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Festival de Cannes 2018: de pautas sociais a retornos inesperados

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Júri de maioria feminina, protestos por representatividade e contra assédio sexual, boicote a Netflix e a volta de Lars von Trier marcaram a 71ª edição do festival

A 71ª edição do mais famoso festival de cinema do mundo aconteceu entre os dias 08 e 19 de maio e contou com cineastas consagrados no cinema cult e a celebração de pautas sociais como um reflexo da sociedade atual.
Realizado anualmente, o Festival de Cannes de 2018 teve como o ganhador da principal premiação, a Palma de Ouro, o filme “Shoplifters”, do cineasta japonês Hirokazu Kore-eda. O diretor já havia conquistado o Prêmio do Júri, em 2013. Por sua vez, “The Image Book”, filme do francês Jean-Luc Godard, conquistou a Palma de Ouro Especial, honraria que não estava prevista na premiação. Godard é famoso por ser um dos percursores da nouvelle vague, movimento de  que se iniciou a partir da década de 60 na França e teve como um dos seus alicerces, a busca por um cinema mais autoral e original, sem os clichês habituais da época.

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Hirokazu Kore-eda recebendo a Palma de Ouro | FOTO: AFP-JIJI


O diretor Spike Lee recebeu o Grande Prêmio do Júri com seu “BlacKkKlansman”. O diretor é famoso por colocar pautas raciais em seus filmes e repete a fórmula:“BlacKkKlansman” conta a história de um policial negro que se infiltra no KKK (Ku Klux Klan) na década de 1970 para descobrir seus planos, como o de plantar bombas em bares gays. O KKK foi um dos grupos de ódio racial mais atuante dos Estados Unidos desde o século 19. Os recentes casos de violência contra negros e as manifestações de grupos supremacistas brancos, como os vistos na cidade norte americana de Charlottesville, em 2017 foram essenciais para o lançamento do filme. Durante a exibição para o grande público, Spike Lee e sua equipe foram ovacionados por seis minutos.
PREMIAÇÕES E VENCEDORES
A principal disputa do festival é pela Palma de Ouro. No ano de 2018, foram indicados: Todos Lo Saben, de Asghar Farhadi (Espanha/França / Itália) – Filme de abertura; At War, de Stéphane Brizé (França); Dogman, de Matteo Garrone (Itália /França); Le Livre d’Image, de Jean-Luc Godard (França) – honraria especial; Asako I & II, de Ruysuke Hamaguchi (Japão); Sorry Angel, de Christophe Honoré (França); Girls of the Sun, de Eva Husson (França); Ash is Purest White, de Jia Zhang-ke (China/França/Japão); Shoplifters, de Hirokazu Kore-Eda (Japão) – filme vencedor; Capernaum, de Nadine Labaki (Líbano/França); Burning, de Lee Chang-Dong (Coreia do Sul); BlacKkKlansman, de Spike Lee (Estados Unidos) – menção honrosa; Under the Silver Lake, de David Robert Mitchell (Estados Unidos); Three Faces, de Jafar Panahi (Irã); Cold War, de Pawel Pawlikowski (Polônia/França/Reino Unido); Lazzaro Felice, de Alice Rohrwacher (Itália/Suíça/França/Alemanha); Yomeddine, de Abu Bakr Shawky (Egito/ Estados Unidos/Áustria); Leto, de Kiril Serebrennikov (Rússia).
Mas afinal quais são as premiações do festival?
1- Longas-metragens da competição oficial

  • A Palma de Ouro (Palme d’or) recompensa o melhor filme.
  • O Grande Prêmio (Grand Prix) recompensa o filme que manifesta a maior originalidade ou espírito de pesquisa.
  • O Prêmio de interpretação feminina (Prix d’interprétation féminine) recompensa a melhor atriz.
  • O Prêmio de interpretação masculina (Prix d’interprétation masculine) recompensa o melhor ator.
  • Prêmio de direção (Prix de la mise en scène) recompensa o melhor diretor.
  • O Prêmio de Roteiro (Prix du scénario) recompensa o melhor roteirista.
  • O Prêmio do Júri (Prix du jury)

 
 2 – Curtas-metragens da competição oficial

  • A Palma de Ouro de curta-metragem (Palme d’or du court métrage) recompensa o melhor curta-metragem.
  • O Prêmio do júri (Prix du jury du court métrage)

3 – Outras disputas

  • Un certain regard (“Um Certo Olhar”), mostra de filmes independentes e diretores novatos.
  • Caméra d’Or (“Câmera de Ouro”) premia o melhor filme juntando todas as outras categorias.

