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Os craques do futebol na mira da justiça

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Como a alta quantidade de dinheiro dos patrocínios e contratações tem seus impostos aliviados pela sonegação

por Bheatriz D’Oliveira e Rafaela Nogueira

Geladeiras, máquinas de lavar, impressoras e até mesmo churrasqueiras a gás. Esses foram alguns dos produtos trazidos dos Estados Unidos pelos jogadores e cartolas da seleção brasileira na Copa de 1994. O avião que transportava a seleção chegou ao Rio de Janeiro com 14,4 toneladas de bagagem.
Como todo brasileiro que regressa do exterior, o time teria que prestar contas à Receita Federal. Porém, o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, conseguiu impedir a inspeção das bagagens, alegando que o país aguardava os craques para festejar a vitória. O jornalista Fernando Rodrigues, 53, acompanhou de perto o caso que ficou conhecido como “voo da muamba”. Depois desse episódio, o jornalista nunca mais assistiu ao futebol da mesma maneira. “Como era bom quando eu vivia na ignorância e só idolatrava os jogadores”, declara.

Capa da Folha de S.Paulo mostrou com exclusividade o episódio do “voo da muamba”

Capa da Folha de S.Paulo mostrou com exclusividade o episódio do “voo da muamba” (Imagem: Blog do Fernando Rodrigues)


Entre as décadas de 60 e 80, o futebol era jogado de uma maneira totalmente diferente de hoje. No gramado, os jogadores precisavam de vontade e paixão para defender a camisa, que só tinha o escudo do time e da fábrica do uniforme. O salário não era exorbitante e servia para auxiliar na compra de uma casa. Hoje, o escudo vem acompanhado de vários patrocinadores. Para o jornalista esportivo Cosme Rímoli, 55, os salários estão cada vez mais altos e os jogadores se tornaram mimados e especialistas em fugir de assuntos pertinentes. Esses atletas se tornaram privilegiados dentro de um esporte que virou mercado.
Muitos dos craques do futebol, além de ficarem famosos pelos contratos e patrocínios milionários, ganham destaque por serem investigados por fraudes fiscais e outros crimes tributários.
Casos recentes
            Dois casos que chamaram a atenção da mídia neste ano foram dos jogadores Lionel Messi, 29, e Neymar Jr., 24, ambos do time espanhol Barcelona. O argentino Messi vive na Espanha há 16 anos e tem cidadania lá. Ele foi condenado a um ano e nove meses de prisão por esquema que omitiu 10 milhões de euros das autoridades espanholas, totalizando 4,1 milhões que deveriam ser pagos em impostos. Messi foi o quarto jogador mais bem pago do mundo em 2015, segundo a revista Forbes, faturando 73,8 milhões de dólares. A Procuradoria de Barcelona achava que o jogador desconhecia os esquemas e pediram a prisão apenas de seu pai, que é empresário do jogador. A Advocacia-Geral espanhola foi que pediu a condenação de Messi, que ficou com a pena igual do pai. Quase um terço do faturamento anual do argentino vem de propagandas e cessão de direitos de imagem.
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Messi e Neymar, as estrelas do Barcelona (Foto: David Ramos)


