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Divulgação não autorizada de dados na internet expõe futuro incerto da privacidade

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por Camila Nishimoto e José Felipe Vaz

Heloísa é vista por seus amigos como um ponto fora da curva quando o assunto são as redes sociais. Enquanto a maioria deles vivencia em tempo real as mudanças nas social networks e registra detalhes da rotina nos stories, ela sequer têm instalados esses aplicativos em seu smartphone.

Nas férias, a demora de alguns dias para responder algumas marcações no Facebook ou o fato de ser a última a saber de alguma novidade da vida dos amigos porque esta só foi anunciada no Instagram já se tornou parte da relação.

E a primeira rede de Zuckerberg é vista por ela como mero instrumento para gerenciar grupos de trabalho e projetos. “Não fico por horas rolando o feed e não vejo o do Instagram também. No Twitter entro às vezes, mas só quando sei que vou ter tempo para isso”, comenta.

Mariana, por outro lado, sonha com este tipo de desprendimento do celular e das redes sociais. “É quase como uma compulsão”, relata ela, ainda que boa parte do tempo dedicado às redes seja compartilhada com outras atividades de lazer.

Extremamente contra o recurso de realizar o check-in em estabelecimentos, Heloísa não compartilha sua localização publicamente nas redes quando pode evitar. “É perigoso. Vários especialistas em segurança dizem [que é perigoso]. Alguém que vê você como um alvo para cometer algum crime, como te assaltar ou te sequestrar e pedir dinheiro para a sua família, pode usar suas redes sociais para isso”, argumenta.

A inconveniência, e não a ameaça, é o aspecto mais significativo das desvantagens do check-in para Mariana. Especialmente quando funciona como uma exigência para ter acesso a um sinal de Wi-Fi em algum estabelecimento.

E a localização é apenas uma das muitas informações pessoais que se divide com displicência nas redes sociais todos os dias; compartilhamento este que vira dinheiro para muita gente.

Dados

Segundo o relatório de 2015 intitulado “Mapping the Future of Digital Payments”, lançado pela Worldpay, cerca de 45% dos 7.000 entrevistados tem propensão a trocar dados pessoais por algum tipo de benefício. Dos participantes brasileiros, 62% afirmou disposição em compartilhar algum tipo de informação privada.

E não é necessário ir muito longe para confirmar essa estatística. Basta observar a própria rotina e hábitos de utilização das redes sociais e aplicativos. Aceitar compartilhar informações sobre si em troca de comodidades no dia a dia é muito comum.

Essa troca pode ser feita pelo login facilitado com redes sociais, o streamer de música que compila seus artistas favoritos em um só lugar, mas colhe informações sobre suas preferências com um algoritmo, ou aceitar os conhecidos cookies ao navegar por um site, permitindo que ele depois monitore suas ações.

Além das informações básicas exigidas por qualquer cadastro, como nome, gênero, nacionalidade e endereço, outros dados menos burocráticos são coletados todos os dias por aplicativos e redes sociais.

O Google guarda registros sonoros de quase tudo o que você já fez próximo ao seu smartphone ou computador. E ainda que seja possível deletá-los com relativa facilidade, juntamente com históricos de pesquisas e geolocalização, a garantia de que todo esse conteúdo é realmente excluído dos servidores fica a cargo apenas da palavra da companhia.

Com uma página que dedica-se amplamente a detalhar a Política de Dados da rede social, o Facebook explica a quais informações ele tem acesso e onde, como e quando as utiliza:

“Usamos as informações que temos para melhorar nossos sistemas de publicidade e medição; assim, podemos mostrar anúncios relevantes a você dentro e fora dos nossos Serviços, além de medir a eficácia e o alcance dos anúncios e serviços. Saiba mais sobre a publicidade em nossos Serviços e como controlar a maneira como suas informações são usadas para personalizar os anúncios que você vê”

Política de Dados do Facebook 

Mesmo que se mostre a princípio preocupado com a transparência em sua Política de Dados, o Facebook ainda precisa pagar multas altas por utilizar indevidamente informações de seus usuários. Em 2013, foi acordado que o Facebook pagasse uma multa de US$ 20 milhões a 5 pessoas que entraram com uma ação contra a empresa por uso e monitoramento não autorizado de suas interações dentro da rede.

Em outro episódio em setembro de 2017, a rede de Mark Zuckerberg foi multada em € 1,2 milhão (R$ 4,4 milhões) pela Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD). A alegação foi de que a empresa obtinha dados sem o consentimento explícito dos usuários, sem informá-los propriamente onde eles seriam utilizados. Esta investigação constatou que o Facebook compila informações relacionadas à ideologia, gênero, religião, preferências pessoais e navegação de seus usuários sem informá-los claramente sua finalidade.