Para conferir todos os ganhadores da edição de 2018 do Festival, clique aqui.
Para o crítico de cinema do site Cinema Em Cena, Pablo Villaça, “apesar de ficar um pouco receoso antes do começo do Festival, percebi que na verdade essa é uma das seleções mais coesas. Filmes muito interessantes foram exibidos, inclusive aqueles que estão premeditados a gerar polêmica”.
Algumas das ausências mais sentidas no circuito de filmes do Festival foram os longas produzidos pela Netflix. Em abril de 2018, o serviço de streaming deu uma declaração confirmando sua não participação no festival, já que existe uma regra proibindo a presença, na mostra competitiva, de filmes que não tenham distribuição nas salas de cinema francesas.
AS MULHERES, CANNES E O CINEMA.
A edição de número 71 do Festival de Cannes foi marcada, dentre outros assuntos, por questões sociais marcantes nos últimos meses da indústria cinematográfica. Além de um espaço de prestígio, no qual são lançados grandes diretores e muitos dos chamados filmes cults (“de arte”) do ano, Cannes também tem um papel importante em questões mercadológicas. Por isso, a inserção de temas como racismo, representatividade feminina, assédio, entre outros, mostra-se cada vez mais importante, a fim de atingir o cinema em um aspecto mais geral.
Com maior destaque, por conta de tomadas de decisões, a composição do júri dessa edição foi majoritariamente feminino. A atriz australiana Cate Blachett, ganhadora do Oscar de Melhor Atriz em 2014 por “Blue Jasmine”, foi quem presidiu o júri. Acompanhando-a, estiveram presentes, a atriz francesa Léa Seydoux, a americana Kristen Stewart, a cantora e compositora Khadja Nin e a roteirista, diretora e produtora americana Ava DuVernay. Foi apenas a 12ª vez que uma mulher esteve à frente da comissão do Festival.

Jury Photocall - The 71st Annual Cannes Film Festival

Da esquerda para direita: Kristen Stewart, Ava DuVernay, Cate Blanchett, Léa Seydoux e Khadja Khadja Nin | Foto: ANDREAS RENTZ (GETTY IMAGES)


Porém, poucas cineastas participaram da disputa principal – a Palma de Ouro –, sendo que na história do Festival apenas a neozelandesa Jane Campion conquistou a principal premiação.
Neste contexto, houveram diversos protestos relacionados à representatividade feminina e contra o assédio sexual. No 5º dia da competição, cerca de 82 mulheres da indústria cinematográfica ocuparam o tapete vermelho em um protesto contra a falta de cineastas mulheres contempladas pela seleção do festival. O grupo incluía Cate Blanchett, Ava DuVernay, as atrizes Jane Fonda, Salma Hayek e Kristen Stewart e a diretora do sucesso Mulher Maravilha, Patty Jenkins.
Ao final do protesto, Cate Blanchett leu uma declaração feita por esse grupo de mulheres, reivindicando melhores condições de trabalho, igualdade nos salários e, claro, maior representatividade. Confira o discurso traduzido livremente, feito pela atriz:
“Nestes degraus, hoje, estão 82 mulheres que representam o número de diretoras que subiram esta escada desde a primeira edição do Festival de Cannes, em 1946. Neste mesmo período, 1.688 diretores homens subiram esta mesma escada. Nos 71 anos deste festival internacionalmente renomado, mulheres presidiram o júri doze vezes.
A prestigiosa Palma de Ouro foi entregue a 71 diretores homens – um número muito grande para que sejam nomeados -, mas apenas a duas mulheres: Jane Campion, que está conosco em espírito, e Agnès Varda [ganhadora da Palma honorária], que está conosco hoje. Estes fatos são óbvios e inegáveis. As mulheres não são minoria no mundo, mas o estado atual da nossa indústria diz o contrário. Como mulheres, cada uma de nós enfrenta desafios próprios e únicos, mas estamos juntas nestes degraus para simbolizar nossa determinação e compromisso com o progresso. Somos roteiristas, produtoras, diretoras, atrizes, diretoras de fotografia, agentes, montadoras, distribuidoras, agentes de vendas e todas as [profissões] envolvidas nas artes cinematográficas. Estamos em solidariedade com mulheres de todas as indústrias.
Nossa expectativa é a de que nossas instituições ofereçam ativamente paridade e transparência em seus corpos executivos e ambientes seguros de trabalho. Nossa expectativa é a de que nossos governos garantam que as leis de salários iguais para trabalhos iguais sejam cumpridas. Vamos exigir que nossos ambientes de trabalho sejam diversos e igualitários, para que possam refletir melhor o mundo em que de fato vivemos. Um mundo que permita que todas nós, em frente e por trás das câmeras, possamos prosperar ombro a ombro com nossos colegas homens. Nós reconhecemos todas as mulheres e homens que estão buscando a mudança. As escadas da nossa indústria precisam ser acessíveis a todos.
Vamos subir.”
E as manifestações não pararam por aí. No dia 16 de maio, 9º dia do festival, antes da projeção do filme “Burning”, do diretor sul-coreano Lee Chang-dong, dezesseis mulheres negras subiram juntas os degraus do tapete vermelho, fizeram poses com o punho erguido e dançaram a música “Diamonds”, de Rihanna.
Na edição de 2018, Cannes exibe um único filme dirigido por uma cineasta negra: “Rafiki”, da queniana Wanuri Kahiu. O longa fez história, pois se tornou o primeiro filme do Quênia na história a ser exibido no festival. O filme tem como trama duas jovens que se apaixonam e, devido ao teor do filme e a caraterização de um romance lésbico, o Conselho de Classificação Cinematográfica do Quênia proibiu sua exibição. Apesar do veto, o filme não só foi projetado no festival, como foi ovacionado pelo público da sessão. “Rafiki” foi exibido na mostra paralela “Un Certain Regard”, voltada para um cinema mais independente.
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Cena do filme queniano ‘Rafiki’, de Wanuri Kahiu | (Foto: Divulgação/Big World Cinema)