O caso de Neymar é complexo e pode ter impacto na seleção brasileira e em sua campanha rumo à Copa de 2018, na Rússia. Ao anunciar a compra do jogador, então do Santos, em maio de 2013, o clube espanhol disse ter desembolsado 59,1 milhões de euros para contratar o brasileiro. Em dezembro do mesmo ano, um sócio do Barcelona, Jordi Cases, entrou na Justiça para esclarecer essa transferência milionária. Com a investigação em andamento, em janeiro de 2014, o Barcelona admitiu que o passe de Neymar tinha sido de 86,2 milhões de euros. Com esses novos valores, ele teria deixado de pagar 9 milhões de euros em impostos. A empresa DIS (iniciais do nome do empresário, Delcir Ide Sonda), que detinha parte dos direitos da venda do jogador, sentiu-se prejudicada e também entrou na justiça. Para as autoridades espanholas, essa omissão de valores foi uma tentativa de diminuir o recolhimento de impostos. “É um processo entre clubes”, alega o pai de Neymar.
Mas os problemas do jogador não se resumem à Espanha. Segundo as autoridades fiscais brasileiras, Neymar estaria devendo mais de 180 milhões de reais ao Leão, entre impostos e multas atrasados e, por isso, foi condenado por sonegação de Imposto de Renda, fraude e conspiração. O jogador e sua família negam todas as acusações.
Para o jornalista Wálter Nunes, o caso de Neymar é o mais ruidoso, porém está longe de ser o único. “É o mais ruidoso porque além dos valores, envolve o mais brilhante jogador de futebol do país da última década”, constata.
Messi e Neymar são apenas dois dos jogadores investigados em casos de fraude e que causam uma imensa repercussão no mundo do futebol.
A fraude fiscal na prática
As investigações apontam que os atletas burlaram (ou tentaram burlar) as leis de diversas formas. Neymar Jr. foi considerado culpado em março por omissão de receitas pagas pelo Santos, pelo Barcelona e pela Nike, um de seus patrocinadores. No caso do craque, a auditora fiscal Claudia Develly Montez, relatora do caso, declarou que “analisando-se os atos e negócios jurídicos levados a efeito pelo contribuinte, as três empresas [Neymar Sport e Marketing, N&N Consultoria e N&N Administração de Bens] e seus sócios, é possível confirmar que foram praticados por eles negócios jurídicos simulados, fraudulentos”. Para ela e outros julgadores, o clube teria maquiado transferências para o jogador simulando contratos com empresas ligadas a Neymar, o que permitiu o enquadramento em taxas mais baixas que o Imposto de Renda de pessoa física.  No caso do brasileiro, a promotoria acredita que a transferência dele para o Barcelona foi registrada por um valor menor que o real. O pai do jogador, que cuida da carreira dele, e a mãe também são investigados.
Já a investigação da Justiça espanhola contra Lionel Messi, também do Barcelona, teve início em 2013, com base em uma denúncia do “El País”. O jornal espanhol alegou existir, entre 2007 e 2009, supostamente um esquema que terceirizava a exploração de sua imagem – seu pai, segundo acusação, simulou a venda do direito sobre os contratos de publicidade de seu filho por valores baixíssimos para empresas sediadas em paraísos fiscais e que não tinham sequer atividade, ou seja, teriam sido criadas para essa negociação. Após passar pela Suíça e pelo Reino Unido, o montante dos contratos de publicidade era destinado à empresa uruguaia Jenbril, que tinha Messi como único acionista. A operação teria sido forjada para omitir ganhos do jogador.
Outros casos também correm pela mídia. Javier Mascherano, 32, também do Barcelona, reconheceu em audiência em 2015 que cometeu fraude por meio de duas estratégias: não declarou rendas obtidas da Nike, uma de suas patrocinadoras, por meio de uma sociedade nos Estados Unidos, e simulou a cessão de seus direitos de imagem a uma empresa na Ilha de Madeira, em Portugal.
Sonegação de impostos e crime de falsidade ideológica podem levar a cárcere privado (Imagem: Divulgação/Portal Brasil)

Sonegação de impostos e crime de falsidade ideológica podem levar a cárcere privado (Imagem: Divulgação/Portal Brasil)


Xabi Alonso, 35, na época jogador do Real Madrid e hoje jogador do Bayern de Munique, também vem sendo investigado por fraude fiscal e foi acusado de não declarar ganhos de direitos de imagem entre 2010 e 2012. Dados da investigação afirmam que o atleta usava empresas em território estrangeiro para sonegar impostos.
Outros tantos jogadores também estão na mesma lista: Samuel Eto’o, 35, foi acusado de criar empresas fantasmas para abater impostos durante três anos, no período em que viveu na Catalunha e jogou pelo Barcelona; Luís Figo, 44, foi condenado pela Justiça espanhola a pagar 10 milhões de reais por impostos não pagos entre 1997 e 1999, quando jogava pelo Barcelona; Uli Hoeness, 64, antigo jogador alemão campeão do mundo em 1974 e ex-presidente do Bayer de Munique, foi sentenciado a três anos e meio de cadeia após acusação de fraude fiscal de mais de 27 milhões de euros, depositados em contas secretas na Suíça; Diego Maradona, 56, craque do futebol argentino, teve seus bens bloqueados em 2013 na Itália ao ser acusado de ter uma dívida de 53 milhões de dólares em impostos, da época em que era jogador no time italiano Calcio Napoli, de 1984 a 1991.
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O Melhor do Mundo na mira
Cristiano Ronaldo, 31, eleito o Melhor do Mundo pela quarta vez no prêmio Bola de Ouro, também foi alvo recente de acusação de acordo com o consórcio de 12 veículos de mídia europeus do ‘Football Leaks’, que investiga os negócios do futebol. O jornal espanhol “El Confidencial” baseou-se em documentos do “site” e publicou os que mostravam a criação da Multisports & Image Management (MIM) Limited, uma empresa com sede em Dublin que supostamente existiria apenas para gerir e negociar os direitos de imagem do jogador. De acordo com o Football Leaks, Cristiano Ronaldo teria assinado contratos publicitários e de direitos de imagem com a Nike, Linic, Konami, KFC e Toyota por meio da citada empresa, com o objetivo de pagar menos impostos. Desta forma, o jogador pagaria apenas 12,5% de impostos sobre os montantes recebidos, enquanto que, se recebesse esses valores por uma empresa de Madrid, teria de pagar 43,5% de impostos.
A princípio, um porta-voz oficial de Cristiano Ronaldo garantiu ao jornal que ele “tem cumprido todas as obrigações fiscais em todos os países em que já viveu” e que “todos os negócios que fez foram efetuados de acordo com a legislação em vigor”.

