ciências políticas, alerta que a rede de divulgação das ideias do AfD tende a crescer com a chegada do partido ao Parlamento. “Cada membro do Parlamento têm recursos financeiros para contratar pessoal nos escritórios do Landtag (assembléia representativa) e do Bundestag. Portanto, não existem apenas 94 deputados no Bundestag, mas também muitos funcionários que podem divulgar suas ideias”.
Por outro lado, a especialista Solange, avalia que o partido de extrema-direita alemão tem muito que evoluir para ser uma força considerável na política nacional. “Minha aposta é que a AfD crescerá nos próximos anos, principalmente em eleições regionais. Sua sustentação, no entanto, dependerá de o partido desenvolver bandeiras que vão além do preconceito e do nacionalismo”.
O professor Lohbauer concorda com a fragilidade do programa político atual do AfD, não vê espaço para o crescimento da agenda nacionalista na Alemanha. “O AfD é uma agremiação que combinou uma série de insatisfações ao mesmo tempo. Entre elas, o desencantamento com o processo de União Europeia (UE), a insegurança com a imigração crescente, e a falta de alternativas mais modernas na política alemã”, diz.
O temor do neo-nazismo é uma realidade atual. No mês de agosto deste ano, em Charlottesville nos EUA, um protesto marcado após o anúncio de que a cidade removeria a estátua do general confederado Robert E. Lee, teve o intuito “unir a direita”, no qual houve presença de manifestantes alegadamente neonazistas e membros da Ku Klux Klan, organização da supremacia branca. O protesto chamou atenção do mundo, pelo seu teor supremacista e pelas terríveis cenas de violência que o evento proporcionou.
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Além da imigração
Mais do que as técnicas de marketing agressivo, o AfD pode contar com outros fatores para arrebatar adeptos ao seus ideais e, dessa forma, adeptos ao seu partido. Algo que pode ser visto como um incentivador do crescimento do partido e dos seus ideais é a ameaça do desemprego e da crise econômica.
Solange Ferreira lembra que para o AfD continuar crescendo ele dependerá de muitos fatores. Além de saber lidar com questões sobre imigração, precisa se preocupar com o nível de coesão a ser mantido pelo partido. A especialista afirma que o AfD tem muitas fissuras internas. A estudante alemã Juliane Kuhl concorda com essa afirmação e ainda ressalta que “eles [partido AfD] são capazes de mudar seu programa de partido bem rápido porque não possuem um programa profundamente enraizado, é um partido bem jovem”.
Sendo a maior economia do continente europeu, a Alemanha possui influência em diversos países da União Européia, especialmente os que se encontram em crise. A ameaça de ascensão dos ideais de extrema direita não vem apenas dos maus olhos que muitos alemães têm sobre os refugiados. Vem também da situação de conforto na qual a Alemanha se encontra diante do bloco econômico.
“Regiões da Antiga Alemanha Oriental, mais atrasadas economicamente, encontram na imigração o bode expiatório para a desigualdade que a reunificação não conseguiu reverter. É nelas que o AfD tem mais eco, embora o partido tenha crescido em outras partes também”, reforça Solange Ferreira, sobre a força que o AfD ganhou nessas últimas eleições. Outro fator que surge como enfraquecedor do partido da chanceler, e, talvez, força para o de oposição, segundo Lohbauer é um cansaço da população com tantos anos do governo Merkel e de suas coligações.
Juliane afirma que “muitas pessoas elegeram o AfD porque queriam protestar e mostrar que não concordam em fazer as coisas do jeito que estão fazendo atualmente”. Julius afirma que “em primeiro lugar, deve ficar claro que as eleições na Alemanha não são conquistadas pelos jovens, mas pela geração mais velha. Isso também pode ser uma explicação para a fraqueza das partes esquerdas alemãs”.
O estudante, por outro lado, frisou que não acredita que os jovens escolham o CDU e a Merkel porque apoiam seus ideais e propostas. “Muitos jovens estão simplesmente satisfeitos com a situação atual e não veem motivo para mudar”, completou Julius.
Diante deste cenário, aparentemente assustador para aqueles que dependem, de uma forma ou de outra, da Alemanha, muitos ainda não consideram o partido de extrema direita como uma ameaça. Julius O. chama a atenção para o histórico do AfD. “Desde a existência do AfD, o partido foi muitas vezes declarado morto. No entanto, esse cenário ainda não ocorreu. É difícil ver se e enquanto tempo o voo de alta atitude do AfD continuará”.
Apesar desta demonstração recente de ideias nazistas, Lohbauer não acredita que a ideologia volte a incomodar na Alemanha. “Pode até haver um grupo de membros do AfD que tenha alucinações nacional socialistas no AfD, mas não há a menor possibilidade de que tenham algum protagonismo e muito menos que o partido cresça com uma ideologia sequer próxima do nazismo. O nazismo não tem absolutamente nenhuma chance na Alemanha atual”.
Os especialistas não suscitarem a possibilidade do retorno do totalitarismo, entretanto, a extrema direita aguarda no parlamento uma chance para crescer. O mundo observa apreensivo o desenrolar dos capítulos desta história.
Foto de destaque: Alice Weidel, uma das líderes do partido no Parlamento (Créditos: Olaf Kosinsky/Wikimedia)