VOLTAS INESPERADAS
Lars von Trier. Quando o público de Cannes ouve esse nome, certamente muitos se recordam das várias polêmicas do diretor dinamarquês. Conhecido por seus filmes de teor obscuro e que mostram o lado ruim do ser humano, von Trier foi eleito persona non grata, na edição de 2011 do Festival. As acusações são principalmente por ele fazer apologia ao nazismo de Hitler, o que gerou muitas críticas. Além disso, recentemente a cantora Bjork alegou ter sofrido assédio sexual do diretor enquanto filmava “Dançando no Escuro” em 2001.
Em 2018, Lars von Trier retorna ao tapete vermelho da premiação com a exibição de seu filme “The House That Jack Built”, centrado na narrativa de um assassino em série sobre seus crimes. E como de praxe, enquanto muitos da sessão fixaram seus olhos sem perder um segundo do longa, mais de cem espectadores deixaram a sessão antes do fim, alegando fortes cenas de violência e mutilação.
Para Villaça, “é fato que várias pessoas saíram nos momentos mais chocantes, mas o que é curioso é que vários elementos atribuídos ao filme do Lars von Trier e pesadamente criticados, estão presentes em outros filme como por exemplo, Under the Silver Lake.”
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Lars von Trier: persona no grata | FOTO: ARCHIVO/DPA


Além da já citada presença do diretor Jean Luc Goddard, outro que reapareceu na cidade francesa foi Terry Gilliam, exibindo “The Man Who Killed Don Quixote”, depois de 25 anos de produção. Esse foi o filme de encerramento do Festival e contou com um público dividido e muitas críticas relacionados à maneira como o diretor e roteirista lida com o Estado Islâmico, criando uma relação deles com os mouros, inimigos da cavalaria europeia.
HISTÓRIA DO FESTIVAL
Em 1939, Jean Zay, o Ministro francês da Instrução Pública e de Belas Artes deu a ideia da criação de um evento cinematográfico internacional na França. Louis Lumière, um dos pioneiros do cinema no mundo, aceitou presidir o festival, sendo Cannes, cidade localizada na Riviera Francesa, a escolhida para receber o evento, devido ao clima agradável e encantador. No entanto, por conta da Segunda Guerra Mundial, a realização do primeiro Festival de Cannes não ocorreu em 1939, mas sim somente em 1946.
Assim, no dia 20 de setembro de 1946, foi realizado o primeiro Festival Internacional de Cinema de Cannes no local que costumava abrigar o Cassino de Cannes. Uma das principais motivações dos realizadores foi rivalizar com o Festival de Veneza, na época relacionado ao governo italiano fascista.
No total, produções de 18 países foram apresentadas ao público. “Desencanto” de David Lean, “Farrapo Humano” de Billy Wilder, “A Batalha dos Trilhos” de René Clement e “Roma, Cidade Aberta” de Roberto Rossellini foram alguns dos destaques.
No começo, o evento era mais conhecido pelo apelo cultural, levando muitos curiosos turistas a estarem ali presentes apenas para diversão. No entanto, ao longo dos anos, o festival passou a ganhar mais status também junto à comunidade cinematográfica. Hoje, o evento é terreno de estreias de grandes realizadores, além de ser alvo de muitas produtoras consagradas no mercado cinematográfico.

Redação

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