Cristiano Ronaldo já ganhou de Melhor do Mundo quatro vezes e afirmou, quando acusado de fraude: “Quem não deve, não teme” (Foto: FABRICE COFFRINI/AFP/Getty Images)


Dias depois da acusação, a Gestifute, empresa do agente Jorge Mendes da qual Cristiano Ronaldo é cliente, revelou um documento da Agência Tributária Espanhola (ATE) que confirmou que Cristiano Ronaldo tem a sua situação contributiva no país em dia e que as autoridades fiscais europeias têm critérios diferentes em matéria de direitos de imagem, pelo que entende que os clientes estrangeiros se vêm frequentemente afetados por essas diferenças, que a empresa “respeita e cumpre”.
O presidente da Liga Espanhola de Futebol Profissional (LFP), Javier Tebas, disse que está “convencido” de que Cristiano Ronaldo não cometeu nenhuma fraude fiscal em Espanha. “Chama muito a atenção que o melhor jogador do mundo, juntamente com Messi, tenha uma estrutura financeira que é perfeitamente válida e que foi mantida durante anos. [Mas] quando surgiram dúvidas, ele explicou e regularizou a situação voluntariamente”, apontou Tebas.


Valor no mercado: Lionel Messi e Cristiano Ronaldo dividem a primeira posição como os jogadores de futebol mais valiosos do mundo, avaliados em 120 milhões de euros. Em terceiro lugar está Neymar Jr., o único brasileiro da lista, e Luis Suárez, ambos avaliados em 80 milhões de euros.
 
Passe: Além dos mais valiosos, Messi e Ronaldo são os jogadores com os passes mais caros do mundo, 140 milhões de euros e 96,3 milhões, respectivamente. Neymar tem o sexto passe mais caro, no valor de 55 milhões de euros.

Por que tão “estrelinhas”?
No Brasil, o futebol é o esporte mais conhecido e valorizado. Aqui, ser um jogador de futebol é, muitas vezes, o sonho de muitas crianças. Fama, dinheiro e privilégios são algumas características dessa carreira que atraem os que querem segui-la. Além de conquistar os fãs, o futebol se tornou um mercado que movimenta milhões de reais por mês, seja por meio da compra e venda de jogadores, ou através de investimentos na infraestrutura dos estádios.
João Ricardo Cozac, psicólogo da equipe de futebol profissional do Ituano Futebol Clube, escreveu em artigo para o jornal “A Gazeta Esportiva” que entende que haja “extrema falta de responsabilidade desses meninos [jogadores ricos e jovens]”. Mas se pergunta, por outro lado, como se pode cobrar algo que não se ensina. “Será que a própria constituição atual do futebol também não contribui para a geração desse espetáculo circense de câmeras, luzes, brincos e figurinos?”, questiona.
Por sua imagem de exemplo a muitos, os jogadores, apesar de muitas vezes ainda jovens, como é o caso de Neymar e Messi, deveriam pensar mais em como suas ações refletem na plateia que os assiste, admira, segue. Para além de nossas fronteiras, o futebol é um esporte importante de união do mundo todo. Mas, infelizmente, é como jornalista José Cruz, que cobre política, economia e legislação no esporte, aponta: “No futebol, a sonegação e a inadimplência são problemas generalizados”.

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Redação

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