Há relatos cada vez mais frequentes da experiência de conversar sobre um determinado assunto sem pesquisá-lo na internet e, mesmo assim, ver suas páginas abarrotadas de propagandas sobre o tema. Será que mesmo sem estar nas redes sociais e nos mecanismos de busca, existe monitoramento?

Em busca de uma confirmação, um protótipo de aplicativo foi criado pelo especialista em segurança cibernética Ken Munro e seu colega David Lodge, da consultoria Pen Test Partners. Após instalar o aplicativo no aparelho, passou-se a conversar próximo a ele e, não tão surpreendentemente, as palavras-chave que eram ditas foram aparecendo numa tela de computador, usado para monitorar a eficácia do app.

“Permitimos que o aplicativo acessasse o microfone do telefone, configuramos um servidor de áudio na internet, e tudo o que o microfone ouviu nesse telefone, independentemente de onde estava localizado o usuário, chegou aos nossos terminais, o que nos permitiria, se quiséssemos, criar propaganda personalizada”, explicou Munro em entrevista à BBC.

Mark Zuckerberg em uma oficina do Facebook com uma moldura do Instagram (Foto: iPhonedigital/Montagem: Camila Nishimoto)

As webcams, com frequência, também são alvo de polêmicas de espionagem. A imagem de Mark Zuckerberg ao lado de seu computador, cuja webcam estava coberta por fita adesiva, viralizou por deixar no ar a questão da privacidade e segurança, já que nem o criador de um dos principais espaços compiladores de dados sente-se seguro na internet.

 

Privacidade

Um dos grandes sucessos da rede de streaming Netflix é, sem dúvidas, a série House Of Cards. A trama conta as armações do audacioso Frank Underwood e de sua esposa Claire Underwood para atingir o cobiçado cargo de presidente da república dos Estados Unidos da América.

Um dos pontos de destaque da série são as inúmeras manobras do político para fiscalização de eleitores durante a campanha eleitoral, em busca de hábitos e gostos dos norte-americanos que poderiam influenciar na corrida por votos. Muitos desses recursos envolvem a quebra da privacidade dos cidadãos e esse é um ponto importante na discussão sobre as informações pessoais na era dos avanços tecnológicos: o direito à privacidade.

De acordo com um estudo realizado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, o direito à privacidade nasce com as mudanças de hábitos da sociedade no século XVII. Algumas das atividades que antes eram realizadas em comunidade, passaram para a esfera íntima da vida das pessoas, o que cria uma espécie de direito à privacidade na execução dessas tarefas.

Na sociedade contemporânea, as práticas que envolvem o uso massivo de informações e dados pessoais caracterizam um problema que é tanto social, quanto jurídico, uma vez que é preciso estabelecer os limites que delimitam a invasão e violação da privacidade pessoal.

O estudo ainda aponta seis principais dados coletados nas atividades cotidianas por empresas, que geram o cruzamento desses dados em busca de elaboração de perfis de costumes.

A Constituição Federal indica como básico o direito à privacidade, prevendo punições no caso de sua violação:

“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” Constituição Federal, artigo 5, inciso X

Em alguns momentos, chega-se a questionar se as mensagens mandadas de forma privada aos contatos nas redes sociais são realmente seguras. Em acontecimentos recentes, o aplicativo de mensagens WhatsApp foi bloqueado no Brasil pela justiça. A empresa sofreu punições por não colaborar na liberação de mensagens para investigações criminais e policiais.

Por ser uma empresa presente em vários países do mundo, o Facebook (que também é proprietário do WhatsApp) tem que se adaptar às mais variadas leis que regem os países. Elas estão sujeitas a brechas e interpretações, o que pode acarretar bloqueios, como o citado anteriormente.

O Facebook, em contrapartida, tem grande atuação na divulgação de informações que possibilitam investigações sobre o Estado Islâmico, enquanto em investigações menores, como nos casos brasileiros, o auxílio é quase nulo. E então, volta-se para a questão inicial da privacidade e até que ponto a divulgação de informações fere esse direito.

Dentre alguns dos métodos questionáveis para captação de dados e informações citados pelo estudo da Consultoria Legislativa da Câmara, são evidenciadas algumas categorias possibilitadas pelos recursos técnicos disponíveis hoje.

