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Gastronomia chinesa: mitos e verdades

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Informações equivocadas sobre o que os chineses comem geram preconceito e não abrangem a riqueza culinária do país.

Por Amanda Casagrande, Karina Francisco e Marina Debrino

Você já percebeu que existe um desconhecimento muito grande dos brasileiros a respeito da alimentação chinesa? E isso abre espaço ao reforço dos estereótipos carregados de preconceitos e que nem sempre são verdadeiros. Quem nunca ouviu falar que os chineses se alimentam de insetos e de carne de cachorro? Na verdade, isso não traduz a alimentação da China e muito menos a alimentação cotidiana.

A verdade é que existem 56 etnias dentro da China e, com isso, cada uma das oito regiões possui uma alimentação muito específica, sendo elas: Sichuan, Shandong, Jiangsu, Guangdong, Beijing, Fujian, Anhui e Zhejiang. As comidas chinesas são muito ricas e diferenciadas, e seria simplista demais resumir toda uma cultura alimentar baseando-se apenas no exótico.

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O país é tão grande que as comidas típicas variam consideravelmente, assim como o clima e a agricultura. (Elaboração: Amanda Casagrande)

Outro ponto importante a se destacar é o preconceito com os imigrantes chineses e seus descendentes que buscam melhores condições no Brasil e costumam abrir comércio alimentício na cidade. Luan Rong Hou, que é proprietário de um restaurante chinês na cidade de Botucatu e formado em Gastronomia, afirma que este preconceito existe, “começando que chinês não é japa, chineses não são todos iguais, não somos sujos nem porcos, não é tudo que vendemos que é falsificado e por aí vai”, e finaliza ressaltando que nada tem sido feito para mudar tal ignorância brasileira.

Renato Luo, administrador da lanchonete Pequim, em Bariri, ressalta os efeitos dos boatos e da desinformação sobre chineses, “hoje em dia qualquer notícia nada agradável que circula na internet ou até mesmo que saem na boca do povo sobre chineses, se espalham rapidamente e as pessoa não entendem que existem coisas desagradáveis em qualquer lugar no mundo. Não procuram a verdade e a cultura, é questão de aprender, entender e respeitar.”

Importância de entender a alimentação chinesa

Mariana Ueta, que está realizando doutorado em Ciências Sociais com a linha Brasil-China na Unicamp, explica que entender como funciona a alimentação chinesa é importante não só por uma questão de conhecimento e respeito, mas também por uma questão comercial e econômica. A China é hoje uma das principais parceiras comerciais do Brasil, visto que eles importam muita soja e carne. Isso significa que o Brasil precisa entender como aproveitar essa oportunidade e saber se posicionar de forma estratégica na parceria com a China. “É muito importante a gente saber como são os padrões alimentares na China para poder achar novos nichos de mercado e novas oportunidades de negócio.”

Para estudar e entender as relações entre Brasil-China existe um grupo de estudos na Unicamp formado por professores de diversas áreas. Nos encontros, cada professor leva uma contribuição de acordo com a perspectiva da sua área de atuação, seja ela Sociologia, Economia, Sociologia Ambiental, etc. Isso gera debates muito complexos e interessantes sobre o assunto.

Agricultura e segurança alimentar

Em 2008, seis bebês morreram e 300 mil crianças foram intoxicadas por consumirem leite adulterado com o químico melamina – um produto da indústria do plástico, usado na fabricação de cola ou resina. Esse caso, concomitante a outros escândalos envolvendo alimentos no país, aumentaram a consternação da população chinesa em relação a produção de alimentos. Uma pesquisa realizada em 2012 pelo instituto Pew mostrou que 41% dos chineses consideram segurança alimentar um problema grave.

Desde então o país vem tomando medidas para garantir melhorias na segurança alimentar e em questões ambientais no meio agrícola. Um importante projeto nacional nesse sentido é o “New Socialist Countryside”, que estudou as regiões agrícolas do país a fim de estabelecer práticas mais sustentáveis de cultivo.

“Várias reestruturações foram realizadas nas questões agrárias, como o direito de uso e de leasing da terra, bem como nas indústrias estratégicas para o setor: sementes, biotecnologia e processamento” afirma Luan.

Um dos resultados desse estudo e aplicação dessas medidas foi uma redução no uso de nitrogênio, o qual gerou uma economia de 1,2 milhão de toneladas de fertilizantes. A respeito das mudanças no campo vividas pela China, Luan Hong Rou aponta que “com recursos naturais escassos, a China priorizou a ciência, tecnologia e a inovação para enfrentar o grande desafio da segurança alimentar e do desenvolvimento sustentável das áreas rurais”.

Além da questão ambiental, outro fator que mexe com a alimentação do país é a sua rápida urbanização.  A China é um país que passa por uma industrialização tardia: só em 2011 a maior parte da população passou a viver fora de zonas rurais. Com essa acelerada urbanização, os trabalhadores rurais migraram para os meios urbanos, fato  que fez com que a agricultura chinesa perdesse vitalidade.

