Como a culinária de países árabes se estabeleceu no país e quais são suas principais características.
Por Érica Travain, Lais Esteves e Mariana Kohlrausch.
A imigração Árabe para o Brasil se enquadra nos contingentes mais recentes a chegarem no país. A maioria dos pesquisadores considera o ano de 1.880 como o marco da chegada dos árabes em terras tupiniquins, apesar disso, há muitas divergências e alguns registros literários de imigrantes árabes datam de antes disso.
Segundo o livro “Brasil: 500 anos de povoamento”, organizado pelo IBGE, muitos consideram a origem da imigração na chegada de Youssef Moussa, em 1880, originário da aldeia de Miziara, norte do Líbano, enquanto outros atribuem o pioneirismo aos irmãos Zacarias, no Rio de Janeiro em 1874. Registros também identificam em 1808 o libanês Antun Elias Lupos morando no Brasil.
Apesar de virem de diversos países como Líbano, Síria, Turquia, Egito e Palestina, os primeiros imigrantes árabes tinham características em comum, como a língua e os dialetos regionais. Além disso, as questões religiosas marcam fortemente a corrente migratória desses países.
No período anterior à chegada dos árabes no Brasil, muitos desses territórios estavam sob domínio do Império Otomano, de fé islâmica. Desta forma, as comunidades cristãs nessas regiões sofreram perseguições, massacres e eram consideradas uma segunda classe dentro do Império, sendo frequentemente alvo de ataques dos muçulmanos. Esse também é o motivo pelo qual os árabes que chegaram ao Brasil eram chamados de “turcos”. O passaporte utilizado era do Império, porém os imigrantes vinham de diversos locais.
Devido a perseguição religiosa e pobreza, o maior contingente de imigrantes é cristão, vindos em grande parte da Síria e do Líbano. Outras origens também migraram, mas em menor número, como Turquia, Palestina, Egito, Jordânia e Iraque.
No Brasil, esses grupos se instalaram principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Segundo o livro do IBGE, até 1920, mais de 58 mil imigrantes haviam entrado no país e 40% desse total se fixaram em São Paulo. Hoje, de acordo com artigo da Agência Brasil, os brasileiros de origem árabe são cerca de 11 milhões de pessoas.
Apesar do grande número, a imigração árabe decaiu depois dos anos 1920 e outros países, como Canadá e Estados Unidos se tornaram os locais mais interessantes para esse contingente de imigrantes.
Cultura
Desde o início da corrente imigratória, nota-se entre os árabes a intenção de permanecer no Brasil. Desta forma, as pessoas se fixaram no país e passaram a exercer atividades econômicas que seguem até hoje como característica desses descendentes.
É o caso do comércio, por exemplo. Diferentemente dos europeus, esses imigrantes não vieram para o Brasil para trabalhar nas grandes propriedades de terra, mas para fugir da situação de pobreza e guerra em seus países. Assim, moravam nas cidades e passaram a exercer o comércio.
Em São Paulo, por exemplo, segundo o IBGE, muitos árabes se instalaram nos distritos da Sé e Santa Ifigênia, entre as ruas 25 de Março, da Cantareira e Avenida do Estado, famosos pontos de intenso comércio. Desde 1893, já haviam registros de casas de comércio nessa região, sendo que 90% delas era de propriedade de sírios e libaneses. Em sua maioria, esses estabelecimentos eram lojas de tecidos no varejo e armarinhos.
A tradição comercial dos árabes tornou-se forte característica desses povos no Brasil, além da grande presença na política e literatura. Porém, outro aspecto cultural foi extremamente difundido no país: a gastronomia.
Nas últimas décadas, a contribuição cultural árabe com a culinária brasileira foi marcante, tanto pelo aumento das redes de fast-food quanto pelo surgimento de restaurantes típicos nos grandes centros e no interior. Atualmente, o quibe, a esfiha, a coalhada e o tabule não mais se restringem a restaurantes típicos e se popularizaram no paladar do brasileiro. Desta forma, a presença dos descendentes árabes no Brasil mostra a força dessa cultura no país e seu importante papel nos sabores das cozinhas brasileiras.
Kibe ou Pastel?
Com café, suco ou caldo de cana, um kibe ou uma sfiha combinam muito bem e o combo já faz parte de muitas lanchonetes espalhadas pelo país. Segundo Yasmim Zippin Nasser, culinarista e proprietária do Nayme Culinária Árabe em Curitiba (PR), esses alimentos “acabaram fazendo as vezes de um pastel, de um misto quente, só que muito mais ricos em temperos e sabores!”. Entretanto, esses não foram os únicos pratos de origem árabe incorporados no cardápio brasileiro devido à imigração.
Pratos típicos
Yasmim relata que os árabes costumam iniciar uma refeição com os pratos frios que compõem a mezze árabe – a palavra tem sua origem na expressão “Alloumaza”, que significa “aquilo que é degustado”. Alguns deles são “hommus, coalhada, babbaghanouj, kibe cru, tabule, fatuch e muita salada, tomates inteiros, alface romana, rabanete, pepino, cenoura, etc. Tudo acompanhado do pão árabe”, cita a culinarista.
Ela explica que, em seguida, é a vez dos pratos quentes que podem incluir kibe assado, arroz com lentilhas ou arroz de carneiro, kaftas de carne ou de carneiro, charutinhos de folha de uva, abobrinha recheada e chich barak. A mesa sempre tem muita fartura.
“Os doces, cito o ataif que está entre os mais conhecidos – parecido com um crepe, porém com uma massa mais altas e aerada, pode ser recheado com nata (ashta) ou com nozes e é regado com uma calda a base de água de rosas e flor de laranjeira”, destaca Yasmim.
Temperos
De acordo com a culinarista, a culinária árabe é riquíssima em temperos e especiarias, fator que é um diferencial. “Os principais temperos utilizados são: água de rosas e água de flor de laranjeira, que são líquidos perfumados, extraídos das flores e utilizados em doces e caldas; cardamomo, são sementes utilizadas no preparo do café árabe e também no tempero de carnes; pimenta síria ou sete pimentas, consiste em uma mistura de especiarias moídas tais como canela, noz moscada, cravo, pimenta da Jamaica e pimenta do reino; sumagre ou summac, provenientes de um arbusto com folhas vermelhas, é gerado por meio da moagem das bagas secas e o pó que se obtém é de gosto bastante ácido, é geralmente utilizado para temperar carnes; zattar, composto por summac e sementes de gergelim e tomilho; miski, resina vegetal, utilizada para aromatizar doces”, destaca Yasmim.
Empório Árabe
A arte da culinária vai muito além da técnica. O processo envolve a escolha dos ingredientes, o contraste de sabores, texturas e aromas que dão vida aos pratos. Cada alimento representa uma cultura, além de nos remeter à lembranças e momentos especiais com a família e os amigos.
O Empório Árabe nasceu a partir da união entre culinária e tradição familiar. O local, que no ínicio era uma sorveteria, surgiu no ano de 1985, mas foi somente em 1986, que passou a comercializar comida árabe. Hecmet Farha Júnior, atual proprietário do estabelecimento, conta que a ideia veio de seu pai “Meu pai teve a ideia de montar o Empório Árabe. Então, trouxemos um funcionário de São Paulo para fazer o pão sírio, a esfiha e o kibe”, relata.