Apesar de assustadores, os tópicos do gráfico anterior mostram as inúmeras formas de violação da privacidade que podem ocorrer com auxílio das tecnologias. Buscando entender quem procura defender os consumidores de serviços de conexão de internet, a InternetLab, uma associação sem fins lucrativos que que promove o debate acadêmico e a produção de conhecimento nas áreas de direito e tecnologia, realizou um estudo chamado “Quem Defende os Seus Dados?”, publicado em 2017.

No trabalho, a associação analisou as empresas provedoras de internet no Brasil, com o objetivo de conscientizar os usuários com relação às questões que envolvem a proteção de dados e informações pessoais. A associação escolheu empresas que possuíssem no mínimo 10% do total de acessos à internet, seja de banda fixa ou de banda móvel. Na banda fixa, foram analisadas as empresas: NET, Oi e Vivo. Em Internet móvel, as empresas Claro, Oi, TIM e Vivo foram o foco da pesquisa.

As categorias e parâmetros foram baseados em perspectivas de análise e, então, as empresas foram avaliadas e seu desempenho, mensurado. As categorias finais de análise foram:

  1. Se a empresa fornece informações sobre o tratamento dos dados;
  2. Se a empresa informa sobre condições de entrega de dados a agentes do Estado;
  3. Se a empresa defende a privacidade de usuários no judiciário;
  4. Se a empresa adota um posicionamento em prol da privacidade dos usuários;
  5. Se a empresa publica relatórios de transparência sobre pedidos de dados;
  6. Se a empresa notifica os usuários sobre pedidos de dados.

Dos parâmetros de análise, um deles chama a atenção por conta de seus resultados. Na última categoria, onde a empresa foi avaliada com relação a “notificar usuário previamente à entrega de dados cadastrais e registros de conexão, sempre que o sigilo da entrega não estiver imposto por lei, ou no primeiro momento em que a notificação é permitida”, foi constatado que, em casos de pedidos de autoridades do Estado nos quais o sigilo não estiver imposto por lei: nenhuma das empresas avaliadas cumpre com esse item!

O estudo ainda mostra um detalhamento de cada uma das categorias citadas. A avaliação mostra uma variabilidade nos resultados, mas indiscutivelmente coloca a empresa Net como a pior em todos os critérios de análise estipulados.

Casos de violação de dados escancaram a necessidade de políticas públicas que busquem a proteção do indivíduo no que diz respeito à privacidade, principalmente nas redes sociais formadas a partir dos adventos tecnológicos.

 

Proteção

Em um de seus livros mais recentes sobre a nova realidade proporcionada a partir dos avanços nas áreas da tecnologia, chamado “Teorias da Cibercultura”, Francisco Rüdiger faz uma análise dessa realidade por ele chamada de Cibercultura. O autor cita duas visões sobre os avanços tecnológicos: os tecnófilos, que possuem uma visão positiva sobre as tecnologias, enxergando-a como aliada do ser humano; e os tecnófobos, que possuem uma visão apocalíptica dessa nova realidade, acreditando que a tecnologia irá superar o homem, tomando o controle da vida social.

A teoria do autor contribui na análise das questões que tangem a privacidade: seriam as novas tecnologias, assim como a internet, vilãs ou mocinhas nas tramas da vida real? Até que ponto as ferramentas tecnológicas contribuem para a vida em sociedade e até que ponto elas ferem a privacidade das pessoas?

A visão tecnofóbica e apocalíptica encontra em seu caminho um empecilho: o Estado, responsável pelas garantias dos direitos individuais e coletivos das pessoas. Isso significa que nem tudo é tão devastador assim, cabendo ao Estado a regulação e correção dessas brechas de invasão à privacidade, principalmente na aldeia global em que vivemos hoje, mediada pelas novas tecnologias.

No Brasil, uma das mais importantes ações do Estado que visa proteger as pessoas no âmbito da conectividade foi o Marco Civil da Internet. A lei, promulgada em 2014, aumentou a proteção dos usuários nas redes, garantindo punições em casos de violação. O texto constitucional diz que é garantida aos usuários a “inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Outros casos chamam a atenção, como o caso da lei 12.737 Carolina Dieckman, que foi promulgada em 2012 pela então presidenta Dilma Rousseff, antes mesmo do Marco Civil, e que tratava da criminalização de invasões a dispositivos tecnológicos. A lei que leva o nome de uma atriz, ganhou as manchetes dos jornais na época devido a invasão do computador de Carolina e a posterior divulgação de suas fotos íntimas na internet.

Veja mais: dicas para se proteger on-line 

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Redação

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