Em um artigo da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul (FEE) sobre o assunto, o autor Sérgio Leusin Jr. mostra como esse processo afetou os chineses. “A migração do campo para a cidade acabou gerando problemas sociais urbanos e rurais complexos. No campo, por exemplo, é relatada a apreensão quanto à existência de um significativo número de idosos e crianças que não realizaram o êxodo rural, denominados pela literatura especializada como um contingente ‘deixado para trás’”, afirma o professor.

Leusin aponta também que, atualmente, o governo chinês tem demonstrado preocupação em ​diminuir as diferenças de renda entre populações urbanas e rurais como forma de amenizar as forças motoras de um êxodo rural despropositado de efetivo sentido econômico e geográfico.

Como é a alimentação atualmente

Sabemos que o Brasil é um país muito grande comparado ao restante do mundo e tem uma variedade culinária e cultural imensa. Agora imagine a China, 6 vezes maior, que possui quase um quinto da população mundial. Tudo isso num espaço de 9,5 milhões de quilômetros quadrados (o Brasil possui 8,5km²).

Soma-se a esse contexto atual a formação chinesa, que consta de dinastias e impérios milenares, portanto uma base cultural extremamente forte e diferenciada do Ocidente, o que torna um pouco difícil, às vezes, entendermos suas tradições e costumes. Fica claro que os hábitos alimentares são construções culturais.

Por conta de todos os boatos que surgem no Brasil sobre a alimentação chinesa, Nicole Assami, engenheira agrônoma que passou um intercâmbio de 4 meses na cidade de Xangai no ano de 2017, confessa que tinha receios em relação a culinária do país, mas percebeu que muita coisa era parecida com a sua cultura. Ela experimentou alimentos comuns no Brasil como carne de frango e de porco, macarrão, legumes cozidos e arroz (mas sem tempero), mas também encontrou alimentos exóticos como pé de galinha, cabeça de peixe e salada de flor de lótus. “Vendiam ovo de pato cozido e embalado a vácuo você abre e vê a gema, meio verde, eles gostam muito”, comenta Nicole.

O que muitas pessoas não sabem é que essas histórias de espetos de insetos são verdade, mas são apenas iguarias da cultura de determinadas regiões do país, que serve para atrair turistas, mas não é nem um pouco comum entre os chineses comerem esses espetos. Eles ficam expostos, mas apenas alguns curiosos se aventuram, como Nicole. “Eu cheguei a comer insetos, escorpião, mas foram em locais turísticos que até os próprios chineses olhavam pra mim com uma cara de nojo”, conta explicando que os espetos ficam em exposição nas ruas, mas não viu ninguém experimentando além de turistas.

Hou Xuan nasceu na China e veio para o Brasil aos 10 anos, ele conta o que conhece da culinária das diferentes regiões do seu país. “Os pratos variam de acordo com região, come-se mais massas na região norte, tais como guioza e macarrão. Também gostam bastante de pratos apimentados, bastante comum na região central da China. No sul há comidas mais leves, por estar próxima do mar, a base são frutos do mar. Tempero leve tem como objetivo sentir mais o frescor dos alimentos. Muitos restaurantes no sul, tem aquários com os peixes e camarões vivos. Em Beijing tem restaurante de todas as regiões, pois é uma cidade cosmopolita como São Paulo”.

O trigo é a base alimentar do norte do país, por isso é mais comum alimentos como o macarrão e o guioza. O sul é a região que mais produz arroz na China. Na região central é o comum o consumo de comidas apimentadas. O lado oeste do país conta com a forte presença de grupos muçulmanos, o que faz com que a principal carne consumida seja a de carneiro. No leste, os sabores são mais suaves e com toque adocicado. Também é forte a presença de peixes nos cardápios regionais, geralmente cozidos a vapor. Na capital, Pequim, é possível se alimentar de comidas típicas de todas as regiões. Porém, a alimentação não varia apenas de acordo com a região, mas também com os grupos étnicos do país.

Festival Yulin no sul da China

O Yulin é um festival gastronômico que acontece na cidade que dá nome ao evento, no sul da China, desde 2009. É um festival polêmico, no qual são servidos alguns alimentos muito específicos, entre eles a carne de cachorro. É importante enfatizar que o consumo tem diminuído, uma vez que a própria população chinesa tem se oposto a isso.

Ainda que o festival seja recente, o consumo de carne de cachorro acontece há mais de 4000 anos na China. Era uma crença dos praticantes da medicina tradicional chinesa que essa carne ajudaria a afastar o calor nos meses de verão. O festival tem sido muito criticado por defensores dos direitos dos animais.

No passado, era comum o abatimento de cerca de dez mil cães para realização do festival, porém, nos últimos anos, a organização informou que a quantidade diminuiu para cerca de mil. O fato está relacionado às leis criadas nos últimos tempos para proibição da venda de carne de cachorro em restaurantes, mercados e outros estabelecimentos do país, mas também a própria desaprovação da maioria dos chineses. Ao que tudo indica, o festival é mais voltado à atração de turistas, e não por um caráter realmente tradicional.

 

Foto destaque: Nicole Assami

